Argumentar

 

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O Augusto defende que os animais não humanos não têm direitos morais. A premissa do argumento é que se eles não têm deveres não têm direitos. O argumento pode ser representado desta forma:

Só tem direitos quem tem deveres

Os animais não humanos não têm deveres

Logo, não têm direitos

Um argumento para ser bom tem de reunir algumas condições. Uma delas é formal. O argumento deve ser logicamente válido. Um argumento é válido se for impossível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa. O princípio é que se metemos verdades nas premissas, saem verdades na conclusão. Assim, o argumento do Augusto é logicamente válido, pois se for verdade que só tem direitos quem tem deveres e se for verdade que os animais não humanos não têm deveres, então tem de ser verdade que os animais não humanos não têm direitos. Acontece que a validade é uma condição necessária para um argumento ser bom, mas não é suficiente. Para ser bom é preciso que as premissas sejam verdadeiras. E é ainda preciso que o argumento dê efetivamente boas razões para aceitar a conclusão.

O Jerónimo sabe disse e mostrou ao Augusto por que é que o seu argumento não funciona. Raciocinou deste modo:

Se só tivesse direitos quem tem deveres, então os bebés não teriam direitos pois não têm deveres

Mas os bebés têm direitos

Logo, é falso que só quem tem deveres tem direitos

Parece que o Jerónimo derrotou racionalmente o argumento do Augusto. Mesmo que o Augusto seja um teimoso e continue “na sua”, tudo o que interessa na argumentação é que nos dê boas razões para aceitar uma teoria, neste caso, a teoria de que os animais não humanos podem ter direitos morais apesar de não terem deveres.

Há muito mais para discutir. Afinal quais são os critérios que nos fazem pensar que um porco, uma galinha ou, eventualmente, um peixe, podem ter direitos morais? Uma coisa é certa: só raciocinando intensamente podemos avançar na argumentação. E avançar na argumentação é muito mais satisfatório que resumirmos a nossa opinião à influência do fazedor de opiniões de serviço na TV ao Domingo à noite. Chama-se a isso pensar pela própria cabeça. E argumentar racionalmente é o contrário da gritaria que muitas vezes assistimos, quando as pessoas não conseguem mais do que tentar impor aquilo que pensam ser verdade pela força, pelo domínio ou posição social.

Saber argumentar é saber pensar com razões. E saber discutir razões evitando os erros de raciocínio mais evidentes. E erros de raciocínio há muitos. Vamos supor que alguém defende que a vida faz sentido porque Deus existe e lhe dá sentido. A teoria pode ser expressa no modo de uma condição como esta:

Se a vida faz sentido, então é porque Deus existe

Um ateu, por exemplo, não concorda. A primeira coisa que o ateu fará é negar esta teoria. Pense o leitor, antes de avançar, no modo como negaria esta teoria. Só lhe dou uma dica: para negar uma teoria a negação tem de inverter o valor de verdade da teoria a ser negada. Isto é, se a teoria a negar for verdadeira, a sua negação tem de ser falsa. E se a teoria a negar for falsa, a sua negação tem de ser verdadeira. Não podem ser ambas falsas e verdadeiras ao mesmo tempo. Já pensou…… já?….. e … então?

Ok, em regra as pessoas negam desta forma:

Se a vida não faz sentido, então Deus não existe

Mas pense lá um pouco. Pode acontecer que ambas sejam falsas. Ou verdadeiras. Se for verdade que a vida faz sentido porque deus existe, também tem de ser verdade que se a vida não faz sentido então é porque Deus não existe. Ou seja, a segunda não é a negação da primeira e quem pensa que assim está a discordar, não está. A discussão torna-se improducente. Repare: se for falso que “se a vida faz sentido, então Deus existe” tem de ser verdade que “a vida faz sentido e Deus não existe”. E só deste modo o ateu negaria a teoria de partida. Isto porque o que se quer negar é a condicional expressa. E não negamos a condição apresentando outra condição. Negamo-la se a eliminarmos. Em termos estritamente lógicos, negamos uma condicional afirmando o antecedente da condicional e negando o consequente.

Talvez a melhor forma de saber mais destas coisas seja aprender mais um pouco de filosofia.