Testemunho verídico ao FN: cães perigosos sem açaime matam no Paul e a lei fica por cumprir

Rafa, o cão vítima de outros cães.

Já lá vão quase dois anos mas parece ter acontecido ontem. Um caniche foi atacado por outros cães de raça potencialmente perigosa (“pit bulls”) e sucumbiu aos ferimentos. O caso passou-se no Paul do Mar. O proprietário não cumpriu a lei de colocar o açaime nos seus animais e a segurança pública foi posta em causa.

Carolina Pita dá o seu testemunho ao FN  em nome da informação pública e da prevenção. O cão morreu. Ficou a dor. Poderia acontecer até a uma pessoa… No Paul, há “pit bulls” à solta. No Paul como noutras partes da Madeira e até do País. Só se tornam perigosos se os seus proprietários forem negligentes. E há muita negligência que culmina com a morte.

“Era 29 de novembro de 2015, um domingo escuro, triste e chuvoso como acabou por ser o meu dia. Estava em casa com o Rafa, o cão do meu namorado que vivia na casa da avó dele mas que, por insistência minha, uma insistência momentânea porque nunca tinha tido muita ligação com aquele cão, acabou por vir viver connosco. Foram apenas quatro meses, mas que valeram por anos, foram 4 meses intensos, quase 24horas sob 24 horas na companhia dele, e ele na minha.

Nesse malogrado dia, eu e o Rafa fomos até ao bar, propriedade do meu namorado. O Rafa estava comigo sentado, quietinho como era habitual nele, pois era um caniche muito meigo, muito quieto, só deixava de o ser quando aparecia algum cão e ladrava, o que é normal num cão.  No bar, como em toda a marginal do Paul respirava-se um clima de tranquilidade como é habitual e ninguém passava na estrada. Já quase escuro, um primo decidiu tirar a trela para correr um pouco com o Rafa, mesmo à frente do mar… De de repente, chegam-me aos ouvidos gritos e ouvi o Rafa a gemer. Só me ocorreu “os pit bulls que vivem no Paul…”. Desatei a correr para a estrada e só via o Rafa na boca de um deles, de um lado para outro. O meu namorado e o primo tentaram tirá-lo, eu bloqueei completamente e lembro-me vagamente de ver um cliente a jogar a cerveja, porque foi o mais rápido que acorreu a ajudar e, nem assim, conseguiram salvar o Rafa. Eu não consegui fazer nada, a não ser sentir que o ia perder ali mesmo.

Depois, não sei como, lá conseguiram que um dos cães largasse o Rafa… A meio de gritos, lembro-me de ver um deles atrás de mim, mas naquela hora, eu não queria saber de mim, só queria saber em que estado estava o meu cão, embora tivesse medo porque receava que algo de fatal acontecesse. Olho mais ao largo e vejo o dono dos “pit bulls” a tremer, junto a um muro, e nem ele teve capacidade de os segurar, acabando por soltá-los, mesmo contra a sua vontade, calculo.
O Rafa escondeu-se dentro do bar e eu, ainda em choque, tento ligar a uma amiga que é veterinária, e que prontamente se ofereceu para vê-lo. Infelizmente, ela não conseguia fazer nada. A ferida no maxilar tinha sido muito forte. Levámos o Rafa do Paul até ao Funchal, à SPAD, onde fomos muito bem recebidos, profissionalmente e humanamente. Lembro-me de entrar lá e sentir que nunca mais ia ter o “meu Rafa”, foi um misto de emoções, o choque por ter visto o que vi, o sofrimento por ele e esta novidade de emoção/amor que tinha despertado em mim em apenas quatro meses e por um cão. Já não tinha um cão comigo desde criança. Senti que era responsável pelo incidente, que falhei… não o consegui proteger e estava com tanta raiva daqueles cães e daquele dono que não colocou os açaimes apropriados para andar na via pública com cães de raça potencialmente perigosa.

O Rafa ficou na SPAD, foi operado no dia seguinte, mas já nos tinham avisado que era uma operação de risco e que dificilmente sobrevivia. Porém, a sobreviver, teria muitas limitações, mas quisemos arriscar.

Carolina Pita com o Rafa. Fotos DR.
O Rafa após os ferimentos…

No dia 2 de novembro, recebemos um telefonema da SPAD para nos irmos despedir do Rafa, porque tinha morrido. Na verdade, não foi um choque para mim; choque foi no dia em que o morderam. Quando o fui visitar, disse-lhe que eu não queria ser egoísta, que se fosse para ele sofrer e não ter qualidade de vida, o melhor seria partir, pois só queria o melhor para ele.

Rezei muito, chorei muito, comi pouco durante esses dias e nos dias seguintes. A minha raiva foi passando a luto e eu só queria que as pessoas soubessem esta história para que pudessem evitar futuramente a morte precoce de outros animais. Aconteceu ao Rafa mas podia acontecer a outro animal ou até mesmo a um ser humano, pois a negligência tem um preço muito alto.
Até hoje o caso não foi a tribunal – agora é-me indiferente que alguém ajude a pagar as contas, não quero o dinheiro de ninguém muito menos por esta razão – mas gostava que este fosse um tema mais abordado, mais respeitado, que fosse obrigatório, na teoria e na prática, que cães de raça potencialmente perigosa andassem de açaime na via pública. O dono dos cães que agrediram mortalmente o Rafa nada fez, nunca nos telefonou a saber da saúde do cão e ainda disse “ a culpa foi do vosso cão, que se aproximou dos meus”. Enfim…. esta frase já não tem tanto impacto na minha vida como a frieza da parte dele e de outras pessoas, porque também acabei por ter apoio de outras que não esperava, porque tanto para mim como para elas foi uma novidade o impacto que isto acabou tendo na minha vida.
Decidi hoje dar o meu testemunho ao Funchal Notícias, como um alerta, no sentido de informar mais o público. Há que prevenir para que não se deixe morrer mais Rafas de uma forma cruel e negligente.

Hoje em dia, tenho uma cadela mas sou muito cautelosa, tenho imenso medo de andar com ela na rua; mal vejo ou oiço um cão, lembro-me do episódio fatídico do Rafa. Infelizmente ela passa muito tempo em casa por essa razão e pelo meu medo, devido à insegurança. É que esses cães potencialmente violentos continuam a viver no Paul do Mar e não sei se os donos estão a cumprir a lei de passearem os cães com o açaime apropriado em nome da segurança pública.”