Manias de grandeza…

Há um provérbio que diz: «presunção e água benta, cada qual toma a que quer.» Admite-se assim não haver limites para a presunção nem para a devoção. Mas, tanto num caso como no outro, o excesso roça o ridículo.

Relativamente à piedade, um célebre prelado maçom, que foi também político – Chefe do Partido Reformista, deputado e ministro do Reino –, D. António Alves Martins (1808-1882, bispo de Viseu, afirmou um dia que «a religião se quer como o sal na comida: nem de mais, nem de menos.»

Já a vaidade desmedida e a arrogância poderão enquadrar-se na síndrome da presunção, doença do foro psiquiátrico, na qual o narcisismo e a psicopatia são elementos fundamentais. Patologia que gera autoglorificação exacerbada e indiferença à realidade, em especial nos políticos.

No quotidiano, sempre nos deparamos com demonstrações atrevidas de vaidade ou presunção. Abundam exemplos.

Alguém reuniu, por gosto, na sua casa uma quantidade de velharias e logo vem dizer que possui um museu ou reclama a criação do seu museu, pedindo apoios públicos.

Quando se procedeu à iluminação do Estádio dos Barreiros, a propaganda divulgou que se tratava do melhor sistema de luz artificial da Europa, para campos de futebol.

O Complexo Balnear do Lido e o Tecnopólo também foram dados como sem par aos níveis nacional e internacional.

Disputou-se a dimensão dos túneis – o maior do país. Recentemente, até os números da Covid 19 servem para comparações insensatas, como se não fosse uma pandemia.

Proclamou-se, há anos, o povo superior. Resquício de nacionalismos totalitários, tornou-se piada de mau gosto.

Esta ideia de que, neste «cantinho do céu», somos os maiores e os melhores constitui, sem que tal se reconheça, um obstáculo ao progresso, em todos os níveis.

Vem tudo isto a propósito (ou a despropósito) do anunciado Museu do Barroco em São Jorge.

A reabilitação da Igreja de São Jorge, o restauro do seu acervo artístico e a musealização de um espaço, para exposição das obras mais significativas, constituem iniciativa de grande valor na salvaguarda do Património Cultural da Região e promoção daquela freguesia nortenha.

No entanto, denominar esse espaço como Museu do Barroco é presunção de ingénuos ou desconhecedores da matéria. Nem vou discutir o conceito de museu, a aplicar aos anexos da Igreja de São Jorge. Um museu, para além de peças singulares, exige instalações adequadas, recursos humanos habilitados e serviços técnicos para tratamento apropriado do acervo e desempenho constante das três principais funções museológicas: investigar, preservar e comunicar.

Mas importa reflectir cientificamente sobre o Barroco. A elaboração do programa museológico deveria ter em conta, em primeiro lugar, o conceito de Barroco. Para de seguida, interrogar-se: perante o acervo em causa, poderemos criar um autêntico Museu do Barroco em São Jorge? Entre as leituras básicas, aconselho a obra de um mestre deste período da História: La Cultura del Barroco, de José Antonio Maravall.

Como raramente se começa uma obra desta natureza pelo princípio, no caso, um programa museológico, criteriosamente delineado, e o entusiasmo amador prevalecente não é bom conselheiro, correm o risco de o produto não corresponder ao rótulo pomposo.

Vão, porém, ainda a tempo de, com a cegueira da presunção e o bairrismo, não mancharem um projecto cultural louvável, corrigindo a denominação. Independentemente do reconhecido valor artístico da Matriz e do seu acervo, o Museu do Barroco em São Jorge só existirá na mente dos que não conhecem a dimensão cultural do Barroco.