“Perdemos um banco que resolvia problemas às empresas e aos madeirenses”

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Foto do Facebook pessoal

Funchal Notícias – Pediu para ser ouvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif na Assembleia da República. O que é que pretende transmitir às entidades que estão a investigar este caso?

Miguel de Sousa – Pretendo dar a minha opinião relativamente à forma como este tema está sendo tratado. Toda a gente quer investigar o Banif, e eu não tenho nada a opor, até pelo contrário. Acho que devia haver uma investigação rigorosa do Banif, mas feita por uma entidade externa, uma entidade credível do ponto de vista técnico. Eu não vejo deputados a investigar a gestão de um banco, as operações bancárias, a forma como elas foram desenvolvidas. Como também não veria deputados a fazerem a avaliação da gestão de um hospital, a saberem se as operações são bem ou mal feitas, se por custos superiores ou custos inferiores… Têm de ser técnicos especializados, peritos independentes, a fazer uma avaliação rigorosa da gestão do Banif nos últimos anos. E isso, a maioria de esquerda recusou. Acho mal. Por isso vamos ficar com uma discussão leve, política, de maledicência, de tentar ganhar a opinião pública através dumas tiradas mais ou menos jeitosas, quando o que interessava era avaliar se o Banif teve um problema interno. Se não teve um problema interno, há uma decisão exclusivamente política, e não se pode fechar um banco, vender uma parte de um banco, apenas por decisão política. Há que haver uma avaliação técnica. Ora, a mim parece-me que isto de fechar um banco e vender um banco num domingo à noite, sem que até agora tenha sido mencionado um único prejuízo, uma imparidade, um acto de gestão danosa, um crime, ou qualquer outra matéria prejudicial à vida do banco… ainda não foi identificado, nem mencionado, qualquer aspecto que nos fizesse perceber da justeza da liquidação do Banif. Enquanto assim for, há que reagir, falar, protestar e exigir que quem tomou essas deliberações também sejam investigados no modo como tomaram decisões tão importantes e tão danosas para muita gente, que reuniu poupanças de uma vida junto a um banco do Estado. É preciso perceber que quando o aumento de capital se fez, em 2013, o banco era 99,2% do Estado. A Caixa Geral de Depósitos é só mais 0,8%. Insignificante. O banco era do Estado. A administração do Estado propôs a empresas, empresários, aforradores, emigrantes, depositantes das suas poupanças de uma vida de trabalho… e enganou as pessoas. Porque mesmo em 2015, o Banif emitiu, com a aprovação do Banco de Portugal, e da CMVM, obrigações subordinadas, que ainda em 2015, num acto do Governo da República, o primeiro-ministro tão pomposamente apresentou na televisão… Essas pessoas perderam tudo. Tudo aquilo que tinha sido feito num banco maioritariamente do Estado. Quase tudo do Estado. E com administração que estava lá à responsabilidade do Estado. Por isso, isto é tudo muito grave, e se não for resolvido internamente, tem de ser resolvido nas instituições europeias, porque já se percebeu que há aqui decisões que estão mal explicadas, e devem sê-lo.

FN – Em entrevista recente ao FN, o dr. José Prada criticou o Banco de Portugal e os poderes políticos e de supervisão. Também acha que houve responsabilidade do Banco de Portugal nesta situação?

MS – Não sei. Como lhe estou a dizer, não se consegue perceber agora se houve situações graves dentro do Banif, ou se houve apenas uma decisão política grave. Eu não conheço nada de grave feito por ninguém. Se for ouvir a declaração do primeiro-ministro quando resolveu vender uma parte do banco ao Santander, e liquidar tudo o demais, se forem ouvir essa declaração, aquilo é conversa! E conversa da carochinha! Não tem um único acto condenável ali descrito! Mas mesmo assim, o senhor primeiro-ministro resolveu liquidar o banco. Ora, não tendo sido dito naquele dia, ficou-se à espera que, nos dias seguintes, aparecessem as situações concretas que tinham levado a esta decisão. Ora o facto é que não apareceu nenhuma situação, pelo menos que eu conheça, nenhuma situação concreta que tenha justificado aquela decisão. Por isso, há que investigar.

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Miguel Sousa com Miguel Albuquerque e Pires de Lima (arquivo FN)

FN – O senhor foi presidente da Assembleia Geral do Banif. Nunca teve conhecimento de qualquer mau acto de gestão que justificasse uma situação destas?

MS – O presidente da Assembleia Geral sabe tanto como os outros accionistas. Apenas lhe cabe dirigir a Assembleia que reúne todos os accionistas. Não sabe mais que os outros. De qualquer forma, não tenho, porque se eu tivesse conhecimento de algum acto de gestão danosa, algum crime, alguma situação grave, tinha participado a quem de direito. O que é facto é que eu não soube, mas o que parece é que ninguém sabe. Porque até agora, não apareceu ninguém, a não ser o primeiro-ministro anterior, a dizer que até ao dia que ele deixou o cargo, o Banif deu lucro… Ora, isso parece indicar que as coisas são bem diferentes do que aquelas que tentaram pintar, no dia em que o primeiro-ministro, à noite, resolveu dar conhecimento público daquela decisão extraordinariamente gravosa, para quem confiou no Estado, para quem se associou ao Estado, não para especular, porque num banco do Estado não se especula… ninguém está à espera de ter valores especulativos num banco em que a maioria é do Estado. Quem quer fazer especulação, não entra na Caixa Geral de Depósitos, e não entraria no Banif, em que 99% era do Estado. Há muito mais instituições onde ir procurar ter lucros grandes, fáceis e especulativos. Por isso mesmo, as pessoas foram de boa fé, e foram “assaltadas” pelo Estado, na medida em que este pediu confiança às pessoas de se lhe associarem para salvarem o Banif. E os madeirenses, e açorianos, muitos dos quais emigrantes, residentes na Madeira outros tantos, empresas e empresários associaram-se como medida de solidariedade para com o Estado na salvação do Banif.

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Foto do Facebook pessoal

FN – O senhor diz que o dr. Pedro Passos Coelho disse que o Banif dava lucro até ao dia em que saiu, mas a esquerda, nomeadamente através de Catarina Martins, do Bloco, contestou essas declarações dizendo que o Banif tinha milhares de milhões de euros públicos injectados, mas o PSD e o CDS acharam que não era preciso nenhum administrador público…

MS – Eu acho que essa Catarina Martins tem muita piada, é capaz de ficar bem com muita gente, mas eu não lhe reconheço qualquer capacidade técnica para falar de banca, nem de situações financeiras a este nível. A senhora não tem, de forma nenhuma, credibilidade para falar nessas coisas. Faz política, diz umas coisas, tem piada noutras, mas não tem qualquer acerto que se lhe reconheça, para discutir estas matérias.

FN – De que forma é que acha que esta situação vai agora prejudicar a economia madeirense? Acredita que poderá prejudicá-la ainda mais na actual conjuntura de crise?

MS – Vai prejudicar bastante, porque perdemos um banco próximo, um banco que resolvia problemas às empresas e aos madeirenses de forma imediata, muito rápida, sobre a hora, pelo conhecimento pessoal das pessoas, pelo conhecimento das empresas, e portanto era fácil ajudar a economia da Madeira com essa proximidade que havia. Não conheço proximidade em mais qualquer banco… Têm aí umas agenciazinhas na Madeira, têm umas pessoas à frente delas, muitos dos quais madeirenses, mas até muitos nem são de cá, têm pouco conhecimento da nossa realidade, dos empresários, das empresas e das pessoas, muito menos dos emigrantes que estão distantes, e isto não se substitui. Por isso será uma perda quanto à agilidade financeira de apoio bancário que as empresas, os empresários e os depositantes madeirenses precisam e tinham. E agora vão deixar de ter.

FN – Pelos contactos que temos feito e pelas pessoas que têm entrado em contacto connosco, passa a ideia de que muitos obrigacionistas não sabiam de facto o risco associado às obrigações subordinadas. Estranhamos isto, o desconhecimento de que se trata de um produto que em caso de crise bancária poria efectivamente as suas poupanças em risco. Acha que isto são apenas alegações de quem se viu afectado e está desesperado, ou acha que pode ter havido de facto uma pressão do banco no sentido de fazer as pessoas adquirirem esse tipo de obrigações, mas sem lhes prestarem os esclarecimentos convenientes?

MS – Quero acreditar na última parte… que pessoas de bom juízo, sem que lhes tenham garantido segurança, num banco que tinha acabado de ser injectado pelo Estado em 1100 milhões de euros, não fariam aplicações que acabaram por fazer, e que os levaram à ruína e à perda total desses investimentos de solidariedade. Conheço muitas histórias. Não posso garantir que todas sejam verdade, mas muitas delas quero crer que correspondem exactamente a terem sido solicitados por intervenientes nas operações, em confiarem nelas. Ora, penso que as pessoas têm sempre responsabilidade, mas é preciso perceber que estavam a juntar-se ao Estado, que estavam a confiar no Estado, e como tal tiveram uma maior ligeireza de avaliação da situação. Passa pela cabeça de alguém que a Caixa Geral de Depósitos vai fechar? Então poderia passar pela cabeça de alguém que o Banif, depois de o Estado ficar com 99,2%, iria fechar? Todas as situações eram admissíveis, esperadas, menos essa! Ninguém quereria acreditar. Houve confiança no Estado, e um Governo que acabou de entrar, uns dias depois, para se livrar de um problema – porque já se percebeu que este governo não quer problemas – tomou uma deliberação perfeitamente anormal na falta de justificação que existe. Ninguém conhece a verdadeira justificação, e isso tem de ser explicado às pessoas.

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FN – Foi constituída também uma Comissão de Inquérito ao Banif na Assembleia Legislativa da Madeira. O que espera desta Comissão?

MS – Espero que faça um trabalho rápido e eficiente… mas da mesma maneira que eu deixei no ar a minha impressão relativamente à Comissão da Assembleia da República, deixo também aqui… que há uma certa dificuldade de acreditar que haja capacidade técnica bancária para poderem fazer o inquérito que desejam. Penso que o Partido Socialista, que anda muito nervoso com esta situação, e porque tem responsabilidades na decisão, porque a mesma foi tomada pelo primeiro-ministro do PS, como forma de fazer afastar esta responsabilidade, quer fazer um inquérito por forma a apagá-la e a fazer chicana política, trazer a conversa para o nível baixo com que sempre sabe discutir os temas, mesmo quando são de uma elevada importância, como este.