Um corpúsculo de energia

Não quero falar do inimigo que me tolhe. Não quero reprimir  a vontade, macular os mais íntimos sentimentos com que sempre defrontei a vida; a coragem, a determinação e a esperança; a propensão para a alegria, o movimento e a liberdade, tudo quanto nos foi permitido auferir, nós, humanos, criaturas-mistério, oriundas de uma primitiva nebulosa a quem chamamos Deus, Natureza, Universo, referências que sempre declinamos quando reconhecemos a impossibilidade de dominar o indomável, impedir as catástrofes, de explicar o desconhecido. A fragilidade é uma marca nem sempre presente no quotidiano dos nossos investimentos, na exacerbação das nossas ambições, ou simplesmente na concepcção dos nossos  mais modestos projectos.

A surpresa maior que nos poderia ter acontecido está aí. É invisível, mas é invasiva; é inesperada e prepotente; é maléfica e imbatível pelos meios práticos de defesa. A luta entre esta pérfida presença e os humanos é silenciosa, desigual e rói lentamente como uma traça.

Mas, como dizia, não quero falar do inimigo que me tolhe. Há em cada um de nós a circular no sangue um corpúsculo de energia benéfica que se manifesta sob a açção de alguns reagentes. Teremos que procurar aqueles que mais se adequam a cada estado de fragilidade para poder superar o tempo das provações. Não é fácil pensar sem um arrepio na alma, nos que estão à beira da fome; do desespero pelas faltas mais elementares necessárias à sobrevivência; nos povos desprotegidos, mergulhado no caos do descontrole nos países desgovernados, onde só alguns vivem na base da segregação e do privilégio. Mas ninguém nesta hora nefasta está isento da ameaça universal que a todos iguala na contingência da morte do mundo. Em nenhum tempo a palavra igualdade atingiu um tão terrível estatuto de prevalência.

De novo me sirvo do mote que quero fazer valer, para que um rasgo de alívio abra os dias da nossa vida e nos incite à persistência e à esperança : Não quero falar no inimigo que me tolhe. Então recorro a quem, através do tempo, de forma exemplar e animadora fala dos recursos do espírito. Acreditar é uma palavra de ordem para os que na humildade da sua  incapacidade para vencer altos desafios, confiam, apesar de tudo, na energia primitiva que brotou dessa nebulosa que nos concedeu a vida. Deus, Natureza, Universo, os nomes que damos à existência do mistério, do oculto, o enigma que nos acompanha do nascimento à morte, comum a todos, sobre o planeta e agora revela a sua  verdade aos humanos desprevenidos.

Que entidade é então este planeta que tão claramente se manifesta como um gigante ser vivo em defesa da sua mais legítima causa?  Impreterivelmente já ninguém duvida de que o planeta está doente.

Procuro saber que dizem os pensadores sobre esta grande evidência que é a vida. Não creio que haja outra maneira de a entendermos sem estar atento a conceitos ancestrais como o do microcosmo e do macrocosmo que afirma que o homem foi criado sobre a mesma matriz do mundo todo, que o sol é uma espécie de coração, os rios são as veias da terra e o tempo é-nos dado pela sucessão das várias fases de crescimento dos corpos, da translação dos astros e todo este  movimento é  expressão duma força vital sujeita a vicissitudes, quando algo abala o seu equilíbrio.

Nada disto contradiz os actuais conhecimentos que a ciência veicula. Nada disto pode ser posto em causa pelos arautos do poder que põem e dispõem a seu belo prazer as descobertas científicas, para tirarem delas proveito para as suas ambições desmedidas. A Ciência é um saber demasiado valioso que deve ser respeitado e utilizado em sintonia com os padrões do universo. É um indicador das potencialidades que podem ser benefício para os humanos, se confiarmos numa saudável fruição das suas virtudes.

Repito por agora uma última vez: Não quero falar do inimigo que me tolhe. Prefiro confiar na Ciência que me traga, quanto antes, um antídoto contra o mal que nos assola e, por conta da experiência, uma nova maneira de compreender a vida, de usufruir do planeta e de atender aos pequenos sinais que nos trazem alegria, sem o exorbitante pregão das demasias, que falseiam aquilo a que habitualmente chamamos  «Felicidade».