Foto do arq.º José António Paradela, no Facebook do eng.º Danilo Matos.
O arquiteto José António Paradela faleceu. O arquiteto deixou vários trabalhos no âmbito da arquitetura e urbanismo e também colaborou ativamente com a Madeira, nomeadamente com a Câmara Municipal do Funchal e Governo Regional, ao nível da conceção dos planos diretores municipais e de ordenamento do território, que tanta celeuma sempre levantaram.
O amigo, eng. Danilo Matos, presta homenagem ao falecido nas redes sociais, deixando palavras elogiosas sobre a afirmação do profissional no mundo da arquitetura e urbanismo, num texto que se reproduz em parte no FN:
” O seu curriculum é vastíssimo e compreende várias disciplinas e tipologias, desde as arquitecturas, especialmente habitação colectiva e equipamentos, ao ordenamento do território e ao planeamento urbanístico. Nesse aspecto, podemos dizer que a Madeira foi a sua ‘praia’. Quero apenas referir, entre os mais de uma centena de projectos, uma parte significativa da sua obra pública, incluindo ainda as cooperativas de habitação.
Antes, peço licença apenas para uma referência breve para destacar a sua participação nos projectos SAAL, logo a seguir ao 25 de Abril, em colaboração com o arquitecto Gravata Filipe, seu colega de Atelier. O SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local, foi uma iniciativa lançada pelo Arquitecto Nuno Portas, então Secretário de Estado para a Habitação e Urbanismo logo a seguir ao 25 de Abril, para as zonas de barracas, principalmente nos arredores de Lisboa e Porto, que deveria envolver as populações mais carenciadas num processo participativo na construção e reabilitação das suas habitações. A equipa do meu amigo ‘residiu’ durante dois anos num dos bairros mais problemáticos da zona metropolitana de Lisboa – o célebre bairro da Curraleira. No seu conjunto, o programa revelou-se uma experiência pioneira com a auto-construção de 260 fogos e a Curraleira foi um dos dez projectos que ficou na história e um dos escolhidos para a exposição realizada em Serralves no Porto, em 2015.
No planeamento urbanístico, a sua área de trabalho preferida, começamos por destacar o POTRAM (1990) – Plano de Ordenamento Territorial da Região Autónoma da Madeira, coordenando uma vasta equipa pluridisciplinar, um tipo de Plano em que a Região pode dizer-se que foi pioneira mas em que faltou, a meu ver, a visão e a coragem suficientes para agarrar os aspectos inovadores e ousados da proposta, bem como o seu conceito estratégico; mas muitas coisas foram aproveitadas ao nível das comunicações e que muito contribuíram para uma nova visão das nossas potencialidades de desenvolvimento. Coordenou a elaboração da base de Dados do Ambiente da RAM e, ainda, a Carta de Riscos de Erosão Hídrica da Ilha, em colaboração com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
Nos Planos da Urbanização destacamos os Planos Directores Municipais de Santa Cruz, Machico e Porto Santo e o Plano de Urbanização do Amparo/Piornais – a nova área de centralidade do Funchal para 27000 habitantes; os Planos de Urbanização do Porto Santo Golfe, da Lapeira e Calheta; dos Reis Magos – Portinho. Os Planos de Pormenor para as Zonas de Desenvolvimento na Ilha do Porto Santo – Lapeira, Vila e Ponta da Calheta, bem como a coordenação do projecto Agrícola do Porto e Centro Cultural.
Planos de Ordenamento da Orla Costeira da Madeira: Câmara de Lobos – Ponta do Pargo e Funchal – Ponta de S. Lourenço.
Plano da Frente Mar de Machico, incluindo os equipamento instalados, com destaque para o Forum Cultural. O Plano da promenade da Frente Mar do Funchal, Lido – Praia Formosa, incluindo as Poças do Governador. O Plano da Frente Mar da Calheta e do Porto de Abrigo; Plano de Urbanização da Área do Golf da Ponta do Pargo; Plano de Urbanização do Porto Santo Golf. Equipamentos desportivos destacando-se o excelente projecto das Piscinas Olímpicas e do Centro Desportivo e de Estágios da Ribeira Brava.
Na Habitação Social destaca-se o Alto da Ajuda do FFH – 80 fogos, conjunto preços controlados do Til 1971 – 60 fogos, conjunto do Alto Lido – 60 fogos. Conjunto Habitacional do Pilar – 190 fogos. E uma série de projectos para outras cooperativas de habitação totalizando cerca de 400 fogos. Na restante actividade de projectos de iniciativa privada, que são muitos, apenas uma referência ao da Caixa Geral de Depósitos e ao de recuperação do Hotel Four Views Baía, premiado, em 2009, com o prémio recuperação, atribuído pela CMF.
Para Ílhavo, a sua terra natal, fez o projecto dos Paços do Concelho e o Centro de Religiosidade Marítima e o Jardim Henriqueta Maia. A nossa amizade, que nasceu quando vim trabalhar para a Madeira em Março de 1981, foi-se cimentado à medida que nos fomos conhecendo, com as nossas conversas sobre a cidade. Foi fácil, tínhamos ideias semelhantes sobre as suas necessidades nas áreas do Ordenamento do Teritório e do Urbanismo, ele já com grande experiência e eu, embora com 8 anos de formatura, por razões diversas, estava iniciar uma espécie de estágio. O que mais me impressionou nesta amizade de 42 anos foi, para além da sua sabedoria, a paixão com que falava dos seus projectos, nem sempre compreendidos. Eu próprio lhe colocava dúvidas nas nossas viagens ao aeroporto ou quando o tempo dava para uma conversa mais calma. Era nestas situações que o José António, muitas vezes, puxava de um papel e desenhava – eu dizia-lhe, na brincadeira, que tinha ‘uma caneta que falava’, tal era a facilidade com que exemplificava as suas ideias.
Sobre o trabalho era mais eu que puxava a conversa. Mas era também sobre cultura, especialmente a música e a escrita. Na música, recordo os temas que ele escolhia e colocava na sua página do seu facebook. Na escrita, deixou-nos dois livros apaixonantes de crónicas e pequenas estórias sobre os lugares onde cresceu e conviveu “Uma Ilha no Nome” e “A Rua Suspensa dos Olhos”, e um livro de textos poéticos, “O Livro das Santinhas de Apegar”. Gostava de realçar os seus vídeos que são de uma qualidade e de riqueza fotográfica e temática extraordinárias. Estão no Youtube. Ainda fizemos juntos um filme em 8/mm “As Cheias Que Abalaram Portugal”, Vala do Carregado em 25 de Novembro de 1967, com fotografia minha e montagem e música do José António; pode ser visto também no Youtube com o título aqui mencionado.
Num dos livros, na badana da capa, escreveu, com algum humor:
“Acabou Arquitecto, no meio de lutas estudantis. Corria o ano de 1967. Descobriu pouco depois o urbanismo e o ordenamento do território e, após Abril, mergulhou no grau zero dos estabelecimentos humanos: Bairros de lata.
Uma vez adulto, foi mal comportado: Quis salvar o mundo, ou pelo menos algumas cidades, mas até hoje ainda não conseguiu.
O pior é que continua a teimar que ainda será possível. Sem emenda!”
Era assim o meu amigo. Um homem bom, honesto, culto, sem pretensões e com humor. E a juntar a tudo isto – um grande arquitecto e urbanista.
Termino com um desejo que tenho o dever, por consentimento da Matilde, sua companheira, de tornar público – o Arquitecto José António Paradela delegou-nos a tarefa de cuidar do seu espólio, sobretudo dos Planos realizados para a Madeira, que são muitos. Diligências feitas, eles serão depositados na DROT – Direcção Regional de Ordenamento do Território, que agradeceu o gesto do urbanista e manifestou todo o interesse em cuidar e disponibilizar aos estudiosos os seus trabalhos, que são uma parte documental da nossa História insular.
Saúdo especialmente o gesto da DROT, Direcção Regional de Ordenamento do Território, na pessoa do seu Director, Dr. Ilídio Sousa. O José António morreu sabendo da notícia, que ia ao encontro do que ele estimaria – o reconhecimento de uma vida de trabalho em grande parte dedicado à Madeira.”