O rapazinho polícia sinaleiro

Rui Marote
À medida que envelhecemos, passamos mais tempo a lembrar o passado. É apenas natural. Nos anos Sessenta do séc. XX, era eu ainda muito jovem e ao regressar do colégio passava alguns minutos “paralisado” na ponte do Bazar do Povo, a contemplar um rapazinho em cima de um palanque, no meio da ponte, fardado de polícia, a comandar o trânsito.
O Funchal de Noticias descobriu agora esse “rapaz” de 69 anos no calçadão da Sá Carneiro com a mão estendida à caridade.
Chama-se Carlos Alberto Martins e a 11 de Setembro faz setenta anos de idade.
Tinha apenas dez anos, e já nas imediações do velho estádio dos Barreiros, aos domingos, ordenava o movimentado trânsito naquela artéria, dos que  se dirigiam para assistir aos jogos de futebol. Quem passava, dava-lhe gorjetas.
Certo dia foi abordado por um homem fardado de militar, que do interior da sua viatura chamou o jovem que a troco de umas moedas, orientava o trânsito.
Cheio de medo, começou a chorar, não fosse ir preso…
Era o comandante da Polícia na altura, o muito falado comandante Rumbert.
“Não chores!!!”, disse ele. “Amanhã vai ao comando…”, ordenou-lhe.
Na Rua João de Deus, no comando da Polícia, o Carlinhos foi bem recebido.
A ordem foi para um alfaiate tirar as medidas e fazer uma farda de Polícia para o rapazinho…
E assim foi. Passou a andar com o uniforme de Polícia, comandando o trânsito no Bazar do Povo e aos domingos nos Barreiros.
Viveu no albergue da casa dos rapazes na Rua Nova de São Pedro, onde aprendeu a ler e a escrever e até fez exame.
Durante oito anos, andou sempre fardado, até o comandante Rumbert deixar o comando.
Ao longo da vida abraçou outras profissões, no cais da cidade do Funchal, onde ajudava os turistas no desembarque. Foi ainda cicerone, encaminhando os turistas para as casas de bordados.
Trabalhou também como “paquete” de elevadores no hotel Monte Rosa.
Em 1972 cumpriu serviço militar em São Martinho .
Este é um homem que desde criança teve de estender a mão à necessidade, até aos dias de hoje, para amealhar umas moedinhas. Houve alturas em que teve mais sorte, outras menos.
Viúvo, tem um casal de filhos e vive do rendimento mínimo. Hoje continua a estender a mão para uma moedinha para ajudar os magros proventos. Mas o seu único vício, afirma, é o cigarro.