Taxas a pagar para usufruir da Natureza madeirense geram contestação e até queixas na Provedoria de Justiça

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O anúncio recente, por parte do Governo Regional da Madeira, das taxas actuais a pagar pela população para usufruir da natureza da sua própria terra está a gerar contestação. Apoiando-se na necessidade de “promover a conservação da natureza, o ordenamento e a gestão sustentável da bio e geodiversidade, da paisagem e da floresta, bem como dos recursos a ela associados e ainda a gestão das áreas protegidas”, a Portaria nº 30/2017, das Secretarias Regionais das Finanças e da Administração Pública e do Ambiente e Recursos Naturais estabelece vários emolumentos a pagar pelos madeirenses, para a realização de múltiplas actividades. Exemplo disso é o que se exige, e abaixo é citado:

“-Atividades lúdico-desportivas e de natureza, sem fim comercial (2€ p/ utilização e pessoa)

-Atividades lúdico-desportivas e de natureza, com fim comercial (5€ p/ utilização e pessoa)

-Canyoning, escalada, BTT e circulação de veículos com motor (prática individual) (1€)

-Canyoning, orientação, escalada, BTT, atletismo, circulação de veículos com motor (prática organizada nos termos do n.o 2 do art.o 4 do citado diploma) (5€)”

Além disso, a Portaria estabelece imensas outras exigências de custos, como 2 euros por dia por pessoa, para acampar em espaço florestal, 10 euros por dia para prender um iate a uma bóia de amarração nas Selvagens, 5 euros para pernoitar em tenda própria em áreas protegidas, 100 euros para tirar fotografias com fins comerciais em áreas protegidas, 5 euros por pessoa para mergulhar rumo à corveta Pereira d’Eça, afundada ainda não há muito tempo no Porto Santo, para criação de um recife artificial… Estes são só alguns entre vários exemplos.

curral das freiras natureza cerejeiras montanha

 

 

O Funchal Notícias sabe que estas exigências estão a ser fortemente contestadas e a desagradar profundamente a vários sectores da população, entre os quais se contam os empresários que promovem este tipo de actividades, mas não só; também aqueles que as praticam de forma inteiramente diletante, como passatempo. E, para além destes, os cidadãos que nem estão a pensar em praticá-las regularmente, mas que acham absurdo terem de pagar para usufruir de supostos serviços que nem existem. Existe, isso sim, a possibilidade de um cidadão ser incomodado pela Polícia Florestal se se deslocar à serra para acampar ou praticar desporto, mesmo que respeite todas as regras do bom senso e do comportamento cívico e não produza lixo ou, produzindo-o, o leve de volta.

O FN tem acompanhado a discussão pública sobre este tema e a mesma tem-se exprimido, inclusive, através das redes sociais. É verdade que já anteriormente havia determinadas exigências de pagamento para actividades em montanha, mas as mesmas sempre foram vistas com maus olhos. As novas tabelas do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza vieram gerar ainda mais descontentamento.

Conforme soubemos, inclusive já terão havido queixas à Provedoria de Justiça, neste sentido. O autor de uma queixa, que se identificou ao Funchal Notícias mas que não deseja aparecer publicamente, não está sequer relacionado com o sector das actividades desportivo-turísticas em natureza. É simplesmente um cidadão discordante. E entende que, se a missão é proteger o meio ambiente e promover no mesmo uma actividade sustentada e bem sucedida, será necessário agir sob dois eixos principais de actividade, a saber, sensibilizar os visitantes de uma ilha predominantemente turística, através de acções que procurem desincentivar as más práticas aquando as visitas turísticas a zonas protegidas / naturais, e promover a consciencialização e participação da sociedade, dos cidadãos, numa perspectiva destes serem parte integrante de toda a prevenção da natureza e gestão da bio e biodiversidade.

Foto: Polícia Marítima- Selvagens
Foto: Polícia Marítima- Selvagens

Este cidadão entende que a Portaria restringe e desincentiva práticas fulcrais nos dias de hoje, onde importa referir que 30% da sociedade portuguesa é obesa (http://sicnoticias.sapo.pt/pai s/2017-02-10-Cerca-de-30-da- populacao-portuguesa-e-obesa ) sendo que o sedentarismo e a depressão são patologias atribuídas cada vez mais aos jovens. Tendo em conta estes factos, coloca em causa a actual regulamentação.

 

Analisando a tabela dos emolumentos devidos, e a Portaria corresponde, argumenta, “verifica-se que, numa região que tem 2 habitantes a cada 10 mil turistas (267,785 habitantes e com 1,2 milhões de visitantes [http://rr.sapo.pt/noticia/535 90/] implicando assim 267785/1,2e^6 =2,2 ), é inaceitável que os Madeirenses tenham que pagar para usufruir do meio e da região onde habitam, sem prejuízo de que haja uma relação de causalidade entre o impacto que os cidadãos e habitantes madeirenses têm nas serras quando comparado com o efeito que 1 milhão e duzentas mil pessoas têm no nosso património biológico e geológico, a cada ano”.

canyoning

“Como factor agravante a esta situação, veremos naturalmente, como consequência da entrada em vigor desta portaria, um agravamento nas situações dos dirigentes desportivos / lúdicos / recreativos, facilitando, por sua vez e incentivando, a operação turística, sem que esta seja regulada sob um vector colinear àquela que é a auto-intitulada “missão” desta secretaria. Assim, depreende-se através do artigo 3º : “Isenções e reduções” que não existem quaisquer deliberações quanto a estes casos omissos”, refere ainda o autor da queixa, que garante que o apelo para que esta situação seja analisada prende-se numa genuína intenção de que, por um lado, continuem e sejam sempre incentivadas as actividades de lazer e desporto, sejam nas estradas, sejam em ambientes naturais, e que, promovam, em última instância, estilos de vida saudáveis, combatam os consumos e dependências estimuladas fortemente pelo sedentarismo e falta de prática de desporto e que fomentem fortemente a ligação da sociedade à natureza, ecologia e preservação ambiental; e por outro lado, estimulem e incentivem uma actividade privada, comercial mas sobretudo associativa que preze pela preservação da natureza, estilos de vida saudáveis e que procure despertar, junto daqueles que visitam a Região autónoma da Madeira, um sentido de preservação e continuidade, de forma a que o turismo possa ser maximizado e optimizado, sem o prejuízo de que haja um impacto futuro desagradável e indesejado em todos os espaços e reservas que constituem aquele que é o internacionalmente reconhecido património do nosso arquipélago”.

O autor da queixa, apresentada por email à Provedoria de Justiça para as delegações da Madeira e dos Açores, e também em Lisboa, diz que apenas quer, que “a título de um eventual direito de resposta, fossem pedidos esclarecimentos às secretarias afectas, dado que, será do interesse de todos, perceber, com rigor, transparência e abertura, quais serão aquelas as condicionantes que regem estas situações, de forma a que o impacte e a contribuição a este associada, seja minimamente equitativa entre aqueles que vivem na Madeira, e aqueles que visitam a Madeira”.

Imagens da 'Orca' transportando Marcelo Rebelo de Sousa a terra, nas Desertas
Imagens da ‘Orca’ transportando Marcelo Rebelo de Sousa a terra, nas Desertas

A confirmar-se, esta queixa, exercida por um cidadão individual, vem de facto ao encontro da muita contestação que nos tem chegado, por parte dos madeirenses, a estas medidas do Governo Regional, sustentadas na argumentação de que “o IFCN, IP-RAM presta serviços e disponibiliza informação a inúmeras entidades públicas e privadas nacionais e estrangeiras,
que se traduzem num acréscimo de custos do seu funcionamento, sem que por vezes haja contrapartidas financeiras pela utilização dos serviços prestados”.

A questão que muitos madeirenses se colocam é que serviços, em concreto, lhes são efectivamente disponibilizados e exigem pagamento, para além da natureza que está ali, supostamente para que todos os locais tenham o direito de dela usufruir, sem pagamento.

Montado do Pereiro Acampamento

Outras medidas, inclusive, podem ser polémicas e eventualmente atentatórias da liberdade de imprensa, como esta: “O IFCN,IP-RAM reserva-se o direito de não autorizar
a cedência de imagem e a captação fotográfica, bem como a realização de filmagem, sempre
que considere que o seu fim não respeita a identidade dos referidos locais, não potencie a promoção do seu acervo e respectivos serviços, por razões de segurança e ou conservação”.