Teresa Gonçalves Lobo: novo atelier na Madeira

Fotos: Rui Marote

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É uma artista madeirense que já construiu para si um percurso de afirmação em Portugal continental e no exterior. Teresa Gonçalves Lobo tem trabalhado em Lisboa, mas alugou recentemente um espaço para instalar um seu atelier no Funchal e pretende, agora, passar mais tempo na ilha e aqui desenvolver alguns dos seus trabalhos. O Funchal Notícias visitou o espaço e ficou a conhecer as intenções desta criadora para os próximos tempos – e que passam pela realização, ainda este ano, de uma exposição na Galeria das Salgadeiras, na capital portuguesa.

Nascida na Madeira, em 1968, Teresa Lobo cursou desenho, pintura e gravura no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa. Ali realizou também um curso de técnicas fotográficas no Centro de Formação de Jornalistas (Cenjor). Trabalha também na área das artes decorativas – já criou uma peça de design, uma peça de mobiliário – mais precisamente uma cadeira, que foi executada – e tem várias outras peças desenhadas, à espera de uma oportunidade para as construir. Apesar de várias incursões na área da pintura, é talvez no desenho que mais se notabilizou, talvez porque a sua forma de pintar se inscreve numa fronteira na qual se fundem, precisamente, estas duas formas de expressão plástica, e assim algumas das suas pinturas podem ser chamadas desenhos… A definição e enquadramento dos seus trabalhos em cânones artísticos é, de resto, um desafio no qual nem a própria se sente à vontade.

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Já o ano passado esta artista manteve um atelier no Funchal, mas o novo espaço, situado no segundo andar de um prédio na esquina da Avenida Zarco com a Rua da Carreira, é um espaço verdadeiramente privilegiado, com vista para as copas das árvores.

“Esta é a minha terra. Eu já vivo em Lisboa há quinze anos, e gosto, mas a Madeira faz-se muita falta… E o meu equilíbrio está entre estar cá e estar no continente”, confessa. “Sinto falta deste mar, destas montanhas”. Conseguir vir à Região e ter aqui um espaço de criação artística “é importantíssimo”. Alugou-o por impulso, certo dia ao passar no centro do Funchal e ao ver a tabuleta anunciando o aluguer.

Mesmo antes de ter atelier cá, já desenhou bastante na ilha. Fá-lo por todos os lugares que percorre. “Costumo dizer que o meu atelier é onde estou. Posso estar a desenhar junto à praia, nas montanhas… onde me sinto bem, onde tenho uma paz que me permite desenhar”. Admite que o novo atelier, no qual já criou trabalhos pictóricos e onde podemos encontrar outra das suas óbvias paixões – a leitura, expressa na presença de obra de Walt Whitman, Gil Vicente, Shakespeare, Ingmar Bergman, Rabelais, Luís de Camões e outros nomes grandes da literatura, do cinema e das artes – a vai “puxar um pouco para cá”, obrigá-la a trabalhar na ilha.

“É claro que ter este novo espaço será um motivo para vir cá mais vezes, e mostrar o meu trabalho cá”, admite. “A minha intenção é essa”.

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Teresa Gonçalves Lobo não saiu da Madeira em busca de afirmação artística – era guia intérprete e só enveredou pelas artes mais tarde – mas o facto de ter saído proporcionou-lhe a oportunidade de afirmação em outros circuitos da arte nacional e internacional. “Agarrei-me a uma coisa cá dentro, da qual se calhar não me tinha até então dado conta”, confessa. Realizou entretanto várias exposições em Portugal e no estrangeiro. Na Madeira, expôs em locais como a galeria do Centro das Artes Casa das Mudas, ou o Museu de Arte Contemporânea. A nível nacional, apresentou trabalhos no Museu de Artes Decorativas Portuguesas/Fundação Ricardo Espírito Santo, no Museu da Água, em Coimbra, no Centro Cultural de Cascais, no Clube dos Jornalistas, em Lisboa, e também no Centro de Congressos do Porto Santo. No estrangeiro, expôs já na Áustria, na Landesgalerie Linz, na Vino Vitis Galerie Linz e em Madrid, no Salón Internacional del Grabado y Editiones de Arte Contemporáneo. Mais recentemente, expôs também na Rússia, e na Bélgica.

Enquanto trabalha no exterior do espaço insular, sente no entanto, e sempre, “a Madeira muito presente em mim”.

Os desenhos de Teresa Gonçalves Lobo são, num certo sentido, marcadamente experimentalistas, num exercício do desenho que é, de certo modo, gestualista, intuitivo, por vezes abstracto,, por vezes menos, mas sempre muito trabalhado, oscilando entre registos diferentes, por vezes quase caligráficos, por vezes como que traçando sinuosas vias no terreno quase virgem do suporte utilizado, seja ele papel, tela ou outro material usado nas gravuras.

“Desenho o que me vai na alma… Não penso antes de desenhar. Nunca sei o que vou fazer. Só sei que materiais tenho à frente, que energia tenho para ir buscar uma folha de papel de arroz muito fininha e desenhar em tinta da china, ou uma folha com uma gramagem mais forte e usar pastéis, ou se me ‘atiro’ para uma chapa de metal e faço gravura”, conta-nos. “Nunca sei se vou entrar num registo caligráfico, se vou entrar nas linhas… Nunca é a tentativa de nada, nem de representar, nem de não representar. Por vezes tenho desenhos que vão muito para o figurativo, mas mesmo quando isso acontece, é sem esse intuito”. Pretende tão só deixar a criatividade fluir.

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A presença de alguns elementos de ligação a formas botânicas, ou a uma essência que radica de certo modo nas plantas, é admitida pela nossa interlocutora. Há como que uma dicotomia entre os seus trabalhos mais monocromáticos, e outros nos quais parece surgir uma explosão mais exuberante de cor, por entre um registo habitualmente mais contido.

“O preto estará sempre presente, é uma cor de que gosto imenso. Mas tenho também vários desenhos em vermelho. Inclusive, só vermelho. Não tenho apresentado tantos desses, mas tenho-os feito. Ou em azuis, em verdes, em amarelos… são cores que as pessoas muitas vezes não associam ao meu trabalho. Mas tenho obras nessas tonalidades. O que me leva a pegar nas cores? Sei lá. Isto é tão pouco pensado… Sinto necessidade de ir buscá-las. Quanto à influência das plantas, tenho de facto visto, ao longo destes anos em que tenho trabalhado, que de facto há muito de vegetal, há muito de planta nos meus desenhos… muito de raízes. Isso está presente. Às vezes estou a olhar para as plantas, as urzes, os tis, e vejo nelas os meus desenhos”, revela. “E chego a emocionar-me imenso, parece que já desenhei aquela árvore sem a ter visto, já entrei naquela casca, naquelas raízes”.

O interesse pelo design, refere, surgiu por acaso. Teresa desenhou duas cadeiras, uma denominada ‘i chair’ e outra ‘i chair longue’, sendo uma uma cadeira, e outra uma ‘chaise longue’. Mostrou, aqui, como uma letra do alfabeto, a letra ‘i’, pode concretizar-se como uma escultura ou pela de mobília. Para as mesmas, realizadas em vinhático do Brasil, teve a colaboração do mestre entalhador José Durão. Foram desenhadas em 2013, numa mostra no Museu de Artes Decorativas, realizada conjuntamente com a Fundação Ricardo Espírito Santo. Estas obras acabaram por ser expostas no âmbito de uma mostra no Grand Palais, em Paris.

Já a gravura que gosta de praticar, principalmente a ponta seca, mantém uma ligação muito próxima com o desenho, embora já tenha feito recurso a ácidos. “Mas gosto mais de fazer a gravura como faço o desenho, riscando o metal”. Não gosta muito de deixar o ácido realizar os efeitos por si. Nesta medida, pode-se dizer que Teresa Gonçalves Lobo gosta de controlar bastante o processo.

Gostaria ainda de expor fotografia, mas, conforme diz, “não consigo fazer tudo ao mesmo tempo”.

Tem feito muito mais desenho, gravura e pintura, sendo que esta última não tem aparecido muito. Quer ainda expor fotografia, mas quando o fizer, quer estar absolutamente certa. “Fotografo muito, mas é preciso tempo para olhar para as coisas, e não expor só por expor… Eu, quando expuser fotografia, quero que esteja ao nível que o desenho está. Quero ter a certeza de que dei um passo seguro, não um que não deveria ter dado”, realça.

Próximas exposições: na Galeria das Salgadeiras, que a representa desde 2014, realizará uma individual em Novembro deste ano – a data de inauguração está prevista para o dia 19 daquele mês. Provavelmente, ali só apresentará trabalhos novos. Actualmente participa numa mostra que congrega múltiplos artistas portugueses (211, no total) no Museu de Arte Contemporânea de Málaga, em colaboração com a Fundação Benetton.

Para a Madeira, não tem ainda neste momento exposições previstas. Com o novo atelier cá, resta ao público ficar a aguardar pelo resultado do labor da artista na sua terra natal.

“Acho que também é preciso criar no público a vontade de que nos queira ver – e não maçá-lo”, ri-se Teresa Gonçalves Lobo.