Cumbre Vieja em erupção é espectáculo científico mas gera temores infundados de “tsunami”

A erupção de um vulcão é sempre um acontecimento magnífico de ser visto e de grande interesse científico, e naturalmente de temor nas populações e eventualmente causador de danos materiais e humanos, se não se verificarem os cuidados necessários. As cinzas e os gases expelidos pelo vulcão também podem, naturalmente, afectar a circulação de aeronaves.
O caso do Cumbre Vieja, na ilha de La Palma, Canárias, suscitou o “fantasma” de um tsunami que poderia afectar o arquipélago da Madeira e não só com ondas de “dezenas de metros”. Mas essa possibilidade não passa disso mesmo, de uma possibilidade no pior dos piores dos cenários possíveis, implicando um grande deslizamento do flanco Oeste do vulcão. De modo algum é uma probabilidade. No entanto, as redes sociais, facilitando a comunicação entre as pessoas, também amplificam os medos atávicos, a ideia de acontecimentos apocalípticos sempre iminentes, e fazem circular ideias cientificamente erradas ou sob muitos prismas, improváveis.
Escrevendo recentemente sobre a possibilidade de um tal evento, Luis González de Vallejo, director da Área de Riscos Geológicos do INVOLCÁN (Instituto Vulcanológico de Canárias) e professor catedrático honorífico da Universidade Complutense de Madrid (UCM), rejeitou novamente tal eventualidade.
“A recente reactivação vulcânica em La Palma voltou a suscitar o tema sobre a estabilidade do flanco oeste da ilha, e, em particular, do edifício vulcânico do Cumbre Vieja, questão recorrente desde há décadas, criando preocupação na sociedade. Desde há vinte anos, quando alguns investigadores afirmaram a possibilidade de que se podia produzir um grande derrubamento do flanco oeste do Cumbre Vieja, e como consequência deste a geração de um megatsunami, transmitiu-se o temor perante tal evento catastrófico”, diz.
E acrescenta: “Apesar de esta hipótese ter sido rebatida e descartada posteriormente por numerosos investigadores, surpreendentemente, alguns meios de comunicação continuam a falar deste catastrófico evento (…)”, lamenta. O mesmo implicaria a existência de uma debilidade geológica de grande extensão, continuidade e profundidade, diz o professor, e a presença de uma fractura quase vertical, com direcção no eixo norte-sul, com dezenas de quilómetros de extensão e vários quilómetros de profundidade, que limitaria pelo lado Este o suposto deslizamento do Cumbre Vieja.
Acontecer que não se pôde constatar nem a continuidade nem a profundidade de uma tal fractura, pelo que as condições nas quais se baseia a teoria do deslizamento não passam de um simples hipótese. Tanto quanto se sabe hoje em dia sobre as propriedades da capa basal formada por materiais produzidos por anteriores deslizamentos, a geometria actual da ilha, a estrutura geológica, as inclinações, etc., o Cumbre Vieja manter-se-á estável inclusive perante episódios eruptivos futuros e sismicidade associada.
Para que acontecesse algo mais grave, teria de dar-se simultaneamente um terramoto de magnitude excepcionalmente alta e uma erupção vulcânica explosiva de grande magnitude, ou que o edifício vulcânico actual alcançasse no seu crescimento mais mil metros sobre a máxima elevação actual, o que implicaria a passagem de um período de tempo de uns estimados quarenta mil anos, considerou já este catedrático espanhol.
Neste momento, os danos materiais são já uma realidade, dado que existem inclusive quintas nas proximidades do vulcão, pois a terra daquelas zonas é frequentemente fértil e aproveitada ao máximo. A evacuação de milhares de pessoas (entre cinco e dez mil) está em marcha e o chefe do governo espanhol, Pedro Sanchez, está na ilha de La Palma para acompanhar as operações da Protecção Civil.
Entretanto, o vulcão continua a debitar lava e cinzas nas redondezas. Desde 1971 que não havia uma erupção. O presidente das Canárias, Angel Victor Torres, informou à TV espanhola (TVE) que até agora não se verificaram ferimentos em pessoas, mas Pedro Sanchez está consciente dos transtornos que a erupção pode provocar, inclusive incêndios. A lava desce lentamente as vertentes e leva tudo à sua frente. A possibilidade de chegarem cinzas e gases à Madeira existe, mas não é apontada neste momento como provável.