Entrevista FN com Rui Gonçalves (2): Revisão da Lei de Finanças Regionais, só se for para melhor

Na segunda parte da entrevista o FN, o antigo secretário regional das Finanças, Rui Gonçalves, agora na REPER em Bruxelas, fala-nos dos tempos duros do PAEF, das suas perspectivas sobre o crescimento económico da Madeira pós-pandemia e da Lei de Finanças Regionais, sobre a revisão da qual não vê abertura do governo central. Sobre as reivindicações do PS-M de aplicação do diferencial fiscal de 30%, defende uma “redução gradual mas contínua das taxas dos impostos diretos”.

Funchal Notícias – Da sua perspectiva, quais são as perspectivas sobre o crescimento económico da Madeira? Como está a decorrer, como continuará a decorrer?

Rui Gonçalves: Após a turbulência causada pela crise pandémica, que afetou todas as economias sem exceção, incluindo a nossa, a Região tem vindo a recuperar, apresentando níveis de atividade económica e de emprego positivos e animadores.

Em termos de futuro, não podemos negligenciar que as consequências da guerra na Ucrânia terão (estão a ter) impactos na nossa economia, e na nossa vida quotidiana, sobretudo devido à crise energética e ao escalar da inflação e à necessidade de a controlar, via aumento das taxas de juro, com tudo o que isso implica de negativo.

Mas tenho a expetativa que os ensinamentos retirados da gestão da crise pandémica, que a Região geriu de forma muito positiva, nos ajudarão a ultrapassar este novo período de turbulência.

foto R. Marote

FN – Exerceu funções governativas regionais no sector das Finanças sucedendo a Ventura Garcês e tendo beneficiado de uma reputação de “mais técnico e menos político”. Esteve envolvido em difíceis negociações com o governo central na altura em que o Governo Regional muito sofreu com a “canga” do PAEF. Hoje, sacudida essa “canga”, quando começávamos a levantar a cabeça, surge nova crise com a guerra na Ucrânia e uma inflação generalizada que atinge todos os aspectos da vida quotidiana. Preocupa-o o agravamento do custo de vida nas RUP e na Madeira em particular? Recorde os tempos difíceis que passou e fale-nos um pouco das nossas perspectivas para o futuro, neste campo…

RG – Confesso que enquanto Secretário Regional não sei se beneficiei dessa reputação de ser “mais técnico e menos político”…

O PAEF foi de facto muito duro, sobretudo porque perdemos a nossa autonomia financeira, e com isso o poder de decidir, por nós próprios, qual o caminho a seguir. Hoje é reconhecido que o ajustamento deveria ter sido feito de forma diferente e mais suave, mas a verdade é que na altura era essa a “cartilha”, e a Região não tinha margem para a contrariar. Era cumprir as medidas ou então não havia financiamento, e sem financiamento os dramas sociais seriam ainda maiores, o que não podíamos deixar que acontecesse.

Foi por isso que já enquanto titular da pasta das Finanças, o fim último foi sempre procurar contribuir para a melhoria do nível de vida das pessoas, dos cidadãos comuns, mas sem descurar o fortalecimento das bases para que estivéssemos melhor preparados para acomodar os efeitos de um eventual fenómeno adverso, sem ter de continuar de “mão estendida” ou voltar a perder a autonomia para decidir o nosso futuro.

Quanto à conjuntura atual, obviamente que o aumento do custo de vida e as demais consequências da guerra na Ucrânia preocupam muito. Atualmente, assistimos a um esforço de todos os Governos na Europa para a tomada de medidas de apoio às empresas e às famílias, para mitigar esses efeitos, tendo as instâncias comunitárias aprovado uma série de medidas mitigadoras ou preventivas, em tempo recorde, o que é muito positivo.

Será necessário continuar a tomar medidas até que a situação estabilize, sendo que a Região não será exceção.

Foto R. Marote

FN – Vê alguma abertura possível quanto à ambicionada modificação, para melhor, da Lei de Finanças Regionais? 

RG : Até à data ainda não vimos qualquer abertura para essa revisão, a qual é de facto necessária e urgente, como ficou demonstrado durante a crise pandémica, quando, por via da redução do PIB, se registou uma diminuição das transferências orçamentais exatamente quando as necessidades de fundos para apoiar as famílias e as empresas atingiram os seus máximos.

A Região já apresentou o seu projeto de revisão, que colheu um amplo consenso na nossa Assembleia Legislativa, e os Açores estão a trabalhar nesse mesmo sentido. Estou certo que a junção de esforços entre a Madeira e os Açores poderá impulsionar este processo. Contudo, julgo que a revisão só deverá ter lugar se for para melhorar a atual lei, sobretudo em quatro aspetos: alteração da fórmula de cálculo das transferências orçamentais; aprofundamento da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais; melhoria da afetação das receitas fiscais; e revisão das regras do equilíbrio orçamental e dos limites à dívida e ao endividamento, que como estão são inexequíveis.

Apesar do trabalho da parte da Madeira ter avançado de forma mais célere, seria muito importante que as duas Regiões Autónomas pudessem apresentar uma proposta conjunta, que reunisse o nível de consenso que foi alcançado na Assembleia Legislativa da Madeira. Sei que ambos os Governos Regionais estão empenhados nesse processo, mas o ideal seria que o consenso fosse extensivo aos partidos com assento parlamentar em ambas as Regiões, já que daí resultaria um sinal inequívoco que muito dificilmente deixaria de dar frutos. Julgo que havendo vontade política, é perfeitamente possível apresentar uma proposta comum, já que os interesses são convergentes.

Espero sinceramente que seja encontrada uma solução de compromisso, que muito beneficiaria os Madeirenses e os Açorianos.

FN – O PS tem insistido muito em que o Governo Regional deveria aplicar o diferencial fiscal de 30 por cento na carga fiscal no IRS e no IVA, para evitar o agravamento da pobreza na RAM. Porque não fazê-lo?

RG – Considero que o Governo Regional tem seguido a estratégia correta, de redução gradual mas contínua das taxas dos impostos diretos. No IRS já temos os primeiros escalões com o diferencial máximo de 30% e no IRC as taxas já são inferiores em 30% face às taxas em vigor no Continente, o máximo permitido pela atual Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

Julgo que deverá ser dada continuidade a esta estratégia, já que por um lado estamos a devolver poder de compra às famílias, e por outro a criar condições de atratividade para a captação de empresas e de novos negócios para a Madeira, com o consequente aumento do emprego e melhores salários.

Sabemos que atualmente, com a atual taxa de IRC, já existem empresas que optam por se instalar na Madeira fora do regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM). Estou em crer que com uma taxa de IRC na ordem dos 8% a 10% esse grau de atratividade seria ainda maior e, quem sabe, ajudaria a ultrapassar os problemas de competitividade que hoje o CINM enfrenta… Mas para isso precisamos que a revisão da Lei de Finanças avance, permitindo uma redução fiscal no IRC superior aos 30% atuais.

Esta medida teria um impacto orçamental acomodável, ao contrário da alteração das taxas do IVA, cuja redução para os 30% face às taxas em vigor no Continente teria um impacto na ordem das largas dezenas de milhões de euros, o que colocaria em causa a prestação de serviços essenciais, nomeadamente ao nível da saúde e dos apoios sociais, numa altura em que é exigido aos Governos novas medidas de apoio para fazer face ao aumento da inflação e à crise energética decorrentes da guerra na Ucrânia.