Faz hoje 43 anos que Sacadura Cabral teve o segundo acidente no Arquipélago da Madeira

O primeiro foi há 99 anos, quando o verdadeiro Sacadura Cabral regressava ao continente após o exitoso Raide Aéreo Lisboa-Funchal que precedeu a célebre travessia do Atlântico Sul em 1922. Ao descolar das águas de Porto Santo, o hidroavião Felixstowe F-3 deparou-se com um problema que fez com que a aeronave naufragasse, sem fatalidades.

Às 21h35 do dia 19 Novembro de 1977, o voo TP425 tentava aterrar no Aeroporto de Santa Catarina na Ilha da Madeira. A tripulação, cansada do 5º voo desse dia, tentava uma terceira aterragem na antiga pista 24 num dia de temporal, com muita chuva e consequente fraca visibilidade.

O comandante sabia que caso não conseguissem aterrar, teriam de divergir para o Porto Santo onde não haveria de modo algum alojamento para os 156 passageiros e 8 tripulantes que vinham de Bruxelas via Lisboa. Consequentemente seria necessário divergir para a Gran Canária a 400km de distância.

A aeronave era um Boeing 727-282ADV, versão 200 com capacidade para 189 passageiros e fabricada para a TAP (dai o código 82) e entregue dois anos antes. Lembro-me de ter lido que custou 1.5M USD. Era um tri-reactor com motores Pratt&Whitney JT8D, número 1096 da linha de produção. Ostentava o nome do pioneiro da aviação portuguesa, Sacadura Cabral, tendo à data falecido num acidente aéreo no Canal da Mancha.

Boeing 727-200 (Fonte: Boeing)

 

As cores da TAP eram ainda o branco e vermelho, a mudança para verde e vermelho seria para três anos mais tarde. Na altura ainda se lia “Transportes Aéreos Portugueses” ao longo da fuselagem. Esta pintura pode ser vista no novo A321NEO da TAP Air Portugal, CS-TJR. Tenho memória de embarcar pela escada traseira, coisa que muitos leitores nunca terão visto, e nunca irão experimentar. Até estacionavam nose-out, ou seja com a cauda voltada para a gare, estremecendo tudo mal os motores começavam a debitar potência.

O meu pai era funcionário da TAP e como este era o último voo do dia estava na torre de controlo a ver a chegada para ir para casa dormir. Não foi.

Após a aproximação o avião aterra muito para além do normal, mas ainda com alcatrão suficientemente para deixar a tripulação tranquila, faz aquaplaning numa pista muito molhada e sai pela cabeceira da pista fora, que tinha um desnível de dezenas de metros em relação à estrada. Cai uns metros mais abaixo em cima de uma pequena ponte de pedra (parte do Caminho Real 23), desfaz-se em duas partes, a traseira que fica cortada atrás das asas em cima da ponte e o resto que cai verticalmente na praia de calhau e irrompe num mar de chamas.

Eu tinha 6 meses e estava com a minha mãe e uma empregada em casa, a 700m do acontecimento. Ouviu-se um estrondo e inicialmente pensou-se num trovão. Saindo à rua verificava-se uma fumaceira no meio do temporal. E, subindo ao terraço, a minha mãe conseguiu ver o intenso fogaréu que consumia os destroços do avião. Uma tia da minha mulher viu o acidente de um restaurante do Hotel Atlantis, em Água de Pena, porque aguardava a tripulação para o jantar. Viu um clarão de tal intensidade que iluminou os vales de Santa Cruz.

Na altura não havia nada que se parecesse com a via rápida e foi um caos tanto de carros de bombeiros, muitos vindos do Funchal e arredores, e carros de curiosos. A estrada teve de ser interrompida pela polícia para só deixar passar a ajuda.

No aeroporto o caos instalou-se, funcionários da TAP e aeroporto nem sabiam o que fazer com o choque. Tinham que ir contar a novidade aos familiares dos passageiros á espera na aerogare. Uma colega do meu pai na altura foi a sair da aerogare e aparece um táxi donde salta um belga todo coberto de sangue, e em estado de choque, a rogar para contarem a sua família que estava bem. Lembrava-se apenas do choque inicial do avião e tinha voltado a si no meio do calhau com a água do mar a bater-lhe.

De manhã cedo a cauda do avião foi pintada de branco para evitar a má imagem da companhia nos média.

Há imensas teorias casuísticas. Só posso recomendar ler o relatório oficial publicado no site do GPIAAF. Quem melhor saberia explicar o que se passou não sobreviveu para o fazer nem para se defender. É angustiante pensar que se tivesse saído pela pista fora com mais um pouco de velocidade teria passado por cima da ponte e se despenhado no calhau, ou mesmo totalmente no mar em zona pouco profunda. Certamente que teríamos um cenário com desaceleração menos abrupta, e incêndio mais comedido ou inexistente. Um mês depois caiu um avião suíço no mar, que fazia a aproximação à pista do Aeroporto de Santa Catarina. Apesar do Caravelle ter embatido na água a uma velocidade bastante superior à do 727, não houve incêndio e sobreviveu metade dos ocupantes.

Seja como for, o seguro pagou um Boeing 727 novo que voou na TAP com pintura esbranquiçada.

No rescaldo: Pessoas a bordo: 8 tripulantes e 156 passageiros = 164. Vítimas fatais: 6 tripulantes e 125 passageiros = 131.

A TAP deixou de operar o modelo 727 da série 200 para a Madeira, passando apenas a operar o 727-100, cinco metros mais curto e com capacidade para menos 60 passageiros.

A ponte, que já nem na altura era utilizada, ficou destruída e zona foi engolida pela primeira ampliação da pista, finalizada em 1985. A pista passou de 1600 metros a 1800, com fundos a CEE, aprovados pelo eurodeputado André Turcat, piloto que comandou o Concorde no primeiro voo de sempre. Durante muito tempo ainda se encontravam destroços do avião na praia. Alumínio derretido entre as pedras muito tempo ficou, formando “obras de arte”.