Em quem confiar?

A década que caminha para o seu final ficará globalmente marcada por duas grandes crises: a financeira e das dívidas soberanas e a sanitária e económica que ainda decorre, em resultado da pandemia provocada pela covid-19.

Mas, esta década, em Portugal, fica ainda assinalada por três graves acusações que atingem os pilares de qualquer Estado: o poder político, o poder económico e o poder judicial.

A 1ª a ser conhecida, em Outubro de 2017, visa o ex-primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da Operação Marquês. A 2ª, ao ex-banqueiro Ricardo Salgado, no âmbito do caso BES, surgiu em Julho de 2020. A última tem como alvos o ex-juiz Rui Rangel (e outros juízes do Tribunal da Relação de Lisboa), no âmbito da Operação Lex, veio a públicono passado mês de Setembro.

Qualquer que venha a ser o desfecho destes processos nos tribunais  é incontornável o efeito devastador que já provocaram ao nível da confiança dos cidadãos portugueses nas instituições. E que  certamente perdurará ao longo dos tempos.

Não estando em causa qualquer tentativa de desvalorização  da natureza e contornos dos diferentes processos, têm sido unãnimes as opiniões dos que atribuem ao processo da “Operação Lex”  uma gravidade acrescida.

O eurodeputado Paulo Rangel, em artigo de opinião publicado no jornal “Público” de   Setembro último considera mesmo que se trata de “um sismo institucional”, justificando essa leitura com a circunstância de “pela primeira vez, há uma suspeita consistente de que juízes foram corrompidos e actuaram sistematicamente ao serviço de interesses completamente estranhos ao seu múnus”. Rangel acrescenta: “Pior, há uma suspeita fundada de que não se tratou de uma actuação individual, tipicamente patológica, mas de uma actuação em concerto e em conluio. Pior ainda, não se cura de um grupo de juízes com pouca experiência ou de uma instância inferior. Todos eles são juízes de um tribunal superior, um deles com responsabilidades de presidência, com reconhecimento público e totalmente integrados e relacionados no meio judicial”.

Na mesma linha de pensamento, Pedro Marques Lopes, colunista do “Diário de Notícias”, a 26 de Setembro, sublinhou: “A percepção pública era a de que apesar de todos os problemas, erros, inconsistências, os juízes estavam a salvo do vírus da corrupção”.

Também em texto de opinião, inserto no “Público” de 1 de Outubro corrente, o físico Carlos Fiolhais foi peremptório: “Estou de acordo com aqueles que dizem que o caso de Rangel ainda é pior do que o de Sócrates pois atinge a instituição judiciária”, questionando de seguida: “quem vai acreditar na justiça se os juízes se puserem à margem da lei?”.

Por isso, não admira que Paulo Rangel não tivesse dúvidas em concluir: “Para a democracia e para a sociedade é bem mais perigoso que se suspeite dos juízes do que dos políticos”. Pedro Marques Lopes explica porquê: “Um político corrupto pode afectar uma decisão com maior ou menor impacto na comunidade. Dinheiro que o erário paga a mais, uma cunha, um imposto que fica por pagar. Uma sentença adulterada põe em causa um valor com o qual a comunidade não consegue viver por muito tempo: a justiça ou, no mínimo, a sensação de que todos são iguais num tribunal e perante a lei. A dúvida de que alguém absolvido ou condenado ou um crédito reconhecido ou negado pode não ter sido de uma forma limpa é insuportável”. E PML prossegue: “O político corrupto magoa a democracia, o juiz corrupto põe-na em causa. Uma comunidade e uma democracia aguentam a percepção de corrupção na política, mas não aguentam a percepção de uma justiça corrupta. Mais que não seja porque é a justiça o último reduto daqueles que desconfiam dos políticos e das suas decisões”.

Seja como for, não tenhamos dúvidas: a sucessão de casos em que é por demais evidente o descalabro ético e legal a que praticamente nada escapa, sejam bancos – a propósito, soube-se recentemente que o BPN ainda deve 5 mil milhões ao Estado -,, autarquias, instituições particulares de solidariedade social, constitui um maná por demais apetecível para ser explorado pelos populistas. E como se já não bastasse o processo do roubo de armas em Tancos que atinge a própria instituição militar, há dias um general foi condenado a seis anos de prisão efectiva por corrupção em messes da Força Aérea.

A notícia de que 4 Câmaras Municipais da Região estão a ser investigadas por “eventuais crimes de participação económica em negócio, corrupção activa e passiva, tráfico de influências e abuso de poder” merece naturalmente alguns comentários.

Desde logo, o facto de, tendo a denúncia ocorrido em 2018, só agora, a um ano das próximas eleições autárquicas, ter sido desencadeada a operação policial, tendente à consulta e apreensão de documentação.

Por outro lado, obviamente que tal não significa que haja desenvolvimentos, designadamente constituição de arguidos e, se assim for, condenações por prática de crimes. Pelo que  não há para já motivo para a procura de dividendos políticos por parte de quem quer que seja, especialmente  de quem já viu correligionários partidários com responsabilidades autárquicas condenados por corrupção em Santa Cruz e na Ponta do Sol.

Mas, convém também não ignorar que se a investigação em curso produzir resultados condenatórios acarretará a descredibilização de qualquer projecto político alternativo com base na actual liderança do partido sediado na Rua da Alfândega.

*Texto escrito de acordo com a antiga ortografia