Açores, Madeira e outras desigualdades

Carlos Fino

Depois de terem imposto aos madeirenses, com a inestimável colaboração do governo regional anterior, um regime de tarifas aéreas “regulado” pelo mercado, eufemismo de serviço para justificar a selvática exploração dos indígenas pelas companhias aéreas, enquanto vigorava nos Açores um regime de preços imensamente mais favorável, o nosso inefável primeiro-ministro, com aplauso quase geral, prometeu-nos agora tarifas ainda mais baixas do que as açorianas. Imagino que o senhor primeiro-ministro deve ter utilizado uma sofisticadíssima regra de três simples para calcular o teto máximo das tarifas que os madeirenses passarão a ter de desembolsar: cerca de 1500 quilómetros de distância entre Ponta Delgada e Lisboa estão para 134 euros, como 973 quilómetros de distância entre Funchal e Lisboa estão para x, sendo o referido x = 86 euros, mais coisa, menos coisa.

Perante o resultado de tão sofisticado instrumento de inclusão territorial, os nossos irmãos açorianos nem sabem o que pensar. O que eles sabem é o que nós sabemos: que é possível medir com exatidão as distâncias entre os arquipélagos e os continentes. Outra coisa é usar um critério de merceeiro para responder ao problema da descontinuidade territorial, que é como quem diz, da insularidade e da ultraperiferia. Qualquer criança compreende que a questão a ser resolvida pelas tarifas aéreas para residentes não é de natureza quantitativa, mas qualitativa. O que une açorianos e madeirenses na reclamação de tarifas aéreas decentes é, simplesmente, a luta pela coesão nacional através do triunfo do princípio da continuidade territorial, que atenue as dificuldades, as desvantagens e os custos adicionais de viverem em territórios insulares a centenas de quilómetros do continente. Não se trata, portanto, do número exato de quilómetros, como terá concluído o senhor primeiro-ministro, certamente por não fazer a mínima ideia do que é insularidade e por ter sido mal informado por quem o recebeu na recente visita-espetáculo à Madeira, toda ela recheada de discursos para boi dormir.

De facto, oferecer tarifas máximas de residente a 86 euros aos madeirenses e impor aos açorianos a manutenção dos 135 euros para pagar tarifas de idêntica índole não passa de um cínico exercício de discriminação, destinado a pôr açorianos contra madeirenses. Muito em linha com a estratégia do PSD e do CDS que, coligados há quatro anos na república, e pelos vistos em vias de idêntica coligação por cá, têm feito o possível e o impossível para voltar os portugueses uns contra os outros como modo de intervenção política. Dividir para reinar. Invocar a necessidade de abolir privilégios como argumento para nivelar por baixo. Retirar ou limitar direitos constitucionalmente consagrados. Voltar os funcionários públicos contra os trabalhadores do sector privado, os pensionistas contra os trabalhadores no ativo, os novos contra os velhos, a geração atual contra as futuras. Isso tem constituído o essencial da política de ajustamento para além da troika protagonizado pelo primeiro-ministro do PSD e pela sua muleta do CDS e é um testemunho eloquente da sua absoluta falta de imaginação para fazer melhor e do desprezo que, no fundo, sentem pelas pessoas, incluindo as incautas que os elegeram.