“Cortes” pela “calada” revoltam enfermeiros nos Centros de Saúde da Madeira e Ordem “aponta o dedo” aos médicos

Élvio
“Os grupos de pressão são fortes…Não há um rosto, mas as medidas já estão a ser adotadas aos poucos”, diz Élvio Jesus.

A Saúde, na Madeira, continua com algumas situações que em nada ajudam ao preconizado “novo ciclo” apresentado pelo secretário regional Pedro Ramos, não obstante ainda se encontrar naquilo a que normalmente se denomina de “estado de graça” sempre que há um início de funções, mas cujos contornos, relacionados com algumas críticas de funcionamento e de carências, rapidamente atingem dimensões que por certo ultrapassarão esse período em que os agentes do setor estão a dar o benefício da dúvida. O governante sabe disso, porque é simultaneamente um técnico investido de componente política, junção que, por vezes, pelo choque que pode suscitar, torna eventualmente a gestão difícil e uma dialética complexa entre pares.

Cortes nos enfermeiros por pressão dos médicos

Os enfermeiros dão o primeiro “grito” de alerta e não poupam o sistema do ponto de vista organizacional. Os centros de Saúde, cuja estrutura faz parte da rede de apoio, onde deve assentar a política de Saúde do futuro, estão em polvorosa com a forma como têm ocorrido alguns episódios nos últimos tempos, que levam o responsável pela Ordem, na Região, a colocar um “ponto de ordem” face à imposição que é colocada aos enfermeiros, no sentido de se submeterem à lista de utentes do médico, prescindindo da sua própria lista que era organizada do ponto de vista geográfico, como recomendam as normas internacionais.

Ao afirmar que “há cortes nos enfermeiros, nos centros de Saúde, por pressão dos médicos e contrariando todas as normas estabelecidas no âmbito da Organização Mundial de Saúde”, Élvio Jesus diz que esta realidade distorce, por completo, aquilo que deve ser o todo, que cai como um castelo de cartas”.

Equipas passam para 1 médico e 1 enfermeiro

O presidente do conselho diretivo Regional da Ordem diz que, em algumas unidades de saúde locais, “está a ser imposta, pela calada, uma organização de serviço que reduz o número de enfermeiros nas equipas de saúde, passando de 1 médico e dois enfermeiros para um médico e um enfermeiro, além de que estão a ser retirados doentes da assistência do enfermeiro para este ficar submetido à lista do médico, que é vasta e geograficamente dispersa, contrariando todas as normas que apontam para que o enfermeiro deva ter uma área de intervenção mais concentrada. Com dois enfermeiros, a divisão não era a ideal mas era mais adequada do ponto de vista geográfico, mas apenas com um a assistência pode dispersar, pode ir do mar à serra, precisamente porque é a lista do médicos que está subjacente a essa nova estratégia”, sendo que a situação é logicamente “mais grave nos centros de saúde maiores e de maior procura”.

Médicos pressionam medida

O responsável pela Ordem considera que “esta dispersão e desintegração não serve, nem aos utentes nem aos enfermeiros” e, sem subterfúgios, aponta o dedo aos médicos, que formam um “grupo de pressão” para a implementação de listas, tendo em vista uma futura realidade, já observada no Continente, onde os médicos ganham mais por cada consulta e cada visita que fazem. Na Madeira, já ganham a mais quando se deslocam a uma estrutura de saúde pública para observar um doente”.

Lista de utentes do médico deve ser superior à do enfermeiro

Élvio Jesus lembra que “a lista de utentes de cada médico é, em regra, sempre em número de utentes/família superior à do enfermeiro e ambas as listas devem obedecer à proximidade geodemográfica. Sempre que possível, o utente ou a família, quando está no Centro de Saúde ou na residência/comunidade, devem ser atendidos pelos respetivos profissionais da equipa. É assim que o verdadeiro trabalho de equipa acontece e expressa-se, então, o conceito de cuidados integrados, situação que não sucede se o enfermeiro estiver exclusivamente confinado à lista do médico, que como já referi, é mais vasta e dispersa geograficamente”. Além disso, a lista do médico não inclui os casos mais problemáticos e que necessitam mais cuidados, porque esses, com essa condição, enquadram-se numa outra assistência. Acontece que se o enfermeiro está colado a essa lista, fica mais vulnerável a assistência aos mais necessitados, o que não é aceitável”.

Uma má prática sem “paternidade”

Impor a lista de utentes do médico ao enfermeiro “para além de má prática, não faz qualquer sentido”, reforça Élvio Jesus, que aponta os casos de Câmara de Lobos, remodelado recentemente, Monte, Santa Cruz, Camacha, Campanário e Caniço, pelo menos, onde essa prática já funciona, embora não exista quem assuma a paternidade da medida e da entrada em funcionamento”.

Os grupos de pressão são fortes

Sem saber quem “é o pai da estratégia”, o presidente da Ordem dos Enfermeiros na Região diz que esta realidade já foi alvo de alerta para a Secretaria Regional da Saúde e para o SESARAM, mas de pouco ou nada serviu, uma vez que, em sua opinião, os grupos de pressão são fortes e é difícil enfrentar estes problemas da forma como deveria acontecer. Não há um rosto, mas as medidas já estão a ser adotadas aos poucos”.