José Agostinho Baptista, poeta polémico a contragosto

José Agostinho Baptista: agastado com acusações que lhe foram dirigidas em comentários online
José Agostinho Baptista: agastado com acusações que lhe foram dirigidas em comentários online

OPINIÃO

José Agostinho Baptista atraiu recentemente as atenções do público, certamente não pelas razões mais desejáveis. O poeta viu-se, certamente contra a sua vontade, envolvido numa polémica com comentadores não identificados dos artigos do DN-Madeira, por causa de declarações suas divulgadas pela agência Lusa a 22 de Fevereiro, e reproduzidas naquele matutino. Nas mesmas, admitia ter sofrido um “choque tremendo” aquando do seu regresso definitivo à Região, após 19 anos de ausência, devido às transformações causadas pelas obras públicas do jardinismo.

Porém, não querendo ser “injusto”, reconhecia que o presidente do Governo Regional, “à sua maneira”, tinha feito “muito pela Madeira”.
Admitia que, entre outras obras, os túneis que hoje atravessam toda a ilha acabaram por ser necessários, excepto alguns casos de exagero, e considerava que seria desejável uma avaliação fria, passado algum tempo, sobre as quase quatro décadas de governação de Jardim, que pesasse, “sem sectarismos”, os prós e os contras.

O conhecido autor de poesia reconhecia, por outro lado, que a “obra” de Alberto João Jardim “tem alguns aspetos negativos, que a sua governação, às vezes, foi excessiva em termos de comportamentos, em termos da relação com os outros”, mas afirmou “compreender que, de facto, para a Madeira evoluir, ter as condições que não tinha quando eu era criança, quer no Funchal, quer no Faial, algumas coisas tinham que ser sacrificadas”.

Esta entrevista concedida à Lusa (não se percebe bem a que título) caiu muito mal junto de certos sectores da opinião pública e suscitou dezenas de comentários no DN-Funchal, muitos dos quais de autores anónimos, que se fizeram identificar apenas por pseudónimo. As acusações de se ter tornado “poeta do regime” ou de estar afastado da dura realidade financeira que os madeirenses actualmente têm que enfrentar, fruto da má governação, foram apenas algumas das muitas críticas e observações negativas. Mais uma vez, sublinhamos, na sua maior parte de autores não identificados.

O resultado da avalanche de criticismo foi que José Agostinho Baptista, por sua vez, não gostou das acusações de que foi alvo e respondeu à letra, com uma carta enviada ao DN-Madeira, na qual acusava de “perfídia” aqueles que “cobardemente, sob a capa do anonimato ou de um pseudónimo qualquer (alguns grotescos, outros ordinários) utilizam as plataformas digitais e as redes sociais para insidiosamente ofender, insultar e achincalhar o próximo, sem olhar a meios, sem pudor, sem ética, sem dignidade”.

Lembrava as críticas que fez numa entrevista concedida ao DN-Madeira em 2005, quando comparou a paisagem urbanizada do Caniço, terra de seu pai, a um “filme de terror”. Afirmava não ter filiação partidária e não fazer política mas ter hoje a mesma coragem que então teve ao criticar, para, dez anos depois, reconhecer que o progresso das sociedades actuais é “uma fatalidade dos tempos” que é preciso aceitar. E finalizava apelando para que as “hienas” que “atropelam e puxam o autoclismo da sua perfídia, lançando sobre os outros a maldade que é apenas sua”, se mantenham bem longe dele.

Este imbróglio, que observei penalizado, suscita-me algumas reflexões, que procurarei transmitir de forma equilibrada. Não me é fácil fazê-lo, na medida em que sou amigo de José Agostinho Baptista; na medida em que sou o jornalista que o entrevistou, em 2005, para o DN-Madeira sobre o seu regresso, e que transmitiu as suas declarações sobre o Caniço, as quais suscitaram alguma polémica na altura; e na medida em que também a mim me desagradaram as suas palavras sobre a “obra” de Jardim – que, a par da mesma, nos legou a nós, aos nossos filhos e se calhar também aos nossos netos, uma dívida monstruosa.

Comecemos pelo princípio: José Agostinho Baptista é um poeta maior da língua portuguesa. Isso é incontestável. Tive a honra de ser por ele convidado a apresentar, com Marcelino de Castro, a sua obra mais recente, ‘Assim na terra como no céu’. Há anos que cultivamos uma relação de amizade, o que não nos impede de interpretar as mais diversas situações, inclusive da vida pública, de maneira diversa. Só pela estatura intelectual que já testemunhou ao longo de muitos anos, José Agostinho Baptista devia ter merecido mais respeito, acho eu.

Por outro lado, estamos supostamente numa sociedade onde existe liberdade de expressão. O visado nesta polémica é livre de se expressar como entender, e quando entender, e de criticar e elogiar seja quem for. A sua perspectiva é tão válida quanto a de qualquer outro, e talvez mais um pouco ainda. É certamente mais digna de respeito do que as opiniões expressas sob a capa de um ‘nickname’, uma forma confortável de emitir opinião, sem revelar quem somos, sem termos de acarretar com quaisquer dissabores, desagrados, mal-estares ou responsabilidades decorrentes das palavras que escrevemos.

As opiniões das pessoas que se respeitam não são coincidentes, mas estão, por outro lado, susceptíveis a crítica. Ninguém dela se pode eximir. Falar é um risco, escrever outro tanto, e só não se expõe a críticas quem nada faz.
Infelizmente, tal como José Agostinho Baptista acabou por aceitar as grandes obras realizadas durante os governos de Jardim como uma fatalidade que não foi cem por cento negativa (e é honestidade intelectual assumi-lo), também lhe faltou a preparação para aceitar uma outra fatalidade a que todos, inclusive os jornalistas, estão hoje em dia sujeitos: o ‘feedback’ potencialmente negativo expresso nos comentários online que os jornais abrem à participação do público (admitindo-lhe o anonimato) ou nas redes sociais, e que frequentemente transmitem um mau gosto gritante, para não falar de distorções verdadeiramente aberrantes do que afinal foi dito.

Escrevendo actualmente para uma plataforma de jornalismo online, estou duplamente ciente desta nova realidade, e indubitavelmente preocupado com a mesma. É uma fronteira difusa, aquela onde as pessoas hoje em dia se posicionam, entendendo ter direito a exercer o tão controverso ‘jornalismo do cidadão’ sem terem de cumprir nenhuma das regras deontológicas que norteiam a profissão; é o direito que entendem ter a ser tão comentadores e ‘opinion-makers’ como aqueles que o fazem profissionalmente; é, enfim, a catadupa de espaços opinativos que não estão regulados por quaisquer balizas, nem sequer de ordem moral.

Os comentários nos jornais, e os da Madeira não são dos piores – há verdadeiras ofensas e insultos expressos no vernáculo mais grotesco nos sites de certos jornais nacionais – podem servir para medir certas tendências sociológicas ou funcionar como barómetro de tendências opinativas da população num determinado sentido, mas, na realidade, o seu valor facial é quase nulo. São tão representativos do pulsar opinativo do povo como uma conversa de café, e igualmente inconsequentes. Ter opinião e expressá-la é um exercício muito mais complexo e exigente do que escrever ‘soundbites’ sob anonimato.

Nessa medida, estou solidário com José Agostinho Baptista. Ele, pelo menos, opinou e assumiu. Ontem de uma maneira, hoje doutra. Devidamente identificado e arriscando-se a desagradar, ontem a uns, hoje a outros. Há apologistas da intervenção dos intelectuais na sociedade. Tal como há detractores, que acham que os mesmos devem evitar envolver-se nos assuntos da ‘polis’ e devem permanecer numa espécie de limbo das ideias.
Seja como for, é garantido que alguém ficará sempre insatisfeito.

Sendo obrigado a aceitar que hoje em dia ninguém está imune a insinuações ou críticas de leitores ‘virtuais’ que não se identificam, resta-nos enfatizar que as únicas opiniões verdadeiramente válidas são aquelas que são assinadas por baixo. E ponto final parágrafo. Mantenhamos alguma referência ética, no exercício dos nossos direitos. Por favor. Quanto mais não seja, em nome da coerência, da decência e do bom gosto.