Palavra dada é para ser honrada

Grande parte da obra poética de José Agostinho Baptista, reunida sob o título Epílogo, deveria ser editada em Outubro do ano passado, numa iniciativa da Comissão dos Seiscentos Anos do Descobrimento do Porto Santo e da Madeira e a Porto Editora. Chegou a ser anunciada em dois jornais nacionais, mas não se efectivou.

A imprensa deu conta da insatisfação do Poeta pela não concretização do projecto na data aprazada. Guilherme Silva garantiu então que Epílogo viria a lume e, para tal, desenvolvia esforços no sentido de obter patrocínio da Assembleia da República. Afiançou mesmo que «em momento algum está em causa a edição» (DN-Madeira, 7-10-2018, pp. 36-37).

A verdade é que a XIII legislatura chegou ao fim, como também está a terminar o mandato deste Governo Regional, e nada mais veio a público sobre a prometida edição.

As comemorações dos seiscentos anos estão em curso, é certo. Todavia, não se conhece o seu programa editorial. De vez em quando surgem edições com o logótipo da Comissão, mas ninguém percebe bem quais os objectivos, temáticas seleccionadas e cronograma. Tudo vai acontecendo um tanto ao acaso ou conforme as oportunidades ou a agenda governamental. Vejamos: em 12 deste mês foi apresentado no Porto Santo, Das ilhas, a primeira, de Cláudia Faria e Graça Alves, uma edição de 2018 do Centro de Estudos de História do Atlântico, não comercializada, com uma tiragem de 300 exemplares; no dia 30 ocorreu o lançamento de Ondas de Glória: momentos históricos da Natação na Madeira, da Associação de Natação da Madeira e Arteleia, livro pago quase na totalidade pela Direcção Regional de Cultura e integrado nas celebrações do descobrimento, logo com o respectivo logótipo (DN-Madeira, 27-07-2019, p. 29). Entretanto, foi divulgado que, «no âmbito do ciclo de publicações dos 600 anos, está ainda previsto o lançamento de mais de 20 obras» (Ibidem, 13-07-2019, p. 42). Quais? Edição? Colecção? Quando? Não se sabe…!

Voz poética singular, José Agostinho Baptista nasceu no Funchal em 1948. A sua poesia, marcada pela originalidade, desenvolve-se em muitos títulos:

Deste lado onde (1976); Jeremias o Louco (1978); O último romântico (1981); Morrer no Sul (1983); Autoretrato (1986); O centro do Universo (1989); Paixão e Cinzas (1992); Canções da Terra Distante (1994); Afectos (2002); Anjos caídos (2003), Prémio PEN Clube Português; Esta voz é quase o vento (2004), Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores/CTT; Quatro luas (2006); Filho pródigo (2008); O pai, a mãe e o silêncio dos irmãos (2009); Caminharei pelo vale da sombra (2011); Assim na terra como no céu (2014).

Em todos, o Poeta rememora a terra natal, como confessou: «A Madeira no fundo era a poesia que eu andei a escrever, longe dela. Mas sempre com ela no pensamento e no coração.» (DN-Madeira, 7-10-2018, p. 37)

Desse apego à ilha mãe, realço, em particular, Canções da Terra Distante, livro autobiográfico, sem cariz realista, onde o Poeta evoca lugares da geografia dos seus afectos. Narrativa obsessiva de quem, fora da ilha, permanece nela através de paisagens e recordações, que indelevelmente povoam a sua mente.

A sua obra tem merecido vários estudos, sob a forma de dissertações académicas, ensaios, artigos e recensões críticas. Ana Margarida Falcão (1949-2016), na sua tese de doutoramento – Os novos shâmanes: um contributo para o estudo da narratividade na poesia portuguesa mais recente (2003), concluiu de modo lapidar:

«Nostálgica viagem da lembrança ou melancólica peregrinação pelos lugares da memória, a poesia de José Agostinho Baptista conta, em episódios vários e em diversa dimensão narrativa, o exílio de um sujeito em si mesmo, corpo e mente desdobrados em múltiplas variantes que sacralizam o sonho, o devaneio e os vestígios do passado, proporcionando a enunciação de representações essencialmente em função da ausência.» (p. 398)

A obra de José Agostinho Baptista entrou já no cânone literário de língua portuguesa.

O Poeta não publica há cinco anos. Diz também que deixou a escrita. Contudo, a obra que construiu, desde 1976, atesta da sua grandeza poética.

O Poeta tem dado muito à Madeira e à Literatura Portuguesa. Não constitui, por isso, favor algum a publicação de Epílogo, o que deveria ter acontecido há quase um ano. Razões ou circunstâncias mal-esclarecidas atrasaram a edição. Por falta de dinheiro não foi, de certeza! Convém, por isso, lembrar: Palavra dada deve ser palavra honrada. Por gratidão, com José Agostinho Baptista maior é o compromisso.