Justiça para além do túmulo


Quem pensava que já tinha visto de tudo pode, desde já, desenganar-se.
Mesmo o surpreendente penteado de Trump, uma partida de badminton entre nudistas de peles e miúdos descaídos ou a queda de gelo no deserto do Saara, acreditem, ficam a milhas deste fenómeno verdadeiramente extra-terrestre ocorrido… imagine-se onde… Exatamente, acertou e “segue para bingo”. Portugal.
Há que dar por adquirido, antes que esqueça, que a feijoada recordista da ponte Vasco da Gama figura merecidamente no Guiness, mas o feito absolutamente incrível que aqui se vai narrar é algo, vá, “muito à frente”!
Para quem não sabe, existe uma organização constituída por indivíduos que detêm um QI elevado, na média dos 2% dos habitantes do Planeta, conhecido pelo nome de Mensa.
A referida organização foi criada em 1946, em Inglaterra, por Roland Berrill, um advogado natural da Austrália, e pelo Dr. Lancelot Ware, cientista e jurista britânico. Só para se fazer uma ideia do carácter seletivo desta sociedade, convém dizer que a marca de 140 pontos é o mínimo exigido para entrar na sociedade Mensa.
A título de curiosidade, Albert Einstein, Stephen Hawking e Bill Gates têm um “modesto” QI de 160.
De acordo com a Mensa, apenas 1% da população é capaz de atingir a nota máxima no teste para adultos (161 pontos), dividido em duas partes, com, nada mais, nada menos que 150 questões.
Embora esta introdução não seja o tema que aqui me traz hoje, confesso que não pude deixar de lembrar-me quase automaticamente desta organização de gente excecionalmente inteligente para ligá-la ao tema central deste texto, sobretudo quando li num jornal uma (também excecional) notícia com o título que se segue: “Tribunal pede que morto seja alvo de perícia médico-legal psiquiátrica”.

Avançando nas miudezas do caso, ficamos a saber que o pedido foi remetido ao Hospital de Beja. Como se compreenderá, em face deste pedido “fora da caixa”, é mais que natural que a Diretora de psiquiatria no Hospital da cidade teve sérias dificuldades em acreditar no que lhe pediam a partir do Tribunal de Beja. Imagino que, ainda a beliscar-se, para certificar-se de que não estava num pesadelo da Twilight Zone, a psiquiatra, embora habituada a lidar com todo o tipo de demências, limitou-se a responder telegraficamente, e citamos: “Obviamente, não é possível”. Assim, secamente. Cheira-me que é mulher sem fé e nunca ouviu sequer falar da Ressurreição.
Ana Matos Pires, assim se chama a médica, por natureza e inerência da profissão, enquanto responsável máxima do serviço de psiquiatria do Hospital de Beja, está mais que familiarizada com notificações judiciais solicitando serviços periciais, não se furtando, naturalmente, a cumprir com os seus deveres sempre que lhe pedem uma avaliação psiquiátrica de alguém. Vivo, de preferência!
Inclusivamente, pensava que já tinha visto de tudo, desde processos de homicídio a outros menores que ao longo dos anos lhe passaram pelas mãos. Pois pensava. Mas pensava mal a senhora doutora, de nada lhe valendo a experiência. Ah, pois é. O caso paranormal em apreço é muito aparentado à definição de crise, a buracos nas contas públicas ou dívidas ocultas: quando pensamos que chegámos ao fundo, ainda há muito mais fundo para escavacar.
Segundo se sabe, algures na segunda semana deste mês, a médica quase caía para trás quando recebeu do tribunal uma notificação a perguntar-lhe se poderia fazer uma perícia médico-legal psiquiátrica a um…morto. Sim, leu bem, caro leitor. A um morto. Com certeza uma perícia muito ZEN, calculamos. Absolutamente genial, terá pensado a psiquiatra. Então não é que esta “lembrança” (e aqui se faz a ponte entre a primeira parte do texto e a segunda) é digna de raríssimas inteligências, como as que figuram na Mensa, e de QI acima dos 160 pontos de Einstein, Hawking ou Gates!!! Claro que para evitar eventuais equívocos, muito competentemente a notificação indicava o local onde a perícia se poderia desenvolver: a campa do falecido e o respetivo cemitério, não fosse a médica fazer confusão… Os psiquiatras, daqui por diante, terão de estar sempre disponíveis para consultas e perícias em hospitais e cemitérios. Sobretudo em cemitérios. Já há legislação a caminho, dizem.
Ora, voltando ao caso alienígena em causa, tão estarrecida que ficou com o pedido, só suscetível de vir de gente sobredotada ou ligada a correntes espíritas, a médica não resistiu a dar nota pública do seu espanto no Facebook: “Ó pá, ó pá, ó pá, esta nunca me tinha acontecido. Um ofício de um tribunal a perguntar-me se será possível ir fazer uma avaliação pericial psiquiátrica a… um morto.” Quase de rajada, como era mais que previsível, na caixa de comentários sucederam-se em catadupa piadas para todos os gostos, algumas mesmo com interessantes sugestões de diagnóstico (“doente pouco comunicativo, mora em isolamento em local de difícil acesso, não colaborou com avaliação […] Conclusão: Sociopata/Cadáver? A reavaliar a outro tempo se houver alteração no comportamento atual” ou “doente afásico e sem condições para entrevista psiquiátrica” ou ainda “recomendação ao tribunal: de momento não parece representar um perigo para si ou para terceiros”.
Se é daquelas pessoas que já achavam que a Justiça, em Portugal, estava em estado comatoso, mais para o lado de lá que para o de cá, esta notícia do domínio do surreal ou sobrenatural só vem confirmar a sua suspeita de que o fundo, afinal, ainda era bem mais abaixo.
Em todo o caso, vamos tentar ser otimistas e ver as coisas pelo lado positivo. Em bom rigor, em estatística de gafes, a nossa Justiça já está ao nível de… Hollywood. A sério. Ora vejamos: na última cerimónia de entrega das famosas estatuetas, mais precisamente num vídeo de tributo a artistas que morreram no último ano, apareceu a fotografia de uma mulher que ainda está viva. Que mania de apressar as pessoas.
Ao lado do nome da figurinista Janet Patterson, que morreu em outubro de 2016, estava o retrato da amiga Jan Chapman, produtora de 66 anos.
Será que por lá, em Hollywood, também pedirão um exame psiquiátrico à verdadeira falecida?
É virem cá fazer um workshop a um dos nossos tribunais do Além, a ver se não aprendem com alguns dos nossos talentos do outro mundo…