Leia no FN o texto da estudante Francisca Batista que ganhou o Concurso Dia de Portugal com “Veia Lusitana”

francisca1Chama-se Maria Francisca Alegra Batista e conquistou o primeiro lugar do concurso “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, instituído pelo Representante da República na Madeira.

Com um sorriso franco e tímido, esta jovem estudante do 12.º ano da Escola Secundária Francisco Franco, apaixonada pela escrita e pela literatura, escreveu um texto sobre o seu País que titulou de “Veia Lusitana”, que pretende ser uma reflexão pessoal sobre Portugal. O júri de avaliação decidiu distingui-la com o primeiro lugar e, no dia 4 de junho, lerá o seu texto no Palácio de São Lourenço, na cerimónia de entrega dos prémios, com os demais candidatos.

O FN divulga o trabalho desta jovem estudante talentosa.

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– Era uma vez Portugal Henriques, um homem que pode ser descrito como um indivíduo franzino, mas de grandes ambições, e que, quanto à sua biografia opto por referir apenas que nasceu em Guimarães, mas viveu por todo o Mundo. Falo-te dele, porque estou preocupada. Hoje vi Portugal cabisbaixo com um ar tristonho, o que é um eufemismo para o seu aspeto moribundo… Parecia-me desassossegado como Bernardo Soares. Portugal envelhece e anula-se. O mesmo Portugal onde os feitos já foram mais do que as desgraças, agora equilibra a balança. Nele reina o espírito de derrota, passa dia e noite a exportar os seus filhos e o seu amanhã consegue ser pior do que o hoje. Portugal tem como máxima: «Reclamo, logo sou Portugal!». A epidemia não passa, a fragilidade resiste. Por ele faço um minuto de silêncio… E oiço a fome a bater à porta, oiço os seus antepassados que se agitam nas campas, oiço o mar repleto de nostalgia de um passado glorioso,…

O problema é que Portugal não passou tempo suficiente consigo. Pelo menos o necessário para se aperceber do quão deslumbrante e virtuoso é, foi, e talvez possa vir a ser. Desconhece quem é. Desinteressa-se pela sua história e ignora o seu encanto natural. Possivelmente por passar tempo de mais com Maria e João. Quem são eles? Bem, Maria é uma ilustre cozinheira. Ela não cozinha, faz obras de arte!… Talvez seja por isso que as mulheres retratadas por Paula Rego são volumosas mas ao mesmo tempo tão vigorosas. Voltando ao assunto, o que Maria cozinha alimenta todos os sentidos, o seu bacalhau, que me enche a alma do sal das lágrimas dos navegadores que desvendaram os oceanos, os seus pastéis de nata aquecem-me a barriga e fervem o peito e as suas tripas, que sabem ao aconchego das noites frias na minha aldeia nortenha. Maria também é uma verdadeira mulher de armas, o seu problema é passar todo o tempo a chorar os filhos ausentes. Ainda não se apercebeu que além de ”vestir as calças” em casa pode ser a patroa fora dos limites da sua residência. João é malandro e preguiçoso, vive com o traseiro enterrado no sofá a ver o Benfica, de bejeca na mão (isto quando Maria não está a ver a telenovela).

Mas atenção! Nós não podemos desanimar porque, como pronunciou Matilde, ‘‘Felizmente – felizmente há luar!”, ou seja, a esperança é a última a morrer. E, além disso, nem tudo é assim tão mau, porque, afinal de contas, Portugal tem talento, tem humor e riso, tem arte e lágrimas… Talvez apenas tenha esquecido o quão perto está a cura para a sua melancolia… Olha em volta! A cura está mesmo aí, no sol e no mar, nas quintas e nos palácios, nas flores e nos ninhos, nos vales e nas montanhas. Só ele não vê.

Este sujeito de que te falei nem sempre foi assim… Por momentos tentarei esquecer o Portugal de hoje e contar-vos tudo o que sei sobre um Portugal de quem gosto muito, quero dizer, adoro bastante… Não, eu amo-o loucamente, sofro da febre de império e receio nunca estar totalmente curada. É um amor daqueles «que arde sem se ver/(…) que dói, e não se sente». Daqueles em que o único anseio é «[Portugal gostava] de te  beijar muito apaixonadamente/na boca», que partilho com Jorge Sousa Braga.

Ao contar-te quem foi Portugal, talvez percebas melhor o porquê de tanto sentimento. Ele cresceu entre muitas batalhas e tratados, com um espírito guerreiro e reivindicativo sempre com Nossa Senhora a seu lado. Entre milagres e rosas, paixões agitadas e cadáveres trajados de rainhas, reis desaparecidos em batalha e um povo que ainda aguarda pelo seu Messias, há um momento que se destaca: quando Portugal se desembaraçou do Tejo para desvendar o Mundo. Parte dele nunca mais voltou. Quem me falou dele foi o seu guardião, Luís de Vaz Camões, de certeza que já ouviste falar dele, não é verdade? Ele cantou-me o caminho que Portugal percorreu nas caravelas até à Índia e o modo intrépido como enfrentou o gigante Adamastor e, sempre abençoado pela deusa Vénus, que o premiou pelo esforço e sacrifício, acolhendo-o numa idílica ilha onde previamente foram reunidas ninfas. Mas nem tudo o que Camões trovou era favorável. O ilustre poeta censurou Portugal e a sua demanda insensata pela fama; condenou o desprezo que atribuiu às artes e às letras e reprovou a sua ganância. Portugal foi iludido pelo poder e pelo dinheiro. E Camões tinha razão, o século XXI continua a dar-lhe razão.

Mas diz-me… É possível não viver apaixonada por este homem que, apesar das dificuldades, alcançou extraordinários feitos, que comprovou que trabalho árduo e ambição são motores de sucesso? Tenho saudades desse Portugal distinto pela sua resistência e robustez. E foi Camões, que foi tratado com desmérito, que o enalteceu. Ele merecia reconhecimento por parte de Portugal, não só porque o serviu pelas armas e pela escrita mas também porque deu o exemplo a outros escritores como Fernando Pessoa. Este também engrandeceu os feitos de Portugal, desencadeados pelo seu sonho marítimo e que ainda aguarda a Hora. Mas ninguém supera Camões, dotado de um génio sui generis. Com o seu lado lunar («De que me serve fugir/de morte, dor e perigo,/se me eu levo comigo?» e um lado enamorado («Vossos olhos, Senhora, que competem/Com o Sol em beleza e claridade,/Enchem os meus de tal suavidade,/Que em lágrimas de vê-los se derretem.»). Este poeta, que perdeu um olho da face para ganhar um na alma, é a bandeira da língua Portuguesa e Os Lusíadas o seu hino.

Com tantas viagens, Portugal conseguiu deixar a marca pelos sítios por onde passou. Desde cedo preferiu um destino incerto além dos mares, ao vaso de terra de onde brotou. No passado, abandonou o seu lado aventureiro na época em que partiu em busca de conquistas e descobertas, agora é abandonado pela sua parte que aspira por uma residência que lhe sorria, a sua versão instruída e igualmente lutadora. O seu vestígio pelo globo orgulha-o, é uma comunidade capaz de enriquecer o ninho onde escolhe assentar. Portugal deixou a sua língua no Brasil, Timor, Macau, Angola, Guiné-     -Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique e registou a palavra saudade em todos os cantos do mundo. Ai saudade, aquele sentimento que partilhamos com Amália ou com as Tunas de Coimbra, aquele apelo permanente ao regresso.

Espero que saibas que este Portugal por quem concebi esta relação de natureza extremamente afetiva ainda existe. Por vezes, podemos ter um pequeno relance da sua essência e é por estes instantes eternos que o amo por inteiro, que o amo como se fosse para sempre. É naquele exato segundo que se justifica o meu amor por ele! Eu sinto o calor das furnas a ruborizar-me o rosto e a minha arritmia cardíaca supera a agitação de Lisboa a 1 de novembro de 1755. Um amor onde tranquilidade não é uma opção, mas sim a ilusão num deserto de inquietação de um oásis paradisíaco (como as praias douradas do Porto Santo que se alongam para um mar límpido). Um amor com mais urgência do que a de explorar os percursos no interior montanhoso e verdejante da Madeira. Um amor sem freio, como sentiu Nuno Álvares Pereira na Batalha de Aljubarrota. E é assim que prometo amar Portugal. E tu? Prometes também?

Se ainda não disseste que sim… Continuarei a tentar, porque Portugal, que aparenta ser um retângulo melancólico, quando olhamos bem, vemos a plenitude que nele se esconde. Espero que repares no seu lado pacato e no seu silêncio aconchegante, que também caracteriza as aldeias alentejanas. Aos teus olhos terás um amante da adrenalina, como os surfistas da Nazaré. Espero que não te assustes ao descobrir que tem mais heterónimos que Fernando Pessoa, que esconde mais personalidades do que as que enchem as falésias da Albufeira no mês de agosto. Também te quero garantir que não conhecerás nenhum anfitrião tão caloroso. Ele aprendeu maneiras com os portuenses e o seu coração de ouro. Tu nunca te depararás com um ser tão atencioso e meigo, mais doce só os ovos-moles de Aveiro ou a harmonia que sentes ao passear na ria. Com ele viverás um romance belo e requintado, verás o pôr-do-sol em Vila Nova de Gaia e irás sentir-te como uma princesa no maior dos luxos tal qual habitar o Palácio da Pena ou a Quinta da Regaleira, em Sintra. Vais desejar passar horas com ele a conversar, será como passar um dia na Biblioteca da Universidade de Coimbra, uma das universidades nacionais que gerou cidadãos excecionalmente cultos e preparados para o mundo que está para além das capas dos livros. Só com ele saberás o que é a verdadeira tranquilidade, que, sem ser à beira de Portugal, só pode ser experienciada a passear no Parque Nacional Peneda-Gerês, onde fazes parte da Natureza. Um dia hás de perceber a sorte que tens em conhecer um artista como Portugal, que arquitetou as ruas do Chiado, o autor da arte urbana espalhada pela capital, onde a poesia vive na rua, mais especificamente sentada no café «A Brasileira».

Hoje, Portugal faz anos e todos os bocadinhos de si que o abandonaram ao longo dos anos retornam espiritualmente para lhe afagar aquele músculo rúbido e palpitante onde mora Camões.

Portugal, agora, eu quero falar contigo. Se tu queres ser o homem que eu amo, preciso que te deixes salgar pelas palavras de Pe. António Vieira e que releias as de Eça Queirós n’Os Maias, principalmente quando refere: “Aos políticos, «menos liberalismo e mais carácter»; aos homens de letras, «menos eloquência e mais ideia»; aos cidadãos em geral, «menos progresso e mais moral».” Se me queres fazer tua amada, lembra-te do que disse Mariza: «O tempo não para, o tempo é coisa rara». E, como um dos famosos provérbios que me ensinaste diz, «Dos fracos não reza a História», e chegou a altura de dar um novo rumo à nossa, não há um segundo a perder. Ergue-te como o mesmo Portugal que se afirmou no Mundo e atrás estarei eu a anunciar: « Heróis do mar, nobre povo,/Nação valente, imortal,/Levantai hoje de novo/O esplendor de Portugal!/Às armas, às armas!/Pela Pátria lutar». ”

Maria Francisca Alegra Batista