Boom Supersónico

Rezaram recentemente os mídia que American Airlines teria firmado uma encomenda de 20 aviões supersónicos à desconhecida Boom Supersonic.

Tal como o defunto Concorde, voaria a 60 000 pés, quase ao dobro da altitude dos subsónicos. A velocidade de cruzeiro seria mach 1,7, igual múltiplo da velocidade do som. A ressonância alimentada com “copy paste” disseminou a conversão deste valor de mach como 2100 km/h. A velocidade do som decai com a temperatura do ar, e, por conseguinte, com a altitude, e aos 60000 pés são 1,805 km/h. O Concorde cruzava a mach 2,04, isso sim, 2100 km/h.

Futuro avião Overture (Crédito: Boom Supersonic)

 

A Boom Supersonic apresenta um estado-da-arte Overture capaz de voar supersónico … sobre água. Mas sobre terra firme é vulgarmente subsónico. Garantidamente não se resolveram os problemas que precocemente mataram o sucesso comercial do Concorde. Amargurados pelo fracasso do Boeing 2707, que fez tantas horas de voo como o futuro pássaro da Boom Supersonic ao dia de hoje, e encomendas obtidas pelo europeu Concorde, as autoridades aeronáuticas americanas proibiram todas as aeronaves de bater a velocidade do som sobre solo nacional. A Pan Am e outras mais cancelaram as encomendas do pouco económico Concorde imediatamente. Restou a operação de apenas 14 unidades distribuídas entre a British Airways e a Air France, cujo grande “business case” era o mercado de Negócios e de Luxo entre a Europa e Nova Iorque. Saiam de manhã cedo de Londres, às 9 da manhã locais estavam já em Nova Iorque. Após uma reunião, faziam umas compras e regressavam logo após o almoço e regressavam a Londres a tempo do jantar.

Nos EUA, a título de curiosidade, sempre chegou a haver operação do Concorde. A Braniff adquiria Concordes à British por 1 dólar em NY, e na hora colava uma matrícula americana por cima. Com tripulações americanas faziam um voo ida-e-volta de uma hora para Washington Dulles. Os londrinos voltavam a casa no avião já recomprado e com autocolante arrancado. Na terra de Uncle Sam, tudo subsónico, sublinhe-se. Este golpe de publicidade é uma das razões pelas quais o leitor nunca ouviu falar da Braniff.

Tudo vai bater ao “boom” sónico. A onda de choque que o avião provoca ao furar o ar mais rapidamente (Mach superior a 1) do que a massa de ar com consegue afastar (velocidade do som). É tão forte que até janelas se racharam na Madeira com Concordes da Air France a caminho da América do Sul em 1976. Protestos fizeram deslocar essas rotas lateralmente passando à vertical apenas de superfície molhada.

Em 2003 terminou a operação comercial do Concorde e as únicas aeronaves tripuladas e propulsionadas supersónicas da atualidade são militares, caças e bombardeiros.

A tecnologia do voo supersónico estagnou nos anos 70. Todo o esforço de inovação da aviação civil subsequente foi colocado em aerodinâmica subsónica eficiente. Os motores são cada vez mais eficientes e potentes. Os “turbofans” que equipam Boeing e Airbus têm diâmetros que chegam aos três metros. O Concorde voava com um arcaico “turbojet” do consórcio Bristol/SNECMA, que recorria ao flamejante, mas ruidoso, “afterburner”.

O Overture nem vem com motor anunciado. Há dez anos fez furor o bizjet supersónico Aerion AS2, que seria capaz de fazer Mach 1,4 com doze passageiros. Esse projeto ainda chegou ao túnel de vento, e contou com franca colaboração da Lockheed e da GE que propôs um motor com base no famoso CFM56. O projeto morreu durante o pico da pandemia COVID-19, ainda sem qualquer perspetiva de sair do chão.

O Overture será um quadrirreator capaz de levar 85 passageiros, ou seja, menos 15% que o modelo anglo-francês que descolou pela primeira vez de Toulouse a 2 de março de 1969. Correto, em mil-novecentos-e-sessenta-e-nove, há 53 anos atrás. Aos comandos o falecido André Turcat com quem Alberto João Jardim regateou fundos europeus para aumentar a pista da Madeira.

Como é que em três anos se vai ultrapassar todos os desafios que o Concorde não conseguiu, e colocar no ar um avião que não existe, propulsionado por quatro motores que não existem, em mercados cuja legislação tende a ser mais rígida que era há 20 anos, é um mistério.

A American foi precedida pela United Airlines, que em 2021 depositou uma soma não divulgada para a futura aquisição de 15 unidades.  Pode ter sido tanto um dólar como um milhão. É razoável crer que estes depósitos são parcial ou totalmente reembolsáveis se nada voar, ou não se cumprirem pressupostos relativos a datas ou performances alvo.

Sem investimento o excessivamente tático avanço tecnológico não irá desemperrar, e podemos ter aqui um sinal de procura por uma aviação mais ambiciosa e disruptiva. Se por um lado se sacrifica performance na transição – necessária – para uma aviação sustentável, como é o caso da propulsão elétrica, urge dotar a aviação da sua característica chave: ambição de voar velozmente e mais alto.