Alta tensão na saúde: ortopedista Manuel Ramos abandona hospital e vai para a privada

manuel ramos
Manuel Ramos bate com a porta do hospital e opta pela privada.

É mais uma baixa no depauperado e controverso serviço de ortopedia do Hospital Dr.º Nélio Mendonça. Manuel Ramos abandona o Hospital para dedicar-se exclusivamente à medicina privada. Sai desgastado com uma gestão errática do serviço a que pertencia e de todo o sistema de saúde hospitalar e denuncia o caso à Ordem dos Médicos.

Segundo o FN apurou, Manuel Ramos era o único cirurgião que no serviço de ortopedia fazia cirurgias à coluna, perdendo assim o Hospital o médico especialista de referência com os inevitáveis reflexos no sistema.

Este médico tem ainda a particularidade de ser compadre do atual secretário regional da Saúde, o que não deixa de suscitar alguns comentários irónicos junto da classe médica, no sentido de que, nesta onda destruidora do SESARAM, “nem os mais próximos escapam”.

Manuel Ramos irá trabalhar apenas no privado, no MMC – Madeira Medical Center e Clínica de Santa Luzia.
 Lista vai longa
Este nome é mais um a engrossar a lista de conceituados médicos do hospital que bateram com a porta, desconsiderados pelos gestores da saúde na Madeira e até mesmo pelos seus pares que, uma vez na hierarquia, não têm conseguido pacificar os ânimos e atrair os recursos humanos válidos e experientes, assistindo-se a uma debandada médica do público para o privado. Mais preocupante é o facto de os governantes que se têm sucedido na saúde não conseguirem estancar este êxodo de médicos, numa ilha com tantas  limitações de quadros médicos.
O FN teve acesso à exposição que o médico Manuel Ramos fez ao Colégio de Ortopedia da Ordem dos Médicos, a 15 de março, onde faz um retrato bastante desolador da gestão do serviço de ortopedia bem como da saúde hospitalar no seu todo. Reproduz-se, de seguida, essa missiva.
hospital“Desde o fim dos anos 90, no Serviço de Ortopedia da Madeira começou a se tornar aparente uma clivagem, funcional e de interesses, entre um grupo exigente e dinâmico, composto maioritariamente pelos elementos mais novos (mas não só) e um grupo retrógrado composto maioritariamente pela “geração” anterior e alguns elementos júniores de personalidade “flexível”.
Em várias ocasiões ocorreu litígio entre os dois grupos, actuando a direcção do Serviço como catalizador, favorecendo sistematicamente a acção dos primeiros, o que proporcionou a grande dinâmica, evolução e projecção nacional do nosso Serviço entre 2000 e 2008.
A partir de 2008, com a saída do último director consensual (dr. Luís Filipe Costa Neves), o Serviço foi tomado de assalto por esse grupo de colegas retrógados e venais que rapidamente moldou o mesmo à sua tacanha medida. Todos lembram a famosa greve da Ortopedia na Madeira. Estrategicamente promovidos e incitados por uma tutela declaradamente hostil ao Serviço, apesar de pouco coesos (mas sectários e individualmente muito ambiciosos) cumpriram entusiasticamente com todas as estratégias destrutivas da mesma, numa sucessão de directores que pactuaram vergonhosamente com a retirada de tempos cirúrgicos e camas (enfermarias e valências inteiras), expulsando ou afugentando sistematicamente todos os elementos dinâmicos, exigentes e responsáveis do Serviço. No processo, o maior Serviço clínico da Madeira, respeitado dentro e fora da Região devido aos seus prestigiados elementos, à sua actuação coesa e eficiente e pela sua produtividade acima da média, foi convertido num “servicinho”, composto por um grupo ineficaz, venal e heterogéneo de indivíduos que são a troça de outros Serviços da Região (muitos dos quais usufruem da sua desgraça) e cujas necessidades legítimas mais básicas no sentido da melhoria assistencial, são simplesmente desprezadas pela tutela.
Actualmente, como resultado, a ortopedia infantil é “assegurada” por um único colega que se orgulha em não realizar qualquer das actividades diferenciadas (ecografia da anca, cirurgia correctiva da anca, etc.) minimamente necessárias. O tornozelo e pé são tentativamente “geridos” apenas por uma colega inexperiente que demora cerca de duas horas para operar um simples dedo do pé “em martelo”. Com a minha saída, conspicuamente, não existe agora nenhum colega apto a operar coluna no Serviço de Ortopedia (de 3 elementos iniciais da agora extinta Unidade de Coluna) nem alguém com qualquer experiência significativa em resolver pseudartroses ou perdas e deformidades ósseas. Apenas a unidade de artroplastias de revisão beneficia ainda de dois elementos, o anterior e o actual Directores do Serviço. A anca e o joelho sempre foram, com maior ou menor sucesso, resolvidos por todos no serviço, sem nunca terem tido uma Unidade correspondente (embora não faltem candidatos de ego insuflado).
Por discutível intervenção de um recente Director do Serviço, a torre digital de artroscopia original foi, há já algum tempo, trocada por outra analógica de má qualidade e sem opção de impressão ou armazenamento de imagem, obsolescência que se mantém e que na prática impede eficazmente toda a actividade artroscópica no Serviço.
Um dos colegas expulsos incorreu no erro de voltar recentemente para o Serviço, procurando realizar a actividade de cirurgia do ombro em que se especializou. Foi-lhe atribuído um meio-dia cada duas semanas… apenas para traumatologia. Talvez agora com a minha saída possa operar algo mais diferenciado. Eu próprio realizava uma incrível média de 2 cirurgias “programadas” por semana, a maior parte colos do fémur…
A lista de espera de cerca de 4500 doentes, “magicamente convertida” em cerca de 3000 no início deste ano, não é susceptível de resolução com a actual actividade cirúrgica de 5 meios-dias semanais, com uma média de 2 doentes operados em cada, independentemente da complexidade cirúrgica, fruto de um pachorrento ritmo próprio do Bloco Operatório nosso hospital, consagrado por decénios de uso (chega a demorar 1h30m entre cada cirurgia).
O Bloco de Cirurgia de Ambulatório, pomposamente inaugurado recentemente, não tem funcionamento previsto, por falta de material e instalações deficientes. No entanto, se funcionasse, por cortesia da tutela, apenas um meio-dia por semana estaria cedido a toda a Ortopedia. Hoje, a actividade cirúrgica do serviço de Ortopedia é quase exclusivamente traumatológica e as enfermarias estão permanentemente ocupadas por asilados e, frequentemente, por casos de outros serviços que não tiveram vaga (nomeadamente pneumonias da Medicina Interna!). Muitas vezes nem existe espaço para isolamento adequado de casos infecciosos, convivendo os mesmos directamente com os doentes operados.
Os pacientes, nas enfermarias, não estão clara e inequivocamente atribuídos de forma responsável a cada médico do Serviço, cuidando convenientemente dos mesmos quem calha estar presente na ocasião. A enfermagem dispõe, no entanto, de uma lista grosseira e muito falível por “equipas” para informar os médicos que ignoram quais doentes foram internados por quem…
A cirurgia traumatológica é hegemónica, mas mesmo assim de forma precária, com muitas cirurgias realizadas por um só elemento (embora registem afincadamente no sistema informático os “ajudantes” inexistentes para não “dar nas vistas”). Tal dá origem, por exemplo, a parafusos rápida e convenientemente aplicados em colos do fémur fracturados de necrose previsível em idosos e artroplastias ajudadas pelo enfermeiro instrumentista. Muitas das “cirurgias” são apenas reduções incruentas, embora não contabilizadas como tal na estatística.
Recentemente, com a actual gestão economicista do hospital, têm ocorrido carências permanentes e prolongadas inaceitáveis de material cirúrgico básico de uso diário, resultando em adiamentos ou técnicas inadequadas. Tal não impediu a introdução bombástica de dispendiosas técnicas para fins demagógicos e de promoção individual, como aconteceu recentemente: 3 cavilhas de alongamento ósseo num total (só em material) de 57000 euros, devidamente publicitadas nos media. Este ano, o actual Director assumiu o cargo sem qualquer exigência prévia, tacitamente conivente com todas as limitações impostas, preocupando-se exclusivamente com o preenchimento das escalas na actividade pouco diferenciada realizada na consulta aberta que dá pelo nome de Serviço de Urgência (na mesma até baixas e atestados nos obrigam a passar). Voluntariamente ou não, este Director tem sido, mais uma vez, um mero “sacristão” da tutela e um “testa-de-ferro” desse grupo de colegas acomodados mas sectários, aguardando placidamente a reforma, e alguns colegas mais novos remanescentes, servis por obrigação ou conveniência, que lhes cobrem as muitas falhas e ausências, colhendo as migalhas. A actividade intensiva no SU que entusiasticamente promoveu valeu-lhe o inebriante e encorajador aplauso entusiástico da tutela (e o escárnio velado de outros serviços), apesar de nem sequer encobrir as enormes carências de que o Serviço padece e que ele prefere simplesmente ignorar. Essa promoção, a todo o custo, da actividade no SU com escassos elementos, tem levado à formação de equipas de apenas 2 elementos para presença física de 24h e 2 elementos de prevenção 24h exclusivamente para a cirurgia de urgência dos casos recebidos e orientados pelos primeiros. Em cada uma destas equipas de 2 (presença ou prevenção), 1 elemento é frequentemente um Interno, em total discordância com o preconizado pela OM.
Além disso, na maioria destas equipas apenas um dos dois está, na prática, presente na maioria do tempo. Assim, com 2 elementos de presença física, são assistidos uma média de cerca de 100 doentes em 24h (a maior parte “consultas” banais, com predomínio de lombalgias simples), por vezes cerca de um terço da afluência de um SU que dispõe todavia de um total de cerca de 70 médicos escalados entre todas as Especialidades de presença ou prevenção em cada 24h.
Como orgulhosamente alega o actual Director, esse intensivismo (masoquista?) no SU consegue efectivamente providenciar alguns (poucos) tempos cirúrgicos adicionais ao Serviço pelos doentes operados em prevenção, tempos esses que de outra forma permaneceriam negados pela tutela pela exiguidade dos períodos atribuídos à cirurgia ortopédica “programada”.
Entretanto outros tempos cirúrgicos são comodamente obtidos sem qualquer esforço por outros Serviços “de primeira linha”, algumas vezes mesmo retirando aleatoriamente tempos cirúrgicos ou ocupando sem aviso salas atribuídas à “reles” Ortopedia. Temos que reconhecer que, para muitos elementos do Serviço, a desgraça e o mau desempenho do mesmo é, muito simplesmente, a desejada bonança na privada, manipulando e transferindo abusivamente doentes, recebendo nas clínicas casos que “fogem” do hospital público e colhendo mesmo benesses indevidas de outras Especialidades (ex. Neurocirurgia) que aproveitam para monopolizar para si alguma da rentável actividade ortopédica mais específica (coluna) que os primeiros não realizam.
A submissão à tutela é também uma adequada moeda de troca para que esta faça “vista grossa” às suas ausências e omissões no Serviço. Esta confrangedora insuficiência do Serviço de Ortopedia é muito bem conhecida dos colegas de Lisboa, onde preferencialmente têm acorrido muitos doentes com patologia ortopédica não tratados ou inadequadamente assistidos na Região.
Claro que os actuais elementos dominantes do Serviço de Ortopedia sabem muito bem que, maioritariamente por sua responsabilidade, actualmente, o mesmo não corresponde, de forma alguma, às necessidades da população da Ilha da Madeira, sendo mesmo de recear (não eles) uma catástrofe a médio prazo, com a sua saída em massa por limite de idade, num Serviço insular de “fim-de-linha” com pessoal escasso. No entanto têm muita esperança na recuperação integral da idoneidade formativa, mas apenas para a reedição de um “filme” surreal por eles já realizado, em que uma hoste de submissos Internos trabalham afincadamente, beneficiando do seu “benévolo e sapiente” apoio de “mãos nos bolsos” aguardando comodamente pela reforma, “filme” de qualidade duvidosa que já tentaram, com sucesso limitado, editar no Serviço há mais de 10 anos atrás. Já têm o “cenário” montado… Termino pedindo encarecidamente aos Exm.os membros da Direcção do Colégio de Ortopedia, para bem dos doentes e dos Internos, que não se deixem enganar e não permitam, de forma alguma, a reedição desse “filme”… Nunca será um êxito de bilheteira!”