A importância disruptiva do Airbus A380 da Hifly


A adição de um Airbus A380 à frota do grupo português Hifly tem sido alvo de entusiasmo sem precedente por parte dos entusiastas portugueses. É normal, Portugal é dos poucos países que pode clamar operar o maior avião de passageiros, mesmo que esteja registado em Malta (por motivos fiscais). Gerou-se toda uma expectativa se ia ou não operar de Lisboa. Na minha ótica o A380 irá operar pontualmente se algum dia se justificar, e tanto poderá ser o da Hifly como outro qualquer. Não seria impensável a Emirates trocar o Boeing 777 por A380 para uma operação de charme.

Partilho também do mesmo entusiasmo, é um orgulho nacional sem qualquer dúvida possível. De um modo geral a aviação portuguesa produziu um impacto modesto na história mundial, se tivermos por base a navegação marítima. Excetua-se honrosamente a travessia do Atlântico Sul, o pioneiro madeirense José Costa, o acrobata Plácido de Abreu, a abertura das rotas imperiais na África pelos Transportes Aéreos Portugueses (agora TAP Air Portugal), e sublime obra de engenharia portuguesa que é o Aeroporto da Madeira. Muito pouco se tivermos em conta o tamanho do Império, possivelmente pelo facto da Revolução Industrial e a Segunda Guerra Mundial nos terem passado ao lado.

A adição do A380 volta a colocar Portugal no “spotlight” pelo efeito disruptivo que traz à indústria global do transporte aéreo. Como é possível que um avião usado, a voar para terceiros, possa agitar um mercado de inovação relativamente lenta?
Em primeiro lugar a Hifly provou que existe mercado para A380 usados, até ao momento uma angústia para os atuais operadores e uma dúvida alarmante para novos compradores. É conhecido que a Malaysian Airlines tenta há anos desfazer-se dos seus, sem sucesso. Alivia a relutância em adquirir, ou financiar, novas unidades porque não havia até este momento prova empírica do valor residual após os primeiros anos de operação.

Outra prova é que o mercado secundário não se limita às grandes Airlines de “bandeira”, que se podem dar ao luxo de comprar meia dúzia de unidades e capitalizar tanto no prestígio como na rentabilidade financeira. Garanto que este ponto é um cisma fraturante na imprensa especializada e, nos meios dos entusiastas, foco de debates acesos à semelhança do futebol. A frota da China Southern é composta de 546 aeronaves, mas tem apenas cinco A380. Das 331 unidades encomendadas, cerca de metade irão para a Emirates, e dos outros 13 clientes apenas a Singapore irá incorporar mais de 20. A Air France tem 10, a Lufthansa 14, a British Airways 12, e o resto opera da Ásia. O primeiro voo do A380 da Hifly foi para a Thomas Cook Scandinavia, frequente cá na Madeira, que o usou na rota Copenhaga – Larcana (Chipre). Logo a seguir fretou-o para voar entre Oslo e Palma de Mallorca. As companhias dos “pobres” também podem sonhar.

Provou também que é viável a operação em aeroportos mais pequenos, não apenas os grandes “hubs” como Heathrow, Charles de Gaulle, Dubai ou Singapura. A questão de Lisboa não ter terminal com mangas em dois pisos não é determinante, basta pensar que tivemos três décadas contínuas de operações com Boeing 747 – ligeiramente menor – em Lisboa, e nunca fizeram uso de manga alguma. Eu próprio voei nos 747 da TAP no início dos anos 80 e nem mangas havia sequer, e quem participou nos últimos estágios da guerra do ultramar também se lembrará.

Era crença geral que a Hifly ia reconfigurar a luxuosa cabine da Singapore Airlines de 471 lugares (12 em primeira classe, 60 em executiva e 399 em económica) para full economy de 600, com o objetivo de operar voos charter “Hajj” para Meca. A surpresa foi a Hifly não só manter a configuração de cabine como operar para clientes que não têm sequer executiva. O ponto a reter é a demonstração de flexibilidade operacional e ampla gama de clientes finais. Tanto está a ter sucesso no médio curso como longo curso do Atlântico Norte (está a voar para a Norwegian entre Londres Gatwick e Nova Iorque JFK) e em breve entre Paris e a Ilha da Reunião.

Aproveito para esclarecer: o A380 é o maior avião de passageiros do mundo a entrar em operação, em capacidade de transporte de passageiros (853), envergadura (80m), e peso máximo à descolagem (554 toneladas). O cargueiro Antonov 225 “Myria”, do qual só se produziu um exemplar, é a aeronave mais comprida (88m) e a que tem maior peso à descolagem (640 toneladas). O Stratolaunch Systems (lançador de satélites) tem a maior envergadura registada (117m). Da comparação com o Boeing 747-8i (versão mais recente do “Jumbo”) resulta que o A380 é o único de piso duplo “widebody” (dois corredores). O 747 senta 3-4-3 em baixo e tem apenas um corredor no “upper deck”, que existe apenas ao longo de um terço do comprimento da fuselagem, a dita “bossa”. O A380 senta 3-4-3 no piso inferior e 2-4-2 em cima (caso da Air France, por exemplo).