“Caminho da Serra – Boaventura”: uma ótima (a)ventura

Fotos Ilídio Gonçalves.

 

Ilídio Gonçalves (texto e fotos)

Percurso: Achada do Castanheiro – Caminho da Serra – Curral Ganhão – Boca da Tapaginha – Boca da Lapinha – Miradouro da Furna do Corre Cachaço – Achada Madeira – Falca de Cima – Levada da Achada Grande – Curral Ganhão – Achada do Castanheiro

Cuidados a ter: Tenha sempre em atenção as condições meteorológicas. Elas mudam repentinamente derivado ao relevo montanhoso da Ilha. Nunca faça trilhos de montanha sozinho. Use calçado e vestuário apropriados para trilhos de montanha. Leve um farnel pelo menos para um dia.

 

Este percurso, com a extensão de 16 kms, é exigente, embora não seja considerado perigoso. Salvo alguma possibilidade de escorregões, principalmente, onde temos de circular, obrigatoriamente, dentro de alguns corgos (linhas de água), não oferece grandes dificuldades a quem já tenha alguma experiência em caminhadas de montanha. O percurso, tal como o vamos descrever, é circular. Logo, à partida, a logística será mais facilitada.

O início e fim dá-se no sítio do Cabo da Ribeira, Boaventura. Foi, então, neste local que nos dirigimos para percorrermos este caminho que serviu as gentes da Boaventura na sua labuta pela sobrevivência, nomeadamente na procura de lenha e feiteira para o gado.

Havia a notícia que o trilho teria sido limpo pela Junta de Freguesia de Boaventura, que muito tem feito pela limpeza dos muitos trilhos nesta localidade. Um bem haja a quem tem feito tão bom trabalho em prole dos amantes da natureza! Nós e ela, agradecemos.

Havia cerca de seis anos que não subíamos o Caminho da Serra. Da última vez, lembro-me da dificuldade em transpor alguns dos corgos e a muita vegetação, fruto da falta de uso deste roteiro e consequente falta de limpeza que dificultaram imenso a progressão. Seria uma autêntica surpresa o que iríamos encontrar.

No Cabo da Ribeira, depois de transpormos a pequena ponte que nos leva à margem direita da Ribeira dos Moinhos, começamos literalmente a subir pelo antigo trilho que, a princípio, parece mais um caminho deixado pelos romanos, esses grandes fazedores de estradas pela velha Europa. A Ladeira da Roçada, que guarda, na sua história, o local onde foi montada a primeira geradora para fornecimento de electricidade à igreja de Santa Quitéria na Boaventura, apresenta algumas dificuldades. Nada do outro mundo. Um pouco de coração e pulmão e atingimos a Madre da Levada Grande, conhecido pelas gentes da Boaventura como o sítio da “Madre d´ Agua” onde podemos avistar, sem sair do trilho, a bela cascata que alimenta parte desta mesma levada. Não deverá levar mais de quinze minutos a atingir esta zona. Um pouco mais acima, depois de ter percorrido alguns metros dentro do leito do corgo, no Curral Ganhão, vale a pena ir até à madre da Levada da Achada Grande. O local é muito aprazível e, em dias bons, pode mesmo demorar-se por lá onde, quase podemos garantir, ouvirá apenas o burburinho das águas das múltiplas nascentes e cascatas.

Voltando um pouco atrás e seguindo o sentido da água da levada, atingirá os sítios do Tanque e Achada Grande, Falca ou até mesmo o Lombo do Urzal e Achada da Madeira. No entanto, o nosso sentido é o que continua a subir. Prepare-se para parar muitas vezes. Não só pela inclinação acentuada, mas pelos belíssimos pormenores que vai encontrar. Em alguns sítios terá a oportunidade de encontrar o caminho ladeado de muros cobertos de musgo como que preservados pelo tempo para as gerações vindouras. É aqui que começa também aqui a penetrar num bonito núcleo de floresta indígena da Madeira que tem recuperado de séculos de exploração indiscriminada.

Atravessando aqui e ali uma ou outra linha de água, recomenda-se algum cuidado. É preciso levantar a cabeça para ver a continuação do trilho nas margens contrárias, mas nunca descurando o local onde colocamos os pés. Escorregar nestes locais é uma realidade permanente. Lembre-se que o trilho está sempre do outro lado à nossa espera, mesmo que a princípio não o vislumbremos. Com cuidado, conseguimos ultrapassar todos estes obstáculos sem grandes problemas.

A cerca de duas horas de subida, verá que o caminho atingirá uma zona onde se bifurca com um outro que desce pela sua esquerda, mesmo junto à crista. É a Boca da Tapaginha. Antigamente, partia daqui um acesso para a Achada Grande, até bem perto da levada. Aprecie as vistas quase impossíveis sobre a Falca e continue a subir, porque só lhe faltam cerca de trinta minutos de subida até à Boca da Lapinha. Depois de ultrapassado a Boca da Tapaginha, tenha atenção para uma derivação à esquerda onde a vereda continua a subir. É por aqui que deverá continuar. Esteja alerta, porque, neste local, o trilho convida a ir em frente, tal a sua planura, mas não é por aí que deve seguir.

Chegado ao topo, no miradouro da Furna do Corre Cachaço, delicie-se com as vistas soberbas sobre as montanhas e os sítios da Achada da Madeira e Lombo do Urzal. É a partir deste miradouro natural que deverá iniciar a descida de encontro à Achada da Madeira. Prepare os joelhos para a descida. Este troço esteve vários anos inutilizado por falta de manutenção e limpeza, mas, embora não respeitando a sua completa originalidade relativamente ao velho traçado, foi agora limpo e minimamente preparado para que o possamos ultrapassar com um mínimo de segurança. Até atingir uma zona onde o trilho passa por um pequeno souto, a vereda é algo inclinada. A partir daqui, é relativamente suave até atingir a pequena aldeia atrás referida. Este lugar chegou a ser referido como o sítio mais recôndito da Ilha dada a dificuldade em atingi-la no passado. A arquitetura das casas não é a melhor, mas a simpatia dos seus habitantes compensam demorar-se um pouco por ali. No pequeno largo chamado pelas suas gentes como “a volta do carro”, pode refrescar-se com uma água sempre revitalizadora da simpática fonte. A natureza oferece o resto.

Componha o estômago com algo do farnel, caso não o tenha feito no topo. O caminho, a partir daqui, faz-se, numa primeira, fase pelo caminho antigo da Achada da Madeira e, depois de atingida a estrada de  alcatrão, por um velho troço da antiga Estrada Real Nº 27, que ligava, no passado, o Funchal a Boaventura, passando pelo Curral das Freiras. Tenha em atenção que o trilho a seguir está mesmo em frente do pequeno Bar Rafael, junto a uma casa.

Seguindo este velho trilho que não apresenta grandes dificuldades, terá a oportunidade de verificar que o mesmo passa mesmo junto à Ribeira do Porco, que oferece bonitos quadros bucólicos, seja em dia de canícula, seja em dia de invernia. A paisagem reinventa-se sempre por estas bandas. Os velhos palheiros, agora abandonados, as vinhas que, na Primavera e Verão, apresentam um verde inconfundível e, no Outono, o seu dourado apaixonante, acabam por embalar este pequeno troço de caminho. Atingido o caminho de alcatrão, deverá o abandonar o velho trilho e subir um pouco neste. Depois de encontrar um armazém abandonado junto à estrada, à sua direita, esteja atento para uma vereda que sobe também à sua direita, um pouco depois deste armazém. É por aqui que deverá subir para atingir a Levada da Achada Grande. Depois de a alcançar, deverá seguir a levada pela sua direita, ou seja, seguindo o sentido contrário ao da água (isto se houver água a correr nesta zona da levada, o que não é muito normal, dado que esta é uma zona  final da mesma).

A Levada da Achada Grande nasce na Ribeira dos Moinhos, no Curral Ganhão, onde passamos na subida. Esta levada tem com função primordial regar os sítios da Achada Grande e Tanque e foi construída entre 1958/1960, sendo também conhecida como Levada Nova.

É uma levada agradável de percorrer, com pormenores deliciosos sobre a paisagem, nomeadamente sobre as Falcas e a Fajã do Penedo. Cerca de uma hora depois de circular nesta levada e, se quiser obter uma vista arrebatadora sobre a Boaventura, deverá entrar numa pequena vereda à direita logo a seguir ter ultrapassado um pequeníssimo túnel para o qual não precisa de lanterna. São cerca de trinta minutos (ida e volta) que valem sobejamente a pena.

Voltando à levada, pouco tempo depois e seguindo sempre o sentido contrário ao da água, encontrará uma descida à direita que nos leva até ao sítio do Pastel. O nosso percurso é, no entanto, em frente. Meia hora depois, está de novo no local onde a mesma levada tem a sua origem, ou seja, no Curral Ganhão. A partir daqui, é fazer o percurso feito na subida, quando iniciou este passeio, agora a descer, de volta ao ponto de partida. Tenha cuidado na descida, especialmente se o fizer em tempo húmido. As lajetas podem ser muito bonitas, mas não se dão bem com qualquer tipo de calçado!

A Boaventura é uma bonita surpresa em percursos pedestres. Além das belezas naturais, não deixe de conviver com as suas gentes. Terá sempre algo mais a aprender sobre a Ilha que é nossa, a Madeira!