Jolie Funchal

Assim, sim. Assim, não.

As vezes que eu vi este anúncio na RTP Madeira. Quase tantas como vi o videoclip do Final Countdown. No anúncio sucediam-se casas muito coloridas que eram logo condenadas pela moralizadora voz off. Depois aparecia, salvadora da Pátria, a casinha toda ela alva. Assim, sim.

Sensibilização institucional para a padronização e bom gosto. Eu, neurótica até ao tutano, gosto de padronização. E amo casas brancas.

Mas e a liberdade, onde fica? Sou fã incondicional e acérrima da liberdade.

Em que ficamos?

À medida que fui crescendo, em tamanho e consciência, deparei-me com este dilema vezes sem conta.

Pensei nele naquelas vezes que passeava pela ilha e via, no meio de um enquadramento natural perfeito, uma casa com três lanços de escadas exteriores e três tipos de azulejos. Todos diferentes e cada um mais berrante que o outro.

Não era bom poder proibir estas aberrações?

Pensei nele quando me dificultaram as alterações na minha casa. Que afinal é minha.

Quem são eles para me dificultar as alterações?

Não posso ter dois pesos e duas medidas, pensei de mim para mim. E o dilema resolveu-se, pendendo para a liberdade. Dentro das necessárias e inevitáveis restrições à propriedade privada. Mas fora essas, sou pela liberdade. Mesmo que não goste dos resultados.

Nunca mais tinha pensado nisso. Até a semana passada.

Azáfama na casa do vizinho. Gente, materiais e um elevador monta-cargas. Uma operação em grande.

Já com decorações de Natal, pensei eu.

Não. Algumas horas depois, abro a porta da rua e vejo que, na fachada da casa, o vizinho havia montado uma estrutura de seis metros de altura. De quê?

Da torre Eiffel.

Sim, leram bem.

Uma estrutura de seis metros aparafusada à casa, com o desenho da Torre Eiffel.  Ao menos não é tridimensional, valha-nos isso. Por outro lado, como bónus, descobri que, à noite, não só se ilumina, como mudam as cores . Se tivermos sorte, ainda pisca.

E agora? Assim, sim ou assim, não?

Assim, sim. Apologista da liberdade, apesar de me arrepiar até à alma, não esmoreço.

Prática e oportunista, até vou mais longe.

Chamei as minhas filhas para verem. Informei-as prontamente  que já não precisávamos de ir até Paris, porque a Cidade Luz tinha vindo até nós. E ignorei os protestos que não era a mesma coisa, que não tinha os jardins nem o carrosel, cujas fotos já viram até à exaustão.

Mais, aproveitando que estamos Covirretidos, vou tirar partido da situação. Fazer limonada com os limões. Pardon, limonade. Instalar umas mesas e cadeiras de ferro forjado no quintal, uma musiquinha de acordeão de fundo, com serviço de baguettes e croissants. Tudo com vista para a torre Eiffel. Por uma módica quantia, claro.

Se, mesmo assim, nada disto funcionar, vai sempre facilitar-me a vida. Pode-me explicar onde mora exatamente, claro, não há que enganar. Sabe a torre Eiffel? Mesmo à frente.

E se algum dia quiser vender a casa? Uma propriedade no 7.º arrondissement? Dinheiro em caixa.

É assim a liberdade.

Se o meu caro vizinho me estiver a ler, que será pouco provável, espero que seja tão apologista da liberdade como eu. Também da de expressão. Mesmo que não goste dos resultados.