Casal de moradores acusa aviário no Caminho dos Pretos, mas GR e Câmara não lhes dão razão; proprietário diz-se cansado e ameaça com processo

 

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Em primeiro plano, a residência dos Rapp e, ao fundo, o aviário que é o pomo da discórdia.

Fotos: Rui Marote

Uma exploração avícola no Caminho dos Pretos está sob fogo por parte de moradores da zona, que já contactaram a Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, a Direcção Regional do Ordenamento do Território e Ambiente, a Câmara Municipal do Funchal e o próprio presidente do Governo Regional sobre o que consideram ser uma actividade industrial que é um “foco de poluição”, que funciona “à margem da lei” e que, alegadamente, viola o Plano Director Municipal (PDM).

James Rapp, um cidadão de origem estrangeira, e sua esposa M. F. Ferreira de Sousa Rapp, residentes na Travessa da Ribeira das Varas, no sítio dos Salões, São Gonçalo, ou seja, abaixo do dito aviário, queixam-se de “impactos negativos” por parte de uma “actividade industrial em zona de habitação”, conforme o teor de uma carta que, indignados, dirigiram ao presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque. Na mesma, à qual o Funchal Notícias teve acesso, referem que a criação de frangos da empresa “Avefreitas – Avicultura Unipessoal Lda.”, “não é inócua em relação à vizinhança, que tem de suportar os maus cheiros, fumos, ruídos que comprometem o ambiente, o conforto e a saúde pública das pessoas que escolheram viver ali”.

Invocando a actual redacção do artº 115º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, o casal sublinha que “as instalações para alojamento de animais somente poderão ser consentidas nas áreas habitadas ou suas imediações quando construídas e exploradas em condições de não originarem, directa ou indirectamente, qualquer prejuízo para a salubridade e conforto das habitações”.

Os Rapp dizem que, entre os contactos que realizaram, esteve a CMF e o vereador Domingos Rodrigues, com o pelouro do Ambiente, que “confirmou que estas instalações avícolas não reúnem as correctas licenças para funcionamento, bem como violam o Plano Director Municipal”. Estes moradores dizem que de pouco serviram a suas advertências ao Governo Regional e à Câmara e os ofícios enviados a denunciar o problema. “A autarquia nada resolveu”, Miguel Albuquerque “não esboçou qualquer resposta” e a empresa continua a laborar “com graves prejuízos para a saúde e o bem-estar da população”, alegam.

Mais: afirmam que a ‘Avefreitas’ prepara-se para ampliar as suas instalações, “uma vez mais à margem da lei, porque não cumpre os requisitos legais para poder usufruir da emissão da licença de utilização”.

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Lamentando a “desoladora indiferença” das autoridades perante esta “desafortunada situação”, os Rapp acusam a empresa de recusar cooperar com a actual regulamentação ambiental, de ter destruído, com o despejo “ilegal” de águas residuais, uma área considerável de solo frente à sua habitação, colocando até os seus muros de delimitação de terreno em risco de queda (principalmente se se tiverem em atenção os deslizamentos de terras ocorridos na área em Fevereiro de 2010).

Atribuem ainda ao proprietário do aviário “ameaças verbais e visuais” e garantem que os moradores “sentem-se ameaçados e limitam a sua indignação a meras lamentações sobre o cheiro, fumo e ruído”. E referem os Rapp que “por muito menos”, em Santa Cruz, a Câmara “procedeu a um inquérito e a uma avaliação cuidada” ao aviário do Garajau.

O que os Rapp pretendem é a deslocalização do aviário para outro local, onde possa cumprir com as exigências funcionais, ambientais e do ordenamento do território, salientando que “não querem prejudicar a exploração”. E aproveitam para elogiar a política ambiental do Governo Regional, que têm considerado “exemplar”, pelo que solicitam ao chefe do Executivo madeirense “resposta pronta e correcta”.

O Funchal Notícias deslocou-se ao local e constatou a localização da residência da família Rapp e da exploração avícola, ambas visíveis nas fotos. Também contactou com vizinhos do empreendimento e indagou-os sobre a exploração e o proprietário. No entanto, as únicas críticas que ouvimos dos moradores foi de que a exploração “realmente cheira mal, principalmente no Verão”. Mas do dono, ninguém efectivamente disse nada de negativo. E na oportunidade, as pessoas com quem falámos sublinharam um dado importante: aquele aviário encontra-se ali há mais de quarenta anos. Ora, o casal Rapp só mora naquele local há sete anos. Inclusive, há décadas atrás, a concentração urbana e as serventias em matéria de estradas naquela zona alta eram consideravelmente menores do que as que existem hoje em dia. Pelo que, quando se implementou o aviário, tal foi feito numa zona praticamente rural, de serra.

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Procurámos apurar a veracidade das alegadas declarações do vereador Domingos Rodrigues quanto a eventuais irregularidades no aviário, mas o Gabinete de Apoio à Presidência da Câmara Municipal do Funchal esclareceu que “qualquer questão relativa ao licenciamento, à fiscalização ou à legalidade da actividade relativa a uma exploração avícola não deve ser endereçada à Câmara Municipal do Funchal, que não tem qualquer competência nessa matéria. O licenciamento e a fiscalização das condições de salubridade e de legalidade de um aviário são da responsabilidade da Autoridade Regional das Actividades Económicas, tutelada pela Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura [SRETC]”. Sobre as alegadas declarações de Domingos Rodrigues, nada disse.

Contactada a SRETC, a mesma solicitou aos serviços da Autoridade Regional das Actividades Económicas (ARAE) que averiguassem se existia ou não alguma reclamação ou denúncia relativamente a este assunto: a resposta foi a de que não deu entrada na ARAE nenhuma denúncia relativa à empresa em causa, desde o ano de 2012 pelo menos.

E esclareceram-nos por seu turno que a competência para a matéria relacionada com a produção aviária seria da Direcção Regional da Agricultura, da Câmara Municipal, e, por poderem estar em causa questões de índole ambiental, também a Direcção Regional do Ordenamento do Território e Ambiente (DROTA).

Contactada oficialmente por nós a Secretaria Regional da Agricultura e Pescas  (SRAP), o gabinete do secretário regional Humberto Vasconcelos respondeu de forma que não deixa margem para dúvidas, não dando razão aos queixosos e elogiando mesmo, sem reservas, a qualidade do aviário da ‘Avefreitas’.

Segundo a resposta da SRAP, o processo tem sido acompanhado pela Direcção Regional de Agricultura, estando neste momento a exploração avícola em causa “em processo de licenciamento, do qual esta Direcção Regional é a entidade coordenadora”. O FN sabe inclusive que a ‘Avefreitas’ tem-se esforçado por tirar dúvidas relativamente às implicações do PDM, com presenças nas reuniões públicas camarárias da CMF; por outro lado, a Direcção Regional de Agricultura informa-nos de que “tem realizado várias vistorias à “Avefreitas”, nomeadamente com as entidades envolvidas no seu licenciamento”, ou seja, a Direcção Regional do Ordenamento do Território e Ambiente, a Direcção Regional do Trabalho e Acção Inspectiva, e o Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais IP-RAM, para se avaliar as condições da exploração avícola tendo em vista o seu licenciamento”.

Garante o Governo Regional que todas as reclamações apresentadas, até ao momento, têm sido infundadas face à legislação aplicável. E realça ter concluído que o odor presente dentro dos pavilhões é típico das explorações avícolas. Aliás, refere, “considerando as explorações de animais terrestres, os aviários estão entre os que menos odores têm, excluindo os dias de remoção das camas, que neste caso concreto é de 2 a 3 dias, com um intervalo de 60 dias”.

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“Exteriormente aos pavilhões não se observou qualquer tipo de odores, estando o espaço exterior envolvente dos pavilhões limpo e organizado”, reza a resposta às nossas perguntas.

Por outro lado, “não se observou a presença de insectos, ou outros animais, em redor ou dentro dos pavilhões”, o que é indício empírico, nas explorações pecuárias, da presença de sujidade e mau odor. O GR acrescenta que até a ração administrada às aves contém ‘De-Oderase’, substância inibidora da libertação de amónia, composto químico responsável por diversas patologias respiratórias nas aves, mas também por originar odores fortes e desagradáveis, especialmente durante a retirada das camas. Mais uma medida contra os maus cheiros.

Mais dizem os serviços governamentais que este aviário possui caldeiras de aquecimento a lenha, as quais funcionam nos primeiros dias do ciclo de vida das aves. Por esta razão, a DROTA exigiu um estudo analítico sobre a emissão de gases poluentes para a atmosfera. Mas o dito estudo demonstrou que os gases que saíam das chaminés do aviário estavam dentro dos limites exigidos pela exploração vigente.

A Secretaria da Agricultura prossegue assegurando que “nunca se detectou qualquer ruído, o qual podia ser motivo de stress para as aves” e potenciar o risco de patologias, pondo em causa os ciclos produtivos. E que poderia também, naturalmente, incomodar os moradores.

E a instância governamental em causa não dá credibilidade às queixas do casal Rapp relacionadas com a segurança do terreno e muros de sustentação, pois, afirma, “a apreciação feita pela edilidade funchalense sobre o processo de licenciamento da avicultura nada contrapôs nesta matéria”.

“Do ponto de vista higiossanitário e da saúde animal e pública, todos os riscos estão plenamente salvaguardados”, assegura aos cidadãos, frisando que “os restantes moradores nunca se manifestaram contra este aviário” e que há que ter em consideração que o mesmo existe desde 1975, logo, há 42 anos, e a casa do queixoso, como o próprio afirma na sua reclamação, há apenas sete anos”. Este foi, aliás, um aspecto que outros moradores da área comentaram à nossa reportagem: o aviário, disseram, “já há muito tempo que está aqui”, inclusive, disseram alguns, “desde a nossa infância”.

Para concluir a reporagem, contactámos o proprietário da ‘Avefreitas’, sobre as acusações de que tem sido alvo pelos supracitados moradores. Clemente Freitas não quis fazer declarações extensas sobre o caso, mas acha ele próprio que as declarações das entidades oficiais falam por si. Mesmo assim, mostrou-se cansado e agastado pelas acusações dos Rapp, garantindo que interporá uma acção judicial contra os mesmos, por difamação. “Estão a difamar a minha empresa e a minha própria pessoa”, alegou, considerando tais atitudes como “um insulto e uma provocação”.

Garantindo que “nunca ameaçou” os Rapp, contou-nos uma versão totalmente distinta: “Eu e os meus familiares é que somos insultados. Estou cansado desta situação. Tenho tudo em ordem. Já fui ofendido, sobretudo da parte da senhora, tanto eu como os meus filhos, e tenho sempre recomendado calma e contenção”. Porém, as constantes diligências e alegações contra a sua empresa movidos pelo casal junto de diferentes entidades, e a presente reportagem do FN motivada por contacto dos Rapp com o nosso jornal, parecem ter sido a gota de água para este empresário que mantém, no aviário, três postos de trabalho constantes, mais sete funcionários que contrata na altura da apanha dos frangos para o abate. A via judicial será a mais provável a seguir.

Clemente Freitas fez questão de realçar, ainda, que esta é uma actividade económica legítima, que contribui de forma positiva para o tecido empresarial da Região, e que há toda uma cadeia distribuidora que depende da sua produção. Pelo que diz não ser sua intenção continuar a ser passivamente criticado, sem motivo que considere válido, dado que, sublinhou, tal afecta o seu bom nome e o da instituição ‘Avefreitas’.