Antonio Dias nasceu na Venezuela e ali construiu o sonho de ter uma família e trabalho. Com 47 anos de idade e três filhos, era empresário e músico. O sonho foi morrendo e a Venezuela passou a ser sinónimo de crime, fome e falta de perspetiva. Fechou tudo e veio para a Madeira pedir ajuda à família e aos madeirenses. Não tem emprego e mora numa casa emprestada. Mas talvez tenha a certeza de que pode sair de casa e voltar sem ser baleado.
O FN encontrou este imigrante nos corredores da Escola Secundária de Jaime Moniz. A filha mais velha de três filhos, com 17 anos de idade, estuda nesta instituição e tem dotes musicais para o canto (vide entrevista a publicar com a jovem). Além de contar com uma bela voz, tem a sorte de o pai ser igualmente músico e tocar guitarra, acompanhando-a nas atividades extracurriculares da Escola.
Discreto e amante da música, Antóno Dias quase passaria despercebido, não fora o sotaque e o olhar doce e triste. Uns dedos mais de conversa e o FN descobre uma histórica verídica, com muita mágoa por detrás, porque envolve sonhos desfeitos, regressos e recomeços. Curiosamente, a magia da música quase apaga esta vida atribulada.
A nosso pedido, concede-nos a entrevista. Tem uma licenciatura em administração e tinha uma vida organizada na Venezuela como administrador, empresário e músico. Três filhos. Há poucos meses, disse adeus à América Latina e optou pela terra da família para viver, por uma questão de segurança e qualidade de vida a garantir aos filhos. Neste momento, Venezuela não se recomenda. Os que por lá continuam, arriscam a sorte e a própria vida. Mas não há que ter ilusões: o el dourado de muitos madeirenses é cada vez menos recomendável .
FN – O que o levou a trocar a Venezuela pela Madeira?
AD – A Venezuela atravessa presentemente uma crise humanitária. Não temos segurança física nem financeira. Há falta de bens alimentares essenciais e a nossa saúde vai ficando cada vez mais debilitada. Tão drástico como se ouve. Tu sais da tua casa, mas não sabes se voltarás. Neste contexto de medo e falta de qualidade de vida, não quis fazer de conta e decidi, em nome de um futuro melhor para os meus filhos, abandonar tudo e vir para a Madeira. Fechámos tudo e saímos, pura e simplesmente.
FN – Em que condições está a residir na Madeira?
AD -Os meus filhos e eu temos a nacionalidade portuguesa e a minha mulher é residente. Agora não temos emprego e moramos numa casa emprestada. Tínhamos tudo isso na Venezuela mas não vivíamos em paz.
FN – Como se tem processado o vosso acolhimento nesta Região?
AD – tenho a vantagem de a minha família morar aqui, na Madeira, eles têm ajudado até onde podem e agradeço-lhes e a Deus por tudo isso.
FN – O que mais o preocupa neste momento?
AD – Embora pareça um ótimo lugar para educar e criar meus filhos, eu não tenho o emprego. Eu não sei se este é o meu destino final ou se será um trampolim para chegar a outro lado, ou seja, não sei se eu vou ficar na Madeira. Gostaria de ficar desde que encontrasse, pelo menos, um trabalho possível. Tenho fé em Deus.
FN – O que pede, com mais urgência, aos madeirenses?
AD – Não peço nada, eu acho que existem pessoas muito mais necessitadas do que eu, até mesmo as pessoas que nasceram e vivem aqui. Tudo o que posso pedir é a oportunidade de conseguir trabalho para garantir um futuro para os meus filhos.
FN – Tenciona regressar à Venezuela?
AD – Por enquanto, eu não vou fazer isso. Claro, eu sempre tenho a esperança de voltar para a terra onde nasci e cresci , mas agora tudo está muito mal lá e não é convidativo para nada.
FN – Acompanha a sua filha no canto. Qual a sua relação com a música e como vê esta paixão da Natasha?
AD – Sou músico e compositor. Estudei e toco baixo desde que eu tinha 15 anos. Na Venezuela, eu acompanhei artistas, tinha tocado com a minha banda(“40 plus Rock Pop”) e produzi um disco. Oxalá que Deus me permitisse viver da música. Quem sabe? Estou muito orgulhoso da minha filha que tem uma paixão também pela música. Eu vou pretendo acompanhá-la e aconselhá-la nesta área, no sentido de ela seguir o seu sonho.
FN – Acha que as entidades oficiais apoiam os emigrantes que regressam à Madeira?
AD – Sim, a Segurança Social tem um programa de ajuda ao português (nascido ou não em Portugal) que não tenha a possibilidade de sustentar-se. Além disso, há outras instituições muito importantes e com um papel notável, como a Caritas, AMI, entre outras, que ajudam quem precisa.
FN – Qual é a sua mensagem final?
AD – Apesar de ter nascido e vivido toda a minha vida na Venezuela, sinto a Madeira como a minha casa. Chame-se sangue , afinidade ou não sei quê, não me sinto num lugar estranho. Sim, se Deus permitir ficarei aqui para fazer uma nova vida (penso que nunca é tarde) e ver crescer a os meus filhos, em segurança. Para aqueles que estão chegando à Madeira, como eu, só peço que deem a oportunidade a esta linda ilha e que nos seja também dada a possibilidade de vivermos em paz.