Abalos e prioridades

  1. A decisão instrutória do processo “Operação Marquês” proferida pelo juiz Ivo Rosa afecta profundamente quer a justiça, quer a política.

A amplitude do que estava em causa, a envolvência de um ex-primeiro-ministro e de figuras gradas do mundo da finança e dos negócios, dificilmente poderia deixar de provocar um tal abalo, num ou noutro dos sectores, ou nos dois em simultâneo, como acabou por acontecer.

A circunstância do teor da acusação conduzida pelo Ministério Público ter ao longo dos tempos extravasado para o espaço público criou naturalmente junto do cidadão comum a convicção da culpabilidade dos arguidos, até porque o juiz Carlos Alexandre  deu completa cobertura a todo o processo de investigação.

Ora, sabendo-se que os critérios por que se move o juiz Ivo Rosa são de natureza oposta, não era expectável que assinasse de cruz a acusação que lhe chegou às mãos, mas também dificilmente se esperaria que quase não deixasse pedra sobre pedra. O que convenhamos coloca em causa o próprio processo e simultaneamente a justiça. E mesmo sabendo-se que a procissão ainda vai no adro, ou seja que o recurso do Ministério Público para o Tribunal da Relação pode reverter o juízo formulado por Ivo Rosa, não é possível esconder que sobre os mesmos factos dois juízes tiveram entendimentos opostos, o que conduz necessariamente a que se questione a consistência da acusação.

Tão ou mais grave é o tempo que já dura o processo e pior ainda o número de anos que se perspectiva que decorram até ao seu desfecho, estimado lá para 2036! O que equivale a que se diga que dificilmente se pode falar em justiça perante uma tal demora.

Nada justifica, porém, transformar Ivo Rosa no mau- da- fita, como decorre da petição lançada na sequência da decisão instrutória que proferiu. Como se fosse possível demitir um juiz. Interferência que de resto representaria uma regressão civilizacional. Um regresso aos tempos de triste memória dos tribunais plenários.

Mas, neste processo não é apenas a justiça que é atingida na sua credibilidade. Com a política sucede exactamente o mesmo.

É que, por mais que José Sócrates se tente fazer passar por vítima, o próprio Juiz Rosa não teve dúvidas, não só em responsabilizá-lo por crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos, mas também de ter sido corrompido, no exercício de funções, pelo seu amigo Carlos Santos Silva.

Acusações de uma extrema gravidade, sendo, por conseguinte, inacreditável – quiçá só explicável sob o ponto de vista patológico -l que o ex-primeiro-ministro tenha o descaramento de acusar o PS e os seus dirigentes de traição. Por que se há quem traiu, quem pôs em causa os mais nobres valores que devem envolver a actividade política, foi José Sócrates. Porque é com práticas desta natureza que se escancara as portas ao populismo, que se abre caminho ao neo-fascismo. Na verdade, como escreveu José  Pacheco Pereira no “Público” de sábado passado: “Nunca ninguém nas últimas décadas fez mais para o aumento do populismo radicalizado e extremista do que José Sócrates. Ele estragou, e muito, a democracia portuguesa e as consequências desses estragos vão demorar muitos anos a sarar. Ou nunca sararão. Não foi o único, mas foi o Principal, o Mestre, o Sem Vergonha”.

Face à gravidade do que está em causa, o PS não pode limitar-se a invocar a separação da justiça e da política. Tem o dever, a obrigação de reflectir profundamente sobre como foi possível que alguém com esta ausência de carácter e de ética tivesse chegado a secretário-geral e a primeiro-ministro, sob pena de não retirar os ensinamentos que se impõem e que o país aguarda que não deixe de observar.

  1. As atribulações que envolvem o processo de vacinação no espaço europeu e que atingem o nosso país e as suas regiões autónomas, cada vez se compadecem menos com a falta de clareza no que diz respeito à definição das prioridades dessa mesma vacinação.

Com efeito, estando provado que a letalidade e a gravidade da infecção se tem feito sentir particularmente nos cidadãos mais velhos, não é minimamente aceitável que o esforço da vacinação se não faça sentir nessas camadas da população. Que não apenas nas de idade superior a 80 anos. E que, entre nós, cada vez com mais frequência, apareçam grupos e grupinhos a reclamar pela respectiva vacinação. Desde os taxistas ao pessoal da hotelaria e do turismo, passando pelos pescadores e pelos carreiros dos carros de cesto, etc. Até houve um partido (JPP) que propôs a inclusão na lista de prioritários dos nadadores-salvadores.  E, pelos vistos, o próprio governo regional acaba por subscrever esta espécie de “salve-se quem puder” ao anunciar que o próximo grupo profissional a ser vacinado, depois dos professores e dos funcionários das escolas, será o do turismo.

Afinal, qual é a prioridade? A saúde ou a economia? A salvaguarda do interesse geral, vacinando os cidadãos em função da idade, como reclama o responsável pela “task force”, o vice-almirante Gouveia e Melo, ou a satisfação de “interesses sectoriais” que o presidente do Governo Regional diz não privilegiar?

Em artigo de opinião inserto na edição do “Diário de Notícias” de Lisboa do passado dia 3 do corrente mês de Abril o historiador António Araújo analisava esta temática, em função do observado a nível nacional, uma realidade que, como se sabe, se repete aqui e agora. O texto, não por acaso, intitulado “Civilização”, comparava o comportamento dos animais (os cães) e o dos humanos, não poupando a raça humana. Deixo-vos um pequeno excerto: “É acima dos 60 anos que se concentram cerca de 90% das mortes, mas os mais vacinados estão …abaixo dos 60anos.Com todos os estudos e dados estatísticos a dizerem, a gritarem que a idade é o factor de maior peso na mortalidade por covid-19, adiar a vacinação dos mais idosos é aumentar exponencialmente o seu riso de morte. Será isto humano, civilizado?”

* por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.  

 

Post-Scriptum:

1) Descaramento: Então, não é que o escriba do jornal oficioso do partido único do fascismo “Voz da Madeira” que defendia acerrimamente o “Império Colonial” e acusava de traidores quem questionava a guerra colonial, veio agora, em mais um dos seus arrazoados no “JM”, classificar a governação de então de “incivilizada” por ter conduzido essa mesma guerra e o regime político de “totalitário e incapaz”?! Uma espécie de vira-casacas.

2) Mais do mesmo: A candidatura da coligação de direita à principal autarquia da Região é, por um lado, um regresso ao passado de má memória. Ao despesismo e ao endividamento. E, por outro, à promiscuidade entre o interesse público e os interesses privados, representados quer na candidatura à presidência, quer à vice-presidência.

3) Financiamentos: A estória do empréstimo(?) ao CDS/PP tem muito que se lhe diga. De tudo o que, até ver, se sabe sobressai um facto. Indesmentível. O financiador é o mesmo do Chega. Perante tanta afinidade. porquê então a relutância numa coligação a três, como ao que parece poderá acontecer nos Açores?