Largo do Pelourinho ganha protagonismo, mas potenciais vestígios da antiga alfândega estão em risco

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Este prédio está a ser alvo de intervenções de recuperação sem acompanhamento arqueológico.

Com Rui Marote

A zona do Largo do Pelourinho, conforme já referiu o FN em anteriores trabalhos jornalísticos, está a ganhar um novo protagonismo dentro da cidade do Funchal. A par dos trabalhos de recuperação arqueológica dos vestígios da fortaleza de São Filipe – embora com a muito discutível opção de se movimentar uma das muralhas descobertas para fora do seu lugar original e recriá-la frente à Ribeira de Santa Luzia, na Praça da Autonomia – a instalação do pelourinho no seu lugar original, frente à Rua Direita, confere uma nova importância àquele local da nossa urbe.

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O pelourinho implantado no local original.

Duas peças originais do pelourinho, em brecha calcária da serra da Arrábida, que se encontravam no Museu Quinta das Cruzes, foram inseridas na reconstrução daquele que era não só um local de castigo público de criminosos – ou fosse de quem fosse que os poderes instituídos considerassem como tal – mas também um símbolo do centro da vida citadina. O pelourinho, supostamente uma oferta do rei D. Manuel, era ponto de encontro e passagem para muita gente.

Nesta reconstrução do pelourinho, as outras peças que o integram, de pedra clara, são da chamada brecha algarvia. Com o tempo, escurecerão, ganharão uma patine que aproximará mais a sua tonalidade da das peças antigas, já com vários séculos.

O arqueólogo Daniel Sousa tem acompanhado os trabalhos
O arqueólogo Daniel Sousa tem acompanhado os trabalhos do Pelourinho

No actual Largo do Pelourinho, onde tem trabalhado o arqueólogo Daniel Sousa, da Direcção Regional de Cultura, subsistem vários motivos de interesse. Um deles é a existência, na fachada de um prédio que antes albergava os armazéns Oliveira e que está a ser recuperado, de um Passo Processional. Esta era uma das estações da via sacra que atravessava a cidade, e que eram percorridas nas tradicionais procissões que assinalavam a Semana Santa. O interesse histórico e patrimonial é evidente. Um outro Passo Processional ainda existente é o da Rua de Santa Maria. Mas esse já sofreu algumas alterações. O do Pelourinho é mais interessante, apesar de também não se encontrar totalmente original.

passo processional
Passo Processional

O Passo Processional é um altar de parede, emoldurado por cantaria vermelha do Cabo Girão. Trata-se de um nicho com arco de volta perfeita, com chave em forma de aleta e assente em capitéis com filete relevado inferior, rematado superiormente por alto frontão, separado por alvenaria pintada ou caiada do corpo inferior, com medalhão redondo com armas de fé dos jesuítas, JHS, encimado por cruz e com os três pregos da Paixão por debaixo. Enquadra ainda um nicho, ladeado por duas colunas com capitéis, aletas e duas pilastras rematadas em bico, assente em consola de balanço e superiormente por frontão interrompido encimado por cruz.

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Era ali que a antiga procissão em honra de São Tiago Menor, o padroeiro do Funchal, se ia detendo. Haviam vários Passos Processionais, hoje só restam dois. A procissão seguia até à igreja do Socorro.

Este Passo Processional que está no Largo do Pelourinho está fechado à chave: as portadas só eram abertas em ocasiões especiais. Está instalado num edifício que está a ser alvo de obras de recuperação, as quais, dada a sua implantação, deviam estar a ser acompanhadas por um arqueólogo – mas que, conforme apurou o FN, não estão. O prédio, aparentemente, é propriedade de um cidadão russo que entende ser sua propriedade, também, o próprio Passo Processional.

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Aspecto das obras que decorrem no interior do edifício.

 

O edifício está no local onde se presume que tenha sido erigida aquela que foi a primeira alfândega do Funchal, dentro das muralhas do Forte de São Filipe. Nas caves podem existir vestígios de valor, cuja conservação a mão do homem trabalhador dificilmente acautela. Sem saber, pode destruir interessantes vestígios da História da Madeira. A CMF terá licenciado as obras, sem acautelar este aspecto protector.

Passo Processional

Outro aspecto interessante do Largo do Pelourinho, é mesmo a antiguidade de alguns dos edifícios que ali ainda se encontram, apesar do estado lastimável dos mesmos. Por exemplo, numa das casas é visível uma janela em mármore de Lioz, material raro hoje em dia, e que vai ao encontro da descrição feita por Gaspar Frutuoso em ‘As Saudades da Terra’, quando descreve o Largo do Pelourinho como “uma não muito grande, mas formosa e cercada praça, de boas casas sobradadas, algumas de dois sobrados, com um rico pelourinho de jaspe (…)”. Algumas das casas tinham, descreve o antigo historiador açoriano, janelas de mármore, e alguns telhados eram mesmo “coroados de ameias”.

janelas antigas com mármore de lioz
Antiga janela com o que aparenta ser mármore de lioz.

A intervenção arqueológica do Forte de São Filipe não é consensual, com várias pessoas a criticarem os gradeamentos que lá foram colocados e a ausência de interactividade possível entre os cidadãos e aquelas ruínas. Mas não restam dúvidas de que este local nos fala do passado da urbe funchalense.

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