Mobilidade: o exemplo das Canárias

O subsídio social de mobilidade, em vigor desde Setembro de 2015, tem suscitado várias críticas e abundantes promessas de revisão, com negociações que parecem intermináveis.

Justificado pelo princípio constitucional da continuidade territorial e, em grande parte, decorrente da liberalização dos preços das tarifas aéreas, o actual sistema é criticado, principalmente, por:

  1. exigir o pagamento integral no acto de compra (“adiantamento” por parte do passageiro) e impor o reembolso posterior (60 ou 90 dias);
  2. determinar um tecto máximo (custo elegível igual ou inferior a 400 euros);
  3. estabelecer uma única entidade prestadora do serviço de pagamento do subsídio social de mobilidade (CTT), com demasiada burocracia e, pela natureza da instituição, demora no atendimento.
  4. desencadear a inflação dos preços dos bilhetes (entre 2014 e 2016, cresceu o preço médio por bilhete de 148 para 262 euros, tendo também aumentado o número de passageiros de 120 mil para 148 mil) com pesados encargos para o Estado (33 milhões de euros em 2017 para a RAM, contra 24,8 milhões no ano anterior).

De acordo com António Costa, «esta modalidade implicou um aumento superior a 400% naquilo que o Estado paga, quando só há um aumento de 40% das deslocações por parte dos residentes na Madeira.» Para o Primeiro-Ministro, «este resultado, absolutamente desproporcionado, não beneficia os residentes na Madeira e é altamente prejudicial para todos os contribuintes nacionais.» (Telejornal RTP-Madeira, 21-05-2018). Pode-se, assim, deduzir que o modelo vigente de subsídio social de mobilidade é incomportável e muito favorece as companhias aéreas, que se estão financiando à custa da insularidade e do dinheiro público.

Enquanto se aguarda a alteração do Decreto-Lei n.º 134/2015, de 24 de Julho, que, aliás, já mereceu uma proposta da Assembleia Legislativa da Madeira (Resolução n.º 13/2017/M), vejamos o que os nossos vizinhos das Canárias conseguiram alcançar neste domínio, pelo acordo assinado no passado dia 19 de Maio, entre o presidente do Governo, Mariano Rajoy, e Román Rodriguez, líder da Nueva Canaria, para o apoio nacionalista aos ‘Presupuestos Generales del Estado’.

Depois da aprovação final dos ‘Presupuestos Generales’, que deverá ocorrer no próximo mês de Junho, a subvenção, destinada aos residentes canários para as viagens aéreas ou marítimas, das ilhas ao território nacional, passa de 50% para 75%. A título de exemplo, atente-se: com os preços actuais, uma viagem para Madrid (só ida) custaria, em Julho, 65,40 euros para um residente nas ilhas Canárias. Com o novo acordo, passará a custar metade, 32,70 euros. Mas, para além dos 75% nas tarifas, há ainda descontos para as famílias numerosas, o que incentiva também o gosto de viajar, com extraordinário proveito para o turismo.

Perante esta nova realidade, viajar de avião de Tenerife para Madrid será muito mais barato do que ir de táxi de Santa Cruz de Tenerife ao aeroporto Reina Sofia.

O Governo Central compromete-se igualmente a pagar a totalidade do custo de transporte de mercadorias entre as diversas ilhas daquele arquipélago e com a Península, tornando os produtos canários mais competitivos, porque entram no mercado em igualdade de circunstâncias com os demais do território nacional.

Em suma: a negociação política para a aprovação dos ‘Presupuestos Generales’ possibilitou novos direitos para as Canárias no domínio da mobilidade. Comparativamente, a Região Autónoma da Madeira está, neste âmbito, muito distante da realidade do arquipélago vizinho.

Uma visão estratégica em termos de Macaronésia contribuiria, por certo, para diferente panorama, principalmente no diálogo com as instâncias europeias acerca desta matéria.

Provavelmente, quando o voto dos nossos deputados se revelar determinante na aprovação do Programa de Governo ou no Orçamento do Estado, as negociações com a Região irão trazer importantes benefícios para os madeirenses e porto-santenses.

Entretanto, andamos ao sabor dos humores do Terreiro do Paço, visceralmente afectado pelo centralismo e sempre desconfiado das Regiões Autónomas, com a agravante do Governo Regional, ainda traumatizado com o modelo disforme que ajudou a parir – «trapalhada política», segundo Miguel de Sousa (DN, 31-03-2018) – e durante muito tempo o defendeu com unhas e dentes, nada parecer conseguir na revisão deste modelo, numa acanhada e, porventura, inábil negociação, apesar de muitas vezes ter sido afirmada, por ambas as partes, a necessidade de encontrar uma solução conjunta.