Crónica de Viagem: Gondar, cidade grandiosa

Gondar significa “cidade grandiosa” (de gon,”grandiosa”, e dar .”cidade”), e é uma urbe famosa na Etiópia pelos seus castelos. Durante 200 anos foi a capital do império da Abissínia. A cidade situa-se não muito longe do lago Tana, no Nordeste da Etiópia.

Entre os diversos castelos, destaca-se o castelo-palácio de Fazilides (1632-1667) construído dentro de uma muralha com doze portas.
Posteriormente foram construídos outros palácios, castelos e bibliotecas, sempre dentro das muralhas. A arquitectura de castelos é sem dúvida de influência portuguesa, que chegou através dos soldados portugueses e de arquitectos provenientes de Goa, na Índia, a qual era ponto de passagem obrigatório para quem se dirigia para a Etiópia. O conjunto de palácios e castelos é único em África e forma como que uma pequena aldeia.

Os portugueses estão ligados à Etiópia pela ajuda que o rei  de Portugal deu ao imperador etíope, nas guerras de defesa contra a expansão árabe.
Querubins no tecto da igreja de Debre Birhan Selassie
Os contactos entre Portugal e a Etiópia começaram no século XIV. Pêro da Covilhã, em 1487, foi enviado pelo rei D. João II, com a missão de contactar o Preste João das Índias, mítico sacerdote e rei de uma nação cristã.
Chegou à Etiópia numa expedição da qual fazia parte o capelão Francisco Alvarez, que deixou escrita a obra “Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Indiasl segundo viu e escreveu o Padre Alvarez Capelao del Rey Nosso Senhor”, publicada em Lisboa em 1540.

Em 1535,um chefe militar muçulmano ,de nome Gragn,tornou-se uma verdadeira ameaça para Lebna Dengel, o imperador abissínio, que pediu ajuda ao rei português contra a invasão muçulmana. Depois de uma longa espera, a ajuda portuguesa chegou em 1541, na forma de um exército de 400 homens liderados por Cristóvão da Gama, filho de Vasco da Gama.
Como em outras tantas expedições  portuguesas, também na Abissínia a expedição militar era acompanhada por missionários católicos jesuítas, que encontraram um ambiente religioso, político e cultural fortemente enraizado na fé ortodoxa alexandrina e hostil à igreja Católica Romana. De destacar Pedro Paez, um jesuíta espanhol que conquistou a confiança do imperador Sussínius em 1624  e deixou escrita uma obra em quatro volumes intitulada “História da Etiópia”.
São Jorge retratado numa parede lateral da igreja.
Movia-o também a esperança de poder tirar proveito das ajudas financeiras provenientes da Europa,da coroa ibérica (Portugal e Espanha estavam sob a coroa de Filipe III de Portugal).
Como sou um excelente andarilho, decidi explorar  sozinho o castelo de Fazilides, património da humanidade. Verifica-se uma ausência quase total de turistas. Percorrendo mais um quilómetro, avistei numa colina uma das igrejas exuberantes, a Igreja de Debre Birhan Selassie. O seu exterior desanima o visitante. O telhado é de palha, e as paredes de pedra sobre pedra. Parecia um “palheiro”. A sua riqueza está na face interior das paredes.
Orações na igreja
Para a visitar, compro um bilhete. À entrada, um clérigo com a sua túnica branca obriga-me a descalçar abrindo-me a porta.
Debre Birhan significa” montanha da luz”em alusão a um milagre que teria ocorrido num outro local da Etiópia. Selassie, como já vos tinha falado na minha primeira crónica, significa “Santissima Trindade” representada na iconografia copta por três homens barbudos. O interior da igreja do século XVII está decorado com frescos em cores vivas que representam cenas bíblicas, observadas do tecto por um exército de anjos querubins.

Segundo a lenda, esta igreja só se salvou da destruição devido a dervishes sudaneses, no final do século XIX, porque, quando estes  se preparavam para lhe lançar fogo, foram atacados por enorme enxame de abelhas que saiu da igreja. Não fossem as abelhas e esta teria tido a mesma sorte das outras igrejas por onde passaram.
As mulheres oram separadamente nesta igreja ortodoxa.

Dando continuidade ao planeado, sem qualquer indicação, vou na descoberta da piscina de Fazilides: nem vivalma no percurso, até que vejo homens a trabalhar em teares, confeccionando véus tradicionais que fiam no local.

O complexo das piscinas é o palco de uma cerimónia religiosa na qual se celebra a epifania de Jesus no momento seu baptismo. Ao redor, enormes raízes de árvores que envolvem os muros de pedra. Quase cheguei a pensar que estava no Cambodja no templo Angkor Wat, que bem conheço.

Exterior da igreja Debre Birhan Selassie
Valeu esta visita a Gondar. Amanhã estou de partida para Axum, bem a norte e com um país vizinho ao qual os etíopes estão de costas voltadas, a Eritreia.