Educação – século XXI a contar

Nos idos tempos em que me formei como professora recordo, em especial, os dois últimos anos de um curso de seis, aqueles que me preparariam mais especificamente para a profissão, como sendo particularmente dolorosos. Então, como agora, lembro-me de repetir a ideia de que, em Portugal, a Educação deveria fechar para obras. Entretanto, passaram mais de trinta anos. Não vou, infelizmente, socorrer-me de estatísticas pois sei o quanto podem contribuir para distorcer realidades, manipular consciências e realidades e iludir, desse modo, o que possa, realmente, descrever os contextos.

A OCDE tem trabalhado no sentido da proposta fundamentada de mudança, como aliás descreve, hoje, um artigo de opinião do Público cuja leitura recomendo. Decorre, em múltiplas fases, desde 2015, até 2019 (visando o horizonte de 2030), um trabalho em profundidade, coordenado por uma equipa transnacional e, por conseguinte, plural, que integra, aliás, o actual Secretário de Estado de Educação, de Portugal. Deste, como de outros estudos, da responsabilidade da OCDE e de muitas outras instituições transnacionais, têm resultado ideias válidas, propostas sensatas e adequadas ao tempo que vivemos. Deste, como de outros, têm resultado linhas orientadoras fundamentadas e credíveis no sentido de proporcionar consistência à (re)definição de políticas públicas nacionais que devem, essas sim, adequar-se a cada país nas suas múltiplas especificidades. Não sou, neste como em outros domínios, apologista de “plágios” ou “cópias de modelos” que, por mais atractivos que pareçam, encontram sempre um destinatário diverso e/ou impreparado para os receber. Assim, torna-se mais sensato, estudar e conhecer então para definir e legislar, adequando.

Portugal, apesar de todo esse manancial de referências fundamentadas e cientificamente credíveis mantém um sistema educativo absolutamente esclerosado, do pré-escolar ao superior, industrial no modelo, logo inadaptado aos contextos e desígnios dos tempos e das sociedades actuais. Não tem havido, por parte de nenhum governo (qualquer que tenha sido o partido responsável pela condução das políticas de Educação), vontade e/ou determinação para – verdadeiramente – mudar, ou seja, re-fundar o sistema todo, de uma ponta a outra, pois só assim seria susceptível de coesão e de coerências internas. A par dos governos, fomos sendo “metralhados” por sindicatos ainda mais esclerosados, cujo paradigma se encontra no chocalheiro da Fenprof, parceiro privilegiado dos mesmos. Não se escutou, desta organização sindical dita maioritária, uma só palavra sobre sistema educativo e respectiva qualidade, requalificação do quadro docente no sentido, não só de uma actualização de conhecimentos específicos, como e sobretudo de uma melhor e maior adaptação às modernas exigências que as novas competências requerem. Os sindicatos têm operado num quadro de autosobrevivência, de chincana político-partidária, alheios à dignificação do papel da Educação na preparação das gerações futuras, contribuindo, por antítese, à “funcionalização” da profissão docente, ao apoucamento da sua relevância, o que tem servido, aliás, para a perda de qualidade de vida e de profissão dos docentes, parceiros maiores dessa dimensão de progresso das nações. Com parceiros destes, podem muito bem os governos, que cedem, desse modo, a outro tipo de atractivos empobrecendo o mérito dos seus cidadãos. Inútil será repetir que a cidadãos informados e qualificados não correspondem os tais votos em caciques. Falta, ainda e de forma realmente atenta, escutar os jovens que são os destinatários das políticas de educação. Mas ouvi-los na sua genuinidade, sem manipulações “jotistas”prévias. Falta uma integração , com autenticidade, dos encarregados de Educação no sistema educativo. Não no sentido em que são convidados para ouvir os elogios ou raspanetes relativos às notas, ou ainda para uma conferência que ficará registada no relatório do professor. Falta uma verdadeira política de co-responsabilização dos envolvidos na educação das crianças e dos jovens.

Tenho, reiteradamente, referido o exemplo da Finlândia, sistema que, a par do Português, conheço melhor, não no sentido de reprodução de qualquer modelo (que rejeito) como antes referi, mas no sentido do estudo das bases que o sustentam. Aliás, refira-se, tendo registado uma ténue descida nos índices internacionais, o país decidiu reformular completamente o seu sistema educativo com vista a uma (ainda) melhor adequação às exigências que se colocarão aos jovens que, em 2030, estarão em pleno mercado de trabalho. Essa coragem – fundada não só nos resultados indiciais, mas nas mudanças profundas que tem registado o país, na diversificação da população, do ponto de vista de proveniências nacionais, por exemplo – contou com os jovens, os professores, como não poderia deixar de ser, sindicatos e autarquias (uma especificidade do sistema) e resultou num novo projecto educativo para o país, em especial para as suas gerações mais novas.

Proponho essa coragem para Portugal.

É comum dizer-se que temos, hoje, em Portugal, a geração mais preparada de sempre. Discordo e assumo. O que temos, hoje, é a geração mais diplomada de sempre, o que é significativamente diferente. Ainda recentemente, a questão foi a dos Politécnicos terem capacidade de atribuir graus de Doutoramento. Por outro lado, não é questão debater o sistema de industrialização do conhecimento que subjaz, ainda, ao Ensino Superior, em Portugal, que competências se associam às áreas cientificas específicas, que preparação devem ter os docentes desse nível de Ensino, actualmente, e de que modo podem, a determinados cursos, ser associadas uma série de matérias, essenciais à formação integral do indivíduo, mas que estão, não a leste, mas a norte, dado o número cada vez maior de excelentes alunos que ruma às Universidades do Reino Unido.

Proponho essa coragem para Portugal.

Não receio o risco de afirmar que Portugal corre um risco bem maior que o meu: o de, a breve trecho, representar um destino turístico onde os estrangeiros se sentem cómodos com a “simpatia” dos “nativos”, país barato em todos os sentidos.

O investimento em Educação é a mais elevada prova de um sistema político saudável e com missão de serviço público. Creio ter-me feito compreender. Recordo, com tristeza, o péssimo exemplo dos EUA onde o ausência de investimento na Educação, em especial da actual administração, tem tido os resultados assustadores a que, diariamente, assistimos.

Pugnar pela qualidade de educação e de formação dos cidadãos, torná-los capazes de enfrentar o mundo com os instrumentos mais adequados, valorizar esses mesmos cidadãos, é muito mais do que cumprir mandatos: é a certeza mesma do exercício da Democracia e, com isto, terei dito/escrito rigorosamente tudo o que me vai na alma.