“Com a tempestade caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso eu”, disse o Papa para reflexão do mundo isolado

Fotos Vaticano

As imagens estão a correr mundo e expressam, de forma sentida, um dos momentos mais relevantes de uma crise que está a abalar o mundo, a abalar consciências, a abalar poderes e a abalar tudo o que, cada um e todos juntos, tinhamos por adquirido. O Papa, sozinho, no adro da Basílica de São Pedro, no silêncio “ensurdecedor” da Praça de São Pedro, fez ontem um momento de oração em tempo de pandemia. Para o mundo em isolado.

As imagens desse momento são deveras arrepiantes, mesmo para os não crentes, porque o simbolismo do Papa ultrapassa crenças. E, para todos, neste contexto de incerteza, de isolamento social e de reflexão sobre o que fomos e não podemos continuar a ser, estas imagens encerram, em si, um estado de emergência mundial, que não tem a ver com religiões mas com aquilo que estamos a viver, sozinhos e com tanta gente.

O Papa Francisco disse que “à semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados «vamos perecer» (cf. 4, 38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos”.

O Papa falou que “a tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de «empacotar» e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.

Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos”.

O Papa Francisco teve uma palavra para todos os que, neste momento, trabalham para que tenhamos os bens considerados essenciais: “Podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho”.

E tamém “quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras”.