A Escola pública e os colégios privados

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Ilustração de Beatriz Torres.

Num cartaz da JSD, talvez fruto dos profundos conhecimentos adquiridos nas Universidades de Verão, surgia um cartaz com uma fotografia de Mário Nogueira transformado em Stalin, bem como o atual ministro da educação reduzido ao papel de marioneta.

O presidente da JSD, mentor e apreciador desta obra de pintura rupestre, a propósito da primitiva iniciativa, declarou que “o cartaz é muito bom porque é para convencer o país de que falta um debate sério sobre o modelo educativo”. Ora, que melhor que uma iniciativa primária e cabotina como esta para abrir “um debate sério”???

Mas, como se ainda não chegasse, quis ir ainda mais longe, chegando mesmo ao extraordinário feito de usar argumentos contra a sua própria tese.

Então não é que o jovem presidente deixou bem claro ao atual governo (que apelida de proto-comunista) que “os fundos públicos não são um saco sem fundo”.

Ora, se como tão inequivocamente diz, “os fundos públicos não são um saco sem fundo”, com que distinta lata justifica que 79 colégios, que  já são privilegiados, tenham de ser subsidiados pelos fundos do Estado, quando não existe carência pública nas regiões onde estes colégios prestam serviços?

Desta mesma linha de pensamento partilha chorosamente o deputado João de Almeida, que durante quatro anos e meio se esteve nas tintas para o desemprego acima de todos os níveis, aplaudindo de pé o empobrecimento alegrete e regenerador, mas agora vem dizer-se gritantemente preocupado com o  “Apocalipse Now” do desespero de meia dúzia de donos de colégios privados, o que, aliás, se lhe nota na barba ultimamente mais grisalha. Do desgosto, já se sabe! São assim as pessoas sensíveis e irmãs do seu irmão! E não digo isto sem comoção…

Aliás, sobre os donos dos colégios privados privilegiados deixamos já aqui o nosso voto de compreensão clínica porque deve ser extremamente difícil meter na cabeça de alguns privilegiados que privilégios não são direitos, sobretudo para quem defende, e não são raros, que direitos é que são privilégios.

Sobre os alunos convém que se saiba que os que estão nas ditas escolas assim continuam, se estiverem a meio do ciclo, sendo que o que não se pode permitir é abrir novas turmas onde já existe oferta pública. Certo? Chama-se racionalidade na gestão de recursos. Já o Cardeal-Patriarca também merece aqui uma menção, se bem que não propriamente honrosa, já que nos últimos quatro anos e meio pautou a sua “ação” por um silêncio ensurdecedor, com o esturro da cumplicidade, em face dos sacrifícios e do sofrimento de muitos portugueses empurrados para o desemprego, convidados à emigração, despejados das suas casas e atacados no mais fundo da sua dignidade, para além de enxovalhados os mais velhos como “peste grisalha”, e insultados como “piegas” os mais sacrificados.

É imperioso perguntar porque não esteve a Igreja Católica tão preocupada na altura, e tão sensibilizado o Cardeal-Patriarca, como se diz agora. Quem sabe se não estaremos perante opções a fazer lembrar outros tempos de cerejeiras ou de cerejas sem caroço?

O Papa Francisco, a esta hora, não terá muitos motivos de orgulho, sobretudo sabendo do  ruidoso silêncio perante a dor, e da histérica gritaria diante da adoração  e/ou manutenção de “bezerros de ouro”.

Recorde-se, para que fique muito claro, que os contratos de associação têm como pressuposto absoluto a carência. Logo, onde não há carência, não há pressuposto para celebrar estes contratos. Quando em junho de 2015, o anterior governo abriu um procedimento para celebrar 79 novos contratos, abriu o respetivo aviso por freguesias. E quando o fez, e quando tentou visar estes contratos no Tribunal de Contas, o mesmo Tribunal perguntou como é que se compaginava a suposta concorrência com a abertura por freguesias? Naturalmente, só os colégios localizados naquelas freguesias é que podiam concorrer…

Para concluir, excomungando as campanhas de desinformação que proliferam nos últimos tempos, e as hipócritas tentativas de manipulação da opinião pública, nada como citar os esclarecimentos que o Ministério da Educação anterior deu ao Tribunal de Contas. Clarinho como a mais cristalina água de nascente: “É pois em concretização desta fundamental regra base da Lei 9/79 que o Estado, nos primeiros contratos de associação celebrados no âmbito deste novo estatuto, procedeu à delimitação das áreas geográficas de implantação da oferta através do critério das áreas carenciadas de rede pública. (…) A liberdade de escolha ou opção das famílias entre o ensino público e o privado não se faz através de contratos de associação. Não nos esqueçamos, com efeito, que, como estabelece o n.º 2 do artigo 16º dos Estatuto, os contratos de associação são celebrados com vista à criação de oferta de ensino, o que só se pode compreender na lógica da atenuação das lacunas e carência da rede pública”. Esta é a lógica que presidiu, e que continua a presidir, aos contratos de associação. E, por isso, qualquer assunção de compromissos plurianual, que obrigue o Estado a abrir contratos quando não há carência, é ilegal.»

Disse-o, no quadro do anterior governo, Alexandra Leitão, Secretária de Estado Adjunta e da Educação.

Seriam palavras de uma perigosa “proto-comunista”?

Hoje, com toda a certeza, sofrerá da mesma amnésia que as senhorias ouvidas nas comissões de inquérito do Parlamento, esquecendo, de todo em todo, que “os fundos públicos não são um saco sem fundo”.