O meu testemunho sobre a comunicação social na RAM

Ninguém pode mudar a história, seja feita de coisas boas ou más. Este texto não é uma confissão, mas um testemunho para que possa ajudar a esclarecer, no futuro, aqueles que queiram narrar factos políticos.
Aos 17 anos de idade, eu colaborava na página desportiva do Jornal da Madeira, nas modalidades de natação e hóquei patins. O jornal era então dirigido pelo cónego Agostinho Gomes, e tinha como chefe de redacção o cónego Maurílio de Gouveia. Na secção desportiva, mandava o o padre Paquete de Oliveira. Recordo que a entrada do velho edifício do jornal era na Rua do Seminário, onde estavam também instalados os escuteiros, agrupamento 148, e o JOC ( Juventude Operária
Católica). Entregávamos os nossos apontamentos em linguados (papel) escritos à mão, muitas vezes  nas mesas de um snack-bar, “Norte”, da Rua Fernão de Ornelas. Foi a minha primeira escola do jornalismo, em que os redactores mais velhos reviam e emendavam os nossos erros gramaticais.
Já em África, continuei a colaborar. Em 1973 enviei quatro reportagens de Cabora Bassa, estando nomeado para o denominado Prémio do Ultramar, que não se concretizou devido ao 25 de Abril.
Em meados de 1975, fui admitido no Jornal da Madeira (novo edifício) a tempo parcial, no turno da noite, incumbido do recebimento dos anúncios das agências funerárias e como responsável pela central telefónica. O administrador e director era já Alberto João Jardim.
Durante o dia, captava imagens quotidianas com uma máquina fotográfica emprestada, colaborando na página de Ernesto Rodrigues “Ronda pela Cidade”.
Os jornais madeirenses não tinham então nos seus quadros fotojornalistas; esses serviços eram prestados por casas fotográficas como o Carlos Fotógrafo (JM) e Perestrelos (DN). Meses mais tarde, fui convidado por Alberto João para os quadros do JM a tempo inteiro. Assim surgiu o primeiro repórter fotográfico na história do jornalismo madeirense. A maioria tinha o jornalismo como um segundo trabalho, e as Redacções só começavam a laborar a partir das 17 horas. O JM era uma excepção. Ernesto Rodrigues e José António Gonçalves faziam da profissão o seu ganha-pão. Era um período difícil, com a Revolução de Abril e os ataques sistemáticos às instalações do Jornal.
Não havia subsídios governamentais à imprensa. Recordo que não sabíamos ao final de cada mês, qual o dia e a semana em que receberíamos o salário.
Dependíamos da venda da banana da quinta de São Jorge da Diocese, e dos trabalhos comerciais gráficos executados nas oficinas.
Eram meses muito conturbados com as primeiras eleições à porta. Os movimentos de esquerda ganham terreno na Madeira, a FEC-ML na vanguarda. O CDS surge, na “clandestinidade” com a ida de Cabral Fernandes ao continente a convite de Adelino Amaro da Costa para fundar o partido na Madeira. Ser do CDS  equivalia  logo a ser rotulado de fascista. Havia reuniões secretas no gabinete do Eng. Klut de Andrade, no 2º andar do edifício da loja Blue Bird, ao lado da Secretaria do Turismo,  com Baltazar Gonçalves e Engº Humberto de Ornelas. Eu e o meu saudoso colega de jornal José António Gonçalves fomos convidados para uma reunião e saímos como militantes…
Ao chegarmos às instalações do JM, manifestámos que eramos os primeiros militantes centristas. A nova anunciada caiu como uma bomba. Alberto João Jardim não aceitava, muito indignado. “Estava a contar convosco para o PPD e vocês aderem ao fascismo”, criticou.
Dois anos mais tarde fomos convidados por Vaz Camacho, comandante dos bombeiros voluntários, para integrar a nova direcção de bombeiros, encabeçada pelo prof, Virgílio Pereira. Os estatutos não permitiam a nossa participação, em virtude de não sermos sócios. Vaz Camacho sugeriu que pagássemos um ano de quota atrasada e o assunto estava resolvido.
No dia das eleições e tomada de posse, aguardámos pacientemente a nossa chamada para o lugar de vogais. A cerimónia finalizou, porém, sem tomarmos posse. Dirigimo-nos a Virgílio Pereira para saber o que se passava .Resposta: – “Foram retirados da lista por não serem do PPD!!!”
As campanhas eleitorais eram feitas no anonimato, e na Madeira nenhuma tipografia se arriscava a reproduzir material de propaganda para o CDS.
Da Alemanha chega entretanto à Madeira a primeira impressora offset doada pela Fundação Konrad Adenauer, que funcionou na cave da agência de viagens Madeira Express (hoje edifício da Loja do Cidadão). Produziam-se ali os panfletos e uns confetti com a sigla, que eram lançados clandestinamente de um edifício da baixa  junto ao Apolo, inundando as ruas e passeios.
Lembro-me das primeiras eleições no Largo do Phelps: na árvore que ali existe, no dia da votação, surgiu um boneco com a camisola do CDS pendurado (enforcado), aos olhos dos que ali passavam para cumprir o voto…
Era então uma liberdade amordaçada. O Diário de Notícias estava conectado com os partidos de esquerda radicais, em especial os tipógrafos. À frente da Blandy, um homem só, Adam Blandy, que se sentia impotente perante a força dos trabalhadores.
O Jornal da Madeira, da Igreja, começou a ter uma implantação nunca vista na história do mesmo. O número de assinantes quintuplicou, os anúncios do comércio começaram a ter preferência nas edições, para combater a esquerda. Acontece que o JM não estava preparado para esse crescimento, nem tinha pessoal administrativo. Conclusão: era tudo de “borla” porque o Jornal era incapaz de efetuar cobranças. O Diário vivia um período de descalabro, sem dinheiro para pagar aos trabalhadores e sem papel para imprimir. O papel do Diário era de boa qualidade, importado da Finlândia, enquanto o do JM era da fábrica do Porto Novo.
Apesar destes contratempos, o JM chegou a emprestar bobines de papel ao Diário evitando a não publicação. As rotativas eram diferentes e as bobines iam ao Porto Novo para serem serradas e se retirar uns centímetros. Adam Blandy chegou ponderar vender o DN por 800 contos ao CDS. Nunca tal se concretizou, no entanto: Motivo: os trabalhadores de esquerda eram um obstáculo.
Tanto no DN e JM, o corpo redatorial era na sua maioria constituído por trabalhadores que tinha o seu primeiro emprego como bancários, funcionários do Estado e outras entidades. Tanto de um lado como do outro, só viviam da profissão duas ou três pessoas.
O Jornal da Madeira acumulava uma dívida à Segurança Social que só foi perdoada quando Alberto João Jardim chegou ao Governo. Anos depois, voltaram a contrair nova dívida à Segurança Social. E o governo lá voltou a perdoar…
Muito se falou e foi arma de arremesso do Diário aos governos de AJJ, os apoios ao JM e às administrações que por lá passaram. Mas hoje nada é diferente. É como as “moscas”, que mudam. Tanto o Diário como o JM recebem apoios anuais do programa governamental MEDIARAM, 320 mil euros, a juntar às publicidades das secretarias e dos departamentos governativos e eventos. A verba deve estar “ela por ela” para uns e outros.
Miguel Albuquerque tinha no seu programa acabar com os apoios ao Jornal da Madeira. O governo era sócio maioritário da EJM. A igreja só detinha 3 por cento do capital, mas tinha o direito de nomear o director. Encarregou de acabar com o excesso de apoios um “cangalheiro”, Sérgio Marques, que desmantelou e plagiou Jornal da Madeira para “JM”. Ao empresário Avelino Farinha coube-lhe a “rifa”: não queria comprar o JM mas sim a Rádio Jornal da Madeira e ofereceu 300 mil euros pela rádio. Sérgio Marques disse que não vendia a rádio separada. Era tudo ou nada. A venda acabou por ser feita pelos dois produtos por 10 mil euros…
Por hoje já nos alongamos demais nesta novela da imprensa na RAM… Prometemos em breve voltar com outros episódios…