Entrevista de Olavo Câmara ao FN: “Deixo a JS com um legado de bons quadros” (Parte II)

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FUNCHAL NOTÍCIAS: No concelho do Porto Moniz o PS perdeu nas regionais, mas ganhou nas nacionais, logo 15 dias depois. Como justifica esta viragem?

OLAVO CÂMARA: Os resultados eleitorais são muito difíceis de explicar e existe sempre várias interpretações possíveis. Neste caso, a minha análise destes resultados no meu concelho, deve-se em grande parte a dois fatores:

O primeiro era a desinformação em relação ao futuro do Emanuel Câmara em caso de vitória do PS-M. Ouvíamos muitas pessoas a dizer que não iam votar no PS para o “nosso presidente” não ir embora. Ou seja, havia um discurso de que em caso de vitória do PS o Emanuel Câmara ia para o Governo e deixaria a presidência da CMPM.

O segundo fator foi o funcionamento e politização da “máquina do governo” em campanha: ou seja, houve departamentos do governo regional que durante um mês andaram mais no Porto Moniz do que nas suas secretárias e secretarias. Muita promessa, muita resolução de problemas, muitas ajudas, apoios, reuniões nos dias antes das eleições. Muita pressão à população. Um governo regional completamente politizado institucionalmente e mobilizado para ganhar eleições pelo PSD. Utilizaram funções institucionais nesse sentido. Aqui temos de dizer os bois pelos nomes: Secretaria Regional da Agricultura e SESARAM completamente ao serviço de favores e promessas que eram feitas por elementos do PSD no Porto Moniz. Funcionários do Governo, da SESARAM, Secretários e Ex-Secretários Regionais que utilizaram os seus postos de trabalho, as suas funções, cargos e conhecimentos, ao serviço de favores políticos. Podemos dizer que as listas de espera para atos médicos, consultas e cirurgias, tiveram uma grande redução nas semanas antes e depois dos atos eleitorais. Em menos de um mês resolveram mais casos do que os últimos 4 anos juntos. Agora cada um tira as suas conclusões. Num concelho pequeno, isto e muito mais, faz diferença.

O resultado das Nacionais, já foi diferente, em menos de 15 dias, o PS passou de um resultado negativo para positivo com mais de 100 votos de diferença. O discurso ensaiado de que o Emanuel Câmara ia embora do município virou-se contra o PSD, ficaram sem discurso porque ele voltou a assumir a presidência da Câmara do Porto Moniz logo no dia seguinte às eleições.  A minha presença e dinâmica no concelho também teve o seu peso, foi gratificante sentir o reconhecimento da população que me viu crescer ao votar em mim de forma expressiva. Um resultado que fez passar muitas mensagens internas e externas para quem quiser perceber.

FN: Luís Vilhena disse que a presença de Olavo Câmara na lista do PS-M às eleições nacionais de 6 de outubro era uma “fragilidade”. A melhor resposta foi o resultado eleitoral?

OC: O resultado eleitoral fala por si. Passamos de 2 deputados para 3. Ganhamos no Funchal, Porto Moniz, Porto Santo, Santa Cruz e Machico, vitória em 5 concelhos, mais um que nas regionais, em particular, precisamente no meu concelho, e reduzimos a diferença entre o PS e o PSD, redução essa que foi a maior a nível nacional. Foi um resultado muito bom e veio confirmar o momento de afirmação do PS Madeira. As declarações do Luís Vilhena foram infelizes, penso que o ressabiamento e frustração falaram mais alto naquele momento e mostraram uma faceta desconhecida de uma pessoa que para a sua experiência e idade exigia mais maturidade e elegância. No entanto, não levei a mal, porque compreendo que ninguém gosta de ser substituído.

FN: Tem ambições de, um dia, presidir à Câmara do Porto Moniz?

OC: Não escondo o carinho especial que tenho pela terra onde cresci e onde vivo. É a minha casa. Quem me conhece, sabe que sobre o Porto Moniz nem vale a pena discutir, o coração fala mais alto. É uma terra que merece tudo!

FN: Está a cumprir o 3.º e último mandato como líder da JS-Madeira. Desde 2014 que lidera a “jota”. Quais as suas maiores conquistas e quem está mais bem encaminhado para assumir a “pasta”? 

OC: Do ponto de vista de bandeiras políticas não é fácil medir o resultado do nosso trabalho político. No entanto, sempre colocamos na agenda política regional o emprego, habitação, mobilidade, educação, coesão territorial e participação como eixos centrais da nossa atuação política.

Desde 2014, quando assumi a presidência da JS Madeira, que tem sido um desafio enorme. Não só pelo seu historial, mas também pela situação em que se encontrava, estagnada, com pouca implementação regional e mobilização dos jovens madeirenses. Hoje, felizmente, somos mais, mais mobilizados, mais dinâmicos, mais próximos e presentes um pouco por toda a sociedade madeirense.

Não se faz política sem pessoas. E o primeiro desafio da JS foi mesmo apostar na atração de novos militantes para a estrutura, para inverter o ciclo decadente do número de militantes. Nos mandados anteriores ao meu, o número de novos militantes nem dava para compensar as saídas por limite de idade. Hoje, é diferente, só já não acontece, como conseguimos aumentar o número de novos militantes todos os anos. Em menos de 4 anos conseguimos inscrever mais novos militantes na JS do que os últimos 12 anos juntos.

Dos muitos eventos realizados, destaco o Acampamento Regional da JS Madeira no Porto Santo, que é a maior atividade de verão das juventudes partidárias de Portugal há mais de 5 anos. Quando assumi a liderança, este evento já nem se realizava e nos últimas edições, reunia menos de 40 participantes. Hoje, de edição para edição, aumentamos o número de participantes, tendo atualmente já ultrapassado os 400 participantes. Outro momento que demonstra o crescimento da JS Madeira é os seus congressos: se alguém for ver os congressos anteriores ao primeiro, em que assumi a liderança da JS, consegue perceber o aumento da participação de jovens. A vontade e o trabalho diário direcionado para o aumento da participação dos jovens madeirenses tem sustentado todo o crescimento e o trabalho efetuado na JS Madeira.

É por isso que somos cada vez mais e cada vez melhores para responder aos desafios. Em relação à questão de quem estará melhor para me substituir, hoje, felizmente, dentro da JS Madeira existem muitos bons quadros, preparados, com vontade e capazes para assumir a liderança desta estrutura. E felizmente, sinto que deixo a JS com esse legado. A decisão do próximo presidente ficará entregue aos seus militantes.

Hoje, a JS Madeira tem vários jovens quadros colocados nos principais órgãos do Partido: o secretário-geral do PS-M e vereador da Câmara Municipal do Funchal é da JS, existem três jovens no secretariado do PS-Madeira, participamos regularmente nas comissões políticas e regionais, temos uma jovem eleita eurodeputada, uma militante da JS-Madeira eleita deputada na Assembleia Regional e eu, outro jovem militante da JS-Madeira, eleito deputado à Assembleia da Republica. Mas, e mais importante, temos jovens militantes que participam ativamente nas últimas campanhas eleitorais, com uma vontade inabalável de querer mudar a Madeira, e volto a deixar o meu agradecimento a todos eles, com a certeza de que continuamos inabaláveis.

Gosto de pensar que o nosso trabalho político, de uma forma ou outra, através da apresentação de propostas ou soluções, de reivindicação, alerta ou discussão, contribuíram positivamente para a sua implementação ou melhoria. Exemplificando, quando assumi a liderança da JS Madeira, a região tinha um modelo de mobilidade aérea que não servia os madeirenses. Fomos os primeiros a pedir a implementação do modelo dos Açores na Madeira, e a verdade é que foi implementado (mal implementado, com a questão do teto máximo dos 400€) e hoje, na questão da mobilidade aérea dos jovens estudantes, o problema está parcialmente resolvido, e caminhamos para um modelo que realmente satisfaça os madeirenses. Também tínhamos os passes sociais mais caros do pais e hoje estamos melhor, apesar de ainda ser possível fazer mais. Dois exemplos que, no início do meu mandato, eram prioritários na nossa atuação política e que hoje, realmente, tiveram melhorias. Existe muito mais ainda por fazer e a JS Madeira foi e continuará a ser parte importante numa luta por melhores condições de vida.

FN: É um dos deputados mais jovens em São Bento. Um dos dez deputados abaixo dos 30 anos. O parlamento precisa de jovens e da sua irreverência?

Precisa e precisa muito. Costumo dizer que com o passar da idade o espírito revolucionário do “querer mudar o mundo” vai quebrando ou é domesticado. Com a idade as pessoas ficam mais cómodas, mais conformistas, não se expõem tanto, não arriscam tanto, e acabam por ficar rendidas ao sistema e ao politicamentente correto. É por isso que quanto mais jovens houver mais reformas vão haver. Mais exigência e dúvidas vão recair sobre os poderes instalados e mais mudanças poderão acontecer. A irreverência é essencial para “abanar” com a política amordaçada em que se vive. A irreverência tem de ser cultivada e não castrada. A sociedade, e não só a política, tem de retirar partido das qualidades da juventude e de tudo o que representa e pode dar à sociedade. Felizmente o PS Madeira teve a visão de apostar em jovens nas suas listas, não só para o Parlamento da República, como para o Parlamento Europeu e para o Parlamento Regional, como também na própria direção e órgãos do PS Madeira. Uma aposta clara na juventude e no seu potencial, uma aposta clara nos quadros jovens do partido que agora estão colocados nos grandes centros de decisão. É um legado e uma marca do atual Presidente do PS Madeira, que é de louvar e espero que seja para continuar nas dinâmicas internas do partido.

FN: É advogado de profissão. Como olha para o actual estado da advocacia?

OC: Formei-me na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o que abriu o caminho para ingressar na “nobre” profissão de advogado, como muita gente gosta de apelidar. Mas foi com o iniciar do estágio na Ordem dos Advogados que percebi que a advocacia tem mais de precariedade do que de nobre para quem exerce. Hoje em dia, o grande problema da advocacia recai sobre a precariedade dos advogados, não só pelo risco de exercer uma profissão liberal, mas principalmente pela falta de apoio e respostas que a própria Ordem dos Advogados e a Caixa de Providências dos Advogados dão aos advogados, em caso de doença ou maternidade. Ou seja, se um advogado deixar de trabalhar por estar doente não tem qualquer apoio que lhe permita suportar essa temporada. Não só não ganha nada, como tem de fazer sempre os descontos para a CPAS, tenha obtido ou não rendimentos. No parlamento já tivemos a discutir este assunto e espero que no futuro seja um não assunto.