Crónica Urbana: Pedro Calado diz “nunca”…

Rui Marote

Já vimos este filme há 18 anos. Não era a preto e branco mas sim a cores, em Cinemascope. A história não se apaga.
O concurso internacional para a linha ferry Madeira-Lisboa, de que foram levantados 13 cadernos de encargos e em que não foi manifestado interesse por parte dos concorrentes, foi adiado para 18 de Dezembro, tendo como pretexto o pedido de um possível concorrente. Uma desculpa, como isso fosse possível. O caderno de encargos enferma de diversas alíneas, capazes de afastar possíveis interessados.
Aqando do debate do Governo acerca do novo Hospital na ALRAM, interpelamos Pedro Calado à entrada para o hemiciclo: se em Dezembro não aparecerem concorrentes e o concurso ficar vazio, será que o Governo invocará a cláusula de negociar com quem entender?
Resposta brusca e imediata: “Nunca”…!, disse, virando-nos as costas.
Recordo que já ouvi essa resposta de um Ministro da República, mas em francês: “Jamais”.
Vamos narrar factos: a concessão do Governo Regional ao grupo Sousa para exploração da linha marítima Funchal-Porto Santo, a beneficiar de isenção de rendas, taxas e IVA e a cobrar taxa aos passageiros, que constava das regras. Tudo sem concurso público, celebrado há 21 anos entre Governo Regional e a Porto Santo Line Lda (PSL). Sofreu várias alterações relativamente ao caderno de encargos e já foi prorrogada por duas vezes sem passar por concurso público. Está em vigor até 2025.
Com estas benesses, todas se a linha fosse hoje posta a concurso, podemos afirmar que iria ficar deserta. Hoje temos navio e o descontentamento continua, Janeiro está à porta e o Lobo Marinho irá para estaleiro para a habitual revisão. Aguardemos a mesma letra e a mesma música dos portosantenses nesse período.
Vamos historiar: no tempo da outra “Senhora”, madeirenses e portosantenses deslocavam-se de uma ilha para outra nuns barcos chamados carreiros, que saiam do cais regional (hoje cais norte, onde está a lota) para uma odisseia que se chama “travessa”, viajando em cima da carga e levando por vezes 12 horas. A maior parte das viagens eram nocturnas. As pessoas chamavam o “Gregório”e chegavam à Ilha Dourada mais mortas do que vivas. Mais de 90% da população de um lado e do outro não conhecia as ilhas.
Mais tarde veio o Pirata Azul do ferro velho, cerca de cinco horas para cada trajecto. Anos mais tarde, em 1989, foi a vez do “Madeirense” fazendo viagens entre as duas ilhas para o transporte de mercadorias e 12 passageiros, numa altura que o movimento de passageiros era feito pelo catamarã rápido “Independência” e pelo monocasco Pirata azul. O Porto Santo sofria uma forte sazonalidade. Em 1991 foi a remodelar, e conquistou 10% do mercado de passageiros sendo 90% do Governo Regional, com o catamarã Pátria. Em 1992 chega o Lusitânia Expresso, que foi uma experiência falhada pela falta de rampas laterais. Em 1995, fica o Pátria e o Madeirense. Em 1995 a PSL traz à Madeira o “Lady of Mann”, um navio ferry com rampas laterais para veículos. A operação foi um sucesso e o movimento entre ilhas subiu 40%. Mas verificou-se a impossibilidade de manter o “Lady of Mann” na RAM a PSL freta então o catamarã “Pátria”, assim garantindo as operações de Dezembro de 1995 a Junho de 1996.
A 8 de Junho de 1996, 0 navio “Lobo Marinho I” faz a sua viagem inaugural, tendo rampas laterais com transporte de pessoas e carga incluindo contentores. No ano 2000, são criadas as rampas “roll on roll off”, e assim o embarque e desembarque de viaturas passou a ser feito com maior fluidez.
Em 2002 a PSL abre concurso público internacional para a construção de um navio de raiz, chamado Lobo Marinho. 18 meses de construção e 25 milhões de euros depois, em Maio de 2003, o navio faz a sua viagem inaugural na linha Madeira. Levou anos a ser publicado no jornal oficial da Região o contrato, por alegadamente incluir cláusulas que beneficiariam o grupo económico já com o monopólio das operações portuárias no arquipélago. O caderno de encargos e o contrato de concessão não foi submetido à fiscalização prévia do Tribunal de Contas. O concessionário ficou dispensado de pagamento da renda da concessão fixada em 20% dos lucros apurados antes de imposto, conforme previa o caderno de encargos. Na véspera de assinar o contrato, o secretário regional da Economia e Cooperação Externa, Pereira de Gouveia, justifica que “só se conseguiria manter o equilíbrio económico entre concedente e concessionário se o concedente desistisse da renda”. E, interpelado sobre a falta do obrigatório parecer do Tribunal de Contas, alega que do “presente contrato não resultam quaisquer responsabilidades financeiras presentes que obriguem à fiscalização prévia”.
Uma das primeiras cedências do governo ao único concorrente verificou-se três anos antes da celebração do contrato, assinado a 23 de Fevereiro de 1996 pelo secretário regional da Economia, Pereira de Gouveia, em representaçãp do concedente, e Luís Miguel de Sousa, pela concessionária. O executivo liderado por Alberto João tinha optado por parceria público-privada, como propusera a comissão responsável pelo concurso, mas pela resolução nº 1306/93, resolve “entregar a uma entidade privada a exploração da referida linha “, em detrimento da empresa mista que teria como accionista a PSL (75%) e a Região Autónoma da Madeira (25/%).
Quanto custou o Lobo Marinho? Um preço estimado em 5,5 milhões de contos (27,4 milhões de euros). A construção de um novo ferry foi adjudicada por 34,5 milhões de euros aos Estaleiros de Viana do Castelo, com a comparticipação de 15 milhões de euros da União Europeia  e da Região, correspondente a 71,4% da despesa elegível ,como refere o relatório da auditoria do Tribunal de Contas (TdC) à aquisição do Lobo Marinho, datado de 12 de Gevereiro de 2004.
Quem é o empresário-armador que se ia meter na exploração da linha Funchal-Lisboa para perder milhões? É viável? Se o Porto Santo é o que já vimos…
Só nos resta plagiar  o “Jamais” do rectângulo e o “Nunca” de Pedro Calado.