A rendição

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A duas semanas e meia das eleições legislativas nacionais, agendadas para o próximo dia 4 de Outubro, vou-me dando conta de alguma aflição junto das hostes do PSD-M.

Então não é que, a propaganda, os cartazes, os out doors, como é já prática identificar os sinais exteriores de propaganda estática dos paridos políticos, tentam remeter o PSD-M para a posição de defensores intransigentes da Autonomia, – “Autonomia Sempre”, a fazer lembrar os cartazes do PCP/CDU, “25 Abril Sempre”, que, nesta acessão, saúdo, que cumpro e que aplaudo -, do novo hospital, que transita das regionais, de “mais autonomia”,- por parte de quem, até agora não teve uma palavra em defesa da que existe -, e, expectante, por exemplo, quanto ao que dirão sobre os transportes marítimos entre a Madeira e o Continente, quedo-me no cumprimento das promessas sobre o subsídio de mobilidade e a Portaria que lhe deu existência e que, lembremo-nos, foi promessa de anteriores eleições.

Pois bem. Essa portaria, que cumpriria a promessa dada quando era preciso prometer, ainda que sem a intenção séria de cumprir, traduz com agressividade, e sem decoro, o espírito que presidiu à sua formulação; o de, com toda a mesquinhez, prepotência, arrogância, altivez e falta de respeito pelos cidadãos, humilha-los e colocá-los na posição de, em lugar de detentores de um direito legítimo, serem objecto de um acto de “caridade” que, no tempo certo, – o tempo certo deles -, os poderes públicos não deixarão de realizar reembolsando, tarde e mal, os utentes, e só aqueles que, antes, tiveram possibilidade de antecipar o pagamento respectivo. Conceptualmente elitista, financeiramente exigente para os utentes e burocraticamente dificultador no seu processo, o que os governantes decidiram foi, basicamente, não fazer o que era exigível e obrigatório. Se nos ativermos ao modo como este subsídio funciona nos Açores, percebemos a “vantagem” da rendição, cuja declaração o presidente do governo regional da Madeira “assinou” quando, há uns tempos atrás, se declarou a 100% com o primeiro-ministro deste nosso País. É lamentável que, na Madeira, sejamos tratados como portugueses submissos, pacatos, cumpridores, respeitadores – vá-se lá saber de quê e porquê – e disponíveis para aceitar as aventuras pouco civilizadas, pouco democráticas, pouco decentes e pouco, ou nada, compatíveis com os nossos 41 anos de democracia a que o PSD, todo ele, parece ter virado as costas com o orgulho dos inimputáveis.

 É verdade. O presidente do governo regional da Madeira rendeu-se ao líder do seu partido.

Declarou-se a 100% com ele e com a sua prática e atitudes, supõe-se, e, com essa simples declaração, vou repetir, assinou uma declaração de rendição.

Pode mandar pôr na rua os cartazes – out doors – que quiser, pode inventar as promessas que lhe parecerem mais “vendáveis”, pode fazer o pino, inventar a Madeira do sonho, – aos madeirenses restará, sempre, a do pesadelo -, criar os horizontes de felicidade que a sua lealdade, – fidelidade -, partidária determinam, pode tentar fazer tudo, ou quase; não pode é, no entanto, convencer ninguém de que, entregando-se nas mãos de um centralista e autoritário dirigente do PSD nacional, o seu presidente, alguém que convive mal com a Constituição da República, alguém que lida com dificuldade e resistência com a oposição que a democracia exige e legitima, alguém que mantém vivo, e não disfarça, um contencioso com o Tribunal Constitucional, alguém que tem das regiões autónomas o sentimento de ser ele, e só ele, a determinar o seu futuro, à revelia da Constituição e da Lei, – na letra e no espírito que as enforma -, como é o caso do citado cidadão e actual primeiro-ministro, não pode é, dizia, o presidente do PSD-M e do governo regional, arrogar-se, eleitoralmente, na primeira linha da defesa da Autonomia e a preparar o seu aprofundamento, o seu represtigiamento, a sua dignificação, e a sua capacidade para, de forma inteligente, assertiva e integradora, ser parte activa do conjunto unitário e afectivo que é Portugal, quando escolhe, aliando-se, alguém que com ela, a autonomia, não tem qualquer sinal de identificação, estima e profícua colaboração.

O presidente do PSD-M, 100% ao lado do seu (aparentemente) incontestável chefe, colocou a Autonomia nas mãos do líder nacional do seu partido e, a partir daqui, resta aos madeirenses esperar que, de forma soberana, a 4 de Outubro, os portugueses em geral, e os madeirenses em particular, venham a declarar nulo esse gesto de lealdade e solidariedade anti- autonomista e anti madeirense.

Cabe a todos repor o orgulho na Madeira, na Autonomia e no futuro que, com confiança, em nome daqueles a quem a história a todos obrigará a prestar contas, anseiam para as futuras gerações.

Em Maio, com algum optimismo, escrevi aqui o seguinte: “… Em nome desses valores, que prezo, respeito e me esforço por cumprir, devo afirmar, sem ambiguidades que, sendo embora cedo para avaliar da qualidade e quantidade do que, substantivamente, invade o espírito criativo dos novos responsáveis e o rol daquelas que poderão vir a ser as propostas que darão cor e futuro aos novos tempos, há um conjunto de iniciativas de natureza procedimental, mais conformes com a democracia e com as suas exigências, que têm vindo a ser adoptadas…”. Referia-me, naturalmente, aos novos dirigentes do PSD-M e ao governo que, entretanto, e legitimamente, na sequência das eleições de 29 de Março, tinham constituído.

Começo a descrer. E, pela experiência do passado, temo o pior.

Post-scriptum:

Enquanto nos vamos apercebendo da evolução crescente dos preços, sem tempero, nas viagens entre o continente e a Madeira, deparamo-nos hoje, 17.09, segundo notícias públicas, com a satisfação manifestada pelas companhias aéreas pelo novo regime para o subsídio de mobilidade.

Fica claro, assim, quais os interesses “públicos” salvaguardados pela tal Portaria…

Funchal, 16 de Setembro de 2015