SPEA quer apagar luzes para não desorientar as aves

Um apagão para trazer vida à noite – é este o desafio da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que nesta época festiva lança uma campanha de angariação de fundos em que, “por cada 10€ angariados, irá apagar um candeeiro de rua na ilha da Madeira”.

O objectivo da acção é mostrar o impacto da luz artificial excessiva, e em simultâneo angariar financiamento para o trabalho da associação em salvar cagarras e outras aves marinhas, e implementar soluções que reduzam a poluição luminosa. A campanha decorre até ao final de Janeiro, em www.noitecomvida.spea.pt .

Consoante o valor, os municípios parceiros da iniciativa apagarão os candeeiros de rua – um candeeiro por cada 10€ angariados – por uma noite no próximo Outono, a altura mais crítica para as cagarras, quando as aves jovens saem dos ninhos.

“Esta é uma acção simbólica de uma noite, mas com o objectivo de proporcionar muitas noites com vida”, explica Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira.

“Ao contribuir para esta campanha, as pessoas estarão a ajudar-nos a salvar centenas de aves marinhas que ficam encandeadas, a estudar o impacto da poluição luminosa, e a trabalhar com os municípios e empresas para implementar iluminação pública mais eficiente, mais adequada e mais bem direccionada.”

Considerada uma das formas de poluição em mais rápido crescimento e mais largamente espalhada pelo mundo, a poluição luminosa afecta não só as aves, mas inúmeras outras espécies e até a própria saúde humana.

99% dos habitantes da Europa e dos EUA vivem sob céus nocturnos mais brilhantes do que seriam naturalmente. Esta exposição contínua à luz afecta processos vitais como a produção da hormona melatonina: maior luminosidade à noite reduz a produção de melatonina, levando a problemas como privação de sono, fadiga, dores de cabeça, stress e ansiedade e até, segundo alguns estudos científicos, aumentando o risco de alguns cancros como o da mama e o da próstata.

“E a nossa carteira também sofre com candeeiros que emanam luz em todos os sentidos em vez de a direccionarem para onde é precisa (por exemplo para os passeios ou estradas), luzes que ficam ligadas desnecessariamente (por exemplo em edifícios) e iluminação pouco eficiente: cada residente na Madeira, Açores e Canárias paga cerca de 30€ por ano em luz pública não utilizada, segundo as estimativas. A esse desperdício e ao impacto na saúde humana soma-se o impacto na Natureza”, refere a SPEA.

“Todos os anos, cerca de 1100 aves marinhas morrem nestes arquipélagos, devido à poluição luminosa – o que é especialmente preocupante se pensarmos que as aves marinhas são um dos grupos animais mais ameaçados do mundo”, sublinha a nota.

No Outono, os juvenis de cagarra saem dos ninhos e fazem-se ao mar, onde passarão a maior parte das suas vidas. No escuro da noite, emergem das tocas em que nasceram e procuram o brilho do mar no horizonte. Mas infelizmente, hoje em dia, os reflexos do mar não são o único brilho no Atlântico – nem o mais evidente. As luzes das nossas vilas e cidades iluminam os céus, e estes juvenis pouco experientes são atraídos para zonas humanizadas.

Estas aves de hábitos nocturnos têm olhos sensíveis à luz, por isso ficam muitas vezes encandeadas pela intensidade das luzes artificiais, acabando por chocar com edifícios, linhas elétricas e veículos. Algumas acabam por cair ao chão, podendo mesmo morrer devido aos ferimentos ou à incapacidade de voar.

Para ajudar estas aves, a SPEA mobiliza todos os anos dezenas de voluntários, nas campanhas SOS Cagarro nos Açores, e Salve uma Ave Marinha na Madeira. Estas equipas percorrem as ilhas, recolhendo centenas de aves desorientadas e libertando-as junto ao mar.

A SPEA tem também vindo a trabalhar com os municípios para promover apagões durante os períodos mais críticos para as aves. Estas acções pontuais são importantes, mas a poluição luminosa é um problema que tem de ser combatido a longo prazo.

Com esse fim em mente, a SPEA trabalha há mais de 10 anos a problemática da poluição luminosa, e lançou este ano o projecto LIFE Natura@night, que visa precisamente estudar e minimizar os efeitos da poluição luminosa na Macaronésia (Madeira, Açores e Canárias).

Este projecto é financiado pelo programa LIFE da União Europeia, mas apenas parcialmente, pelo que os fundos angariados nesta campanha permitirão ajudar à implementação de acções que vão desde o resgate de aves marinhas até ao estudo de aves, insectos e morcegos afetados pela poluição luminosa (incluindo espécies que não existem em mais nenhum local do mundo), passando pela implementação de iluminação pública mais sustentável e menos poluente.

“Com a ajuda dos portugueses, queremos trazer a noite de volta à Madeira, para mostrar que podemos beneficiar da invenção brilhante que é a luz elétrica, sem pôr em risco o nosso futuro e o do planeta: o segredo está em usar a luz de forma eficiente”, frisa Cátia Gouveia, que coordena também o projeto LIFE Natura@night.