O coordenador regional do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR-Madeira), Evaristo Faria dá nota positiva ao trabalho desenvolvido pela Secretaria Regional da Saúde no que toca à pandemia COVID-19. Mas diz que o problema não está só na linha da frente.
Em entrevista ao Funchal Notícias, explica porque não vão aderir à greve nacional que se inicia hoje e limita-se a dizer que, na Madeira, o número de associados é… centenas.
FUNCHAL NOTÍCIAS: O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal convocou uma greve geral para a segunda semana de Novembro, de 9 a 13. Porque é que a Madeira ficou de fora sabendo-se das muitas reivindicações pendentes?
EVARISTO FARIA: São efetivamente muitas as reivindicações pendentes mas da Ata de Compromisso restam apenas algumas e a pequenos grupos de Enfermeiros. A maioria dos Enfermeiros foi enquadrada neste descongelamento mas ocorreram efetivamente algumas injustiças que tentámos corrigir desde o início.
Fazendo uma pequena resenha: Desde 2004 que os Enfermeiros viram a sua carreira congelada. Concluíram as suas licenciaturas sem qualquer acréscimo remuneratório. Veio a Troika e com ela a destruição da Carreira. Com esta destruição, com a conivência implícita dos sindicatos até aí envolvidos, perdeu-se também a reforma aos 55 anos. Foram tempos muito difíceis para a Enfermagem.
Em 2017 iniciou-se o Movimento ESMOS-Especialistas em Saúde Materna e Obstetrícia. A classe estava saturada e revoltada com tanta falta de atenção aos seus problemas. Iniciaram-se as Manifestações em Novembro de 2017 e no mesmo momento surgiu o SINDEPOR. No culminar das manifestações. Pela luta e recuperação de direitos perdidos. Pela recuperação de uma Carreira perdida. Iniciaram-se manifestações, vigílias e finalmente a greve cirúrgica a nível Nacional.
Na Madeira protagonizamos as manifestações, vigílias e greves desde 2017. Iniciamos um processo sério de negociações sem conotação política. Fomos ouvidos. Fomos respeitados nas mesas negociais. No final assinámos a ata de entendimento em 2019. Foi um grande passo na recuperação da nossa Carreira. Temos de ser sinceros e verdadeiros. A maioria da classe foi beneficiada. Conseguimos incluir nesta ata cerca de 900 enfermeiros que de outra forma estariam excluídos. Conseguimos incluir a maioria dos Enfermeiros
Não entendemos como puderam vir para a comunicação social logo após a assinatura da ata, referir que a mesma tinha sido um fracasso. Motivos?…. Temos de recuperar princípios. Não pode valer tudo… Estávamos em fase final de correção de algumas situações pendentes em 2020 e surgiu o Covid. Interromperam-se as negociações bilateralmente. Soubemos priorizar. Com bom senso.
Neste momento reiniciou-se o processo negocial. Ficaram algumas situações pendentes. Estamos e mantemos a nossa posição de atenção a todas estas situações e a todas as que vão surgindo. Sabemos de algumas iniciativas políticas nomeadamente que vão no sentido da resolução mais célere destas questões pendentes. Louvamos a iniciativa. Apelamos a todos os partidos Regionais que se unam neste desiderato.
No restante território Nacional o cenário é de autismo por parte dos governantes e de muita revolta por parte dos Enfermeiros. Daí esta greve. É de uma grande injustiça a situação que ocorre no restante território Nacional. Os enfermeiros saberão dar a devida resposta a Nivel Nacional. Exigimos respeito, sermos ouvidos e concretizadas as nossas reivindicações. Não pedimos nada de mais. Apenas aquilo que já foi conseguido na Madeira. Apenas a recuperação de direitos perdidos.
Algumas reivindicações são de âmbito Nacional. A reforma aos 57 anos e 35 anos de serviço é uma delas. Numa profissão de desgaste rápido. Associada a uma penosidade agravada. Com riscos agravados também. Numa fase em que tanto se pede aos ENFERMEIROS de todo o país é da mais elementar justiça retribuir o esforço desta classe que tanto tem dado ao país.
FN: O SINDEPOR tem privilegiado o diálogo afirmando querer ser parte da solução e não do problema. A estratégia tem resultado?
E.F.: Uma das nossas máximas é exatamente essa. Fazer parte da solução e não do problema. Estão continuamente surgindo novos problemas e intensificados com esta crise mas desde que haja abertura e capacidade negocial o SINDEPOR Madeira tudo fará para fazer parte da solução e não do problema.
Tentamos um sindicalismo diferente do habitual. Privilegiando em primeiro lugar o diálogo e concertação.
O sindicalismo de embate que privilegia somente o que está mal, esquecendo o discurso construtivo não faz parte da nossa génese.
Quando esgotadas as possibilidades tentamos outras formas de luta. Ai conseguimos inovar. Avançámos para a greve Cirúrgica a nível Nacional. Pretendíamos apenas o diálogo. Recebemos nada de nada.
Aqui na Madeira tem havido abertura dai que dizemos NÃO à Greve, a nível regional. Queremos abrir portas com os atuais decisores.
Brindamos no entanto todas as iniciativas em prol da enfermagem políticas ou outras.
FN: Quais são as reivindicações acordadas com a Secretaria Regional da Saúde que ainda estão por cumprir?
E.F.: Enumerando as mesmas de acordo com a adenda à ata de compromisso de 2019:
1. Resolução dos temas pendentes associados à Ata de entendimento a enviar à Assembleia Regional para DLR (Graduados, formadores, etc)
2. Apresentação de uma solução para os enfermeiros especialistas com progressões anteriores a 2009 e que por via desse fato perderam os pontos anteriores a essas progressões.
3. Previsão de data de transição de níveis remuneratórios, para os enfermeiros com pontos acumulados.
4. Chefes nomeados.
5. Enfermeiros emigrados e transferências de outras instituições.
Temos vindo a apresentar a situação dos colegas emigrados que por via de rescisão de contrato não viram contabilizados os pontos anteriores à sua rescisão. Apesar de nos parecer injusta e apesar dum parecer positivo a favor dos mesmos por parte do SINDEPOR a verdade é que os atuais pareceres não vão ao encontro da vontade destes colegas. Integramos neste ponto as transferências de colegas de outras instituições do país. Manteremos no entanto esta questão em aberto na procura de outro tipo de soluções. Tentando dar Voz a quem não tem Voz. Sempre na procura de soluções.
6.Previsão de data para lista nominativa- enfermeiros especialistas não incluídos na anterior transição e Análise de questões associadas às transições dos enfermeiros em Carreiras Subsistentes para o Categoria de Gestor.
OUTRAS NÃO DECORRENTES DA ATA DE ENTENDIMENTO
7.Contabilização apenas de 7h por turno e perda de 1/2 hora de passagens de turno (período não remunerado).
Entendemos que este período deve ser incluído no cômputo semanal e devidamente remunerado. O período da passagem de turno pode e deve ser considerado atividade assistencial pois só assim se pode assegurar a continuidade da prestação de cuidados com segurança e qualidade.
8.Apoio na saúde, aos profissionais de saúde nomeadamente Enfermeiros.
Entendemos que devemos a par de outros profissionais de saúde ter um tratamento diferenciado e prioritário na resolução das questões de saúde.
Se queremos exigir Segurança e Qualidade nos cuidados prestados então temos de ter uma atenção especial com aqueles que tratam de nós. E parte desde já pelo assumir duma correta prestação de cuidados aos cuidadores/Enfermeiros.
Menor atividade assistencial aos mesmos. equivale a mais absentismo e menores rácios destes profissionais na atividade assistencial.
Celeridade e prioridade a gente que cuida de gente deveria ser uma máxima para todos os órgãos envolvidos.
9.Horário acrescido- Este horário em períodos críticos de funcionamento nomeadamente férias ou períodos de contingência de forma a colmatar insuficiências de pessoal nos serviços é fundamental.
10.Subsidio de risco. – Entendemos que este subsídio deve ser alargado a TODOS os Enfermeiros. Em estudo por parte da tutela.
Subsídio de risco/Covid /Prémio de desempenho- para os enfermeiros que trabalham diretamente com doentes COVID,
Apresentada proposta diferenciadora, por parte do Governo Regional, da proposta Nacional, de majoração de 1 dia de férias e subsidio de 55% da base (Proposta Nacional é de 50%). Excluídos destas proposta os Enfermeiros que estiveram em teletrabalho e pelos períodos em que ocorreu.
11.EPIS Reiterámos a necessidade de EPIS adequados em todas as situações de potencial risco.
12.Apelamos ao reforço dos Enfermeiros da Unidade de Cuidados Intensivos pelos motivos sobejamente conhecidos e pela morosidade na integração destes mesmos profissionais.
13. Inauguração e remodelação de novos serviços- Congratulamo-nos com o esforço efetuado na remodelação e ampliação de novos serviços mas temos a salientar a importância de integração efetiva de Enfermeiros Gestores e da Prática nos projetos dos mesmos de forma a minimizar constrangimentos nas unidades recém-inauguradas.
14.Redução em 1 hora por cada ano a partir de 10 anos/reforma antecipada
Entendemos e faz parte do nosso caderno reivindicativo desde o início a redução do horário até 5 horas semanais a exemplo do que se passa com outras classes. O desgaste a que os enfermeiros estão sujeitos assim o exige.
FN: Quantos associados tem o SINDEPOR na Região desde que se implantou na Madeira em março de 2018?
E.F.: O SINDEPOR Madeira almeja tornar-se o maior sindicato Regional. Pelas propostas apresentadas e pelo trabalho desenvolvido. Pela nossa postura. Pela nossa seriedade. Crescemos continuamente. Orgulhamo-nos do nosso trajeto, da nossa equipa , da credibilidade conquistada, da confiança depositada em nós pelos nossos colegas. Neste momento somos centenas. Queremos mais. Para estarmos melhor representados Pela enfermagem.
FN: Qual a relação com os outros sindicatos de enfermagem?
E.F.: Somos um sindicato de convergência. Todas as manifestações e vigílias foram iniciativa do SINDEPOR desde Setembro de 2017. Convidámos , sempre todas as forças sindicais a estarem presentes apesar dos projetos e trajetos diferentes. Nem sempre fomos bem-sucedidos.
A nível Nacional o trajeto também foi esse. Também com os mesmos resultados.
Não fechamos portas desde que a classe assim o pretenda. Quando existirem reivindicações comuns.
Mas mantendo sempre a nossa independência. Sem agendas politicas que tornem a nossa classe refém das mesmas.
F.N: Como é que avalia as medidas regionais de combate à pandemia COVID-19?
E.F.: Desde o início que o Covid tem obrigado a uma reorganização dos serviços e adaptação dos vários profissionais nomeadamente Enfermeiros. Numa fase inicial o impacto foi grande obrigando as equipas a uma gestão diferenciada e muito difícil para todos. Foi e é um período de grande stress para todos os serviços e não só para os de primeira linha que têm de lidar com a problemática do covid. Desengane-se quem pense que o problema está só na linha da frente.
Houve uma reestruturação inicial que obrigou ao encerramento de alguns serviços e a uma gestão diferenciada. Ficaram alguns em teletrabalho, encerraram-se alguns serviços, reorganizaram-se outros. Muitos Enfermeiros foram destacados para outros serviços, iniciaram-se turnos de 12h.Os Enfermeiros estiveram lá. Resilientes.
Vieram o Stress e Burnout acrescidos, veio o receio de voltar a casa. Alguns não voltaram. Ficaram as saudades da família. Tempos traumatizantes.
Os Enfermeiros pediram trabalho, não pediram os riscos acrescidos a que estão sujeitos. Alguns Enfermeiros como temos vindo a ver e ouvir já não regressam a casa. Definitivamente… A perspetiva de doença ou morte são uma realidade.
Na Madeira, felizmente, as políticas do governo têm sido bem-sucedidas e a liderança na saúde tem sido eficaz. Estamos mais bem preparados. Com novas unidades covid. Com ampliação de alguns serviços. Com EPIS adequados.
Mas atenção: Exigimos reforço dos Enfermeiros pois muitos foram destacados para outros serviços. Exigimos sermos ouvidos nas decisões. Nas equipas, nos órgãos de decisão. São cada vez mais os Enfermeiras que se destacam em áreas de gestão. Principalmente a nível internacional.Com Enfermeiros Portugueses. Que não são reconhecidos no seu país. Há que mudar de paradigma.
Somos um dos grandes pilares da Saúde. Com formação altamente diferenciada. Exigimos continuamente respeito. Respeito este que temos sentido por parte da Tutela. Mas que tem de extravasar a todo o SESARAM, a todo o SNS.
Não esquecemos também os colegas das clínicas privadas. Muitos sub-remunerados, diria mesmo explorados. Não esquecemos todos aqueles que por receio de ida aos hospitais agravam os seus problemas. A nossa palavra é de confiança, nos Enfermeiros, no sistema Regional de Saúde onde estamos integrados.
Não é fácil o atual momento. Para ninguém. Acredito na atual equipa da Secretaria Regional da Saúde. Penso que outros não teriam feito melhor. Digo isto com conhecimento de causa, sem interesses subjacentes. Em termos COVID, alertamos a população que siga as recomendações pois se queremos mais e melhor saúde então temos o dever cívico de cumprir as recomendações. Pelos nossos, pelos vossos, pelos outros.