Há mais desempregados a recorrer a ajuda médica

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Há um número crescente de pessoas a recorrerem a apoio médico devido às sequelas causadas pelos despedimentos. A constatação é do psiquiatra Luís Filipe Fernandes, que estabelece uma necessária correlação entre a perda do trabalho e o aumento de problemas de saúde.

As principais reacções espelham-se em sintomas de ansiedade, perturbação…

“As perturbações do sono são extremamente frequentes nessas situações. Trata-se de não conseguir adormecer, de ter o sono, de alguma forma, sobressaltado… Os desempregados têm tendência para se isolarem das outras pessoas ou do meio que as rodeia”, testemunha este médico. “Eventualmente, nas pessoas que já têm predisposição para a depressão, ou que já tiveram anteriormente episódios depressivos graves, o desemprego pode ser um factor desencadeador de novo episódio depressivo”. As situações de irritabilidade, a reflectirem uma certa instabilidade de comportamento, também têm sido notadas por Luís Filipe Fernandes como frequentes.

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A profunda depressão e revolta em que certas pessoas acabam por cair pode levar a graves problemas, o pior dos quais é o de se chegar a atentar contra a própria vida.

Nos últimos tempos, é visível que parece haver um aumento de suicídios na Região, que o vulgo tende a associar às consequências da crise económico-financeira. Luís Filipe Fernandes, porém, diz que “é complicado falar disto nestes moldes”.

“Há cerca de dois anos atrás, ou no ano passado, verificou-se realmente um ‘aumento’ da incidência do suícidio na Madeira, mas muito ligado àquele fenómeno que se passou naquela altura, o das drogas que então eram legais e hoje já não o são. Aí notou-se um aumento da incidência do suicídio, mas, em rigor, não se podia chamar-lhe suicídio, porque era uma resposta a uma actividade delirante e psicótica resultante desse consumo, não reflectindo a intenção de morrer. Na altura presente, eu não tenho sentido, na minha actividade de clínica diária, uma incidência maior das tentativas de sentido relacionadas com esta temática do desemprego”. Agora, problemas de desajustamento, de algum modo ligados a essa situação, “isso concerteza que tem havido”, confirma.

Os desempregados, diz, sofrem de um sentimento de grande desvalorização.

“E também se auto-culpabilizam de estar nessa situação. Questionam-se se não deveriam ter feito esta aposta, e não aquela, ter tido este comportamento, e não o outro… Nestas pessoas em que as pessoas se sentem mais em baixo, é como se se visse, de certo modo, o mundo através de uns óculos escuros… A percepção das coisas à sua volta reflecte-se, eventualmente, numa tendência para a pessoa se culpabilizar a ela própria”, diz Luís Filipe Fernandes.

As pessoas recorrem, por causa do desemprego, talvez não tanto directamente ao psiquiatra, embora os preconceitos que existiam em relação a doenças do foro psíquico, refere, já se estejam a esbater; mas recorrem muito, por causa de problemas causados pelo desemprego, ao médico de família, que depois, dependendo da natureza da situação em causa, os encaminha para um psiquiatra.

“Há uma procura maior do apoio de ordem psicológica”, sublinha-nos.

Estas circunstâncias de conflitualidade social já existem há bastante tempo, admite, mas alerta para o facto de ainda não existir distanciamento temporal suficiente para que se possa avaliar correctamente do impacto da crise económico-financeira, das falências e dos desempregos na saúde mental do madeirenses.

Mas sempre vai admitindo que esse impacto é inegável, e que as pessoas podem sofrer duplamente por serem incorrectamente avaliadas por quem considera que as doenças como a depressão são “baboseiras”.

“São doenças que são tão incapacitantes como as físicas, mas não se vêem. E as pessoas que nunca passaram por situações similares, de ataques de pânico, de ansiedade ou depressão, tendem a desvalorizá-las. Ainda há um bocado aquela ideia de que é uma baboseirada, que a pessoa só não faz as coisas porque não quer”.

O curioso é que há mais esse preconceito em relação a estas doenças, do que em recorrer a um psiquiatra, algo considerado muito mais normal nos dias de hoje, mesmo numa sociedade pequena como a nossa.

A comunicação social, realça, tem tido um importante papel ao explicar às pessoas que não é vergonha nenhuma sentir-se deprimido e precisar de ajuda.

A sociedade, assim, acaba por começar a perceber que existem outras doenças que podem ser tão incapacitantes como problemas físicos, como partir um pé… Há problemas psicológicos, de facto, que podem ser muito piores do que uma fractura, e incapacitarem alguém ainda mais.

desemprego

Luís Filipe Fernandes aconselha as pessoas que estão a passar por situações difíceis de desemprego a não desistirem das suas capacidades; antes pelo contrário, a acreditarem nelas. E não se devem isolar, porque isso as conduz a perspectivas de auto-culpabilização. “Devem estar em contacto com as pessoas de quem gostam e com quem se sentem bem… E não devem deixar de procurar trabalho, e esperar… acreditemos todos… que isto um dia vai melhorar!”