Cabral Fernandes: liderança do CDS por Rui Barreto “devia ser mais afirmativa” nas propostas e no reforço da identidade do partido

Fotos: Rui Marote

Na sequência das múltipla entrevistas que temos realizado com os cabeças de lista por vários partidos às eleições regionais ao longo dos anos, fomos auscultar Cabral Fernandes, um histórico centrista que encabeçou os candidatos do CDS neste acto eleitoral em 1984. Quisemos inquiri-lo sobre a sua experiência naquele que antigamente era visto como um partido “fascista” ou de ricos e que depois se tentou “popularizar”, assumindo-se, mais recentemente, como o “líder da oposição madeirense”. As respostas de Cabral Fernandes não são extensas mas são esclarecedoras do seu modo de pensar, e reflectem as suas memórias e visão da contemporaneidade.

Funchal Notícias: Sucedendo a Baltazar Gonçalves, foi cabeça de lista pelo CDS nas eleições regionais de 1984.
Eram outros tempos, em que se mostrava bastante difícil afrontar o poderio que o PSD que Alberto João Jardim tinha consolidado na ilha. Como relembra essa época? Sendo ambos os partidos de centro-direita, como se tornava possível para o eleitor de então distinguir as propostas do CDS das do PSD?

Cabral Fernandes – O CDS viveu momentos difíceis a partir do Congresso no Palácio de Cristal, perante a forte pressão da extrema-esquerda, que o obrigou a atuar na semiclandestinidade. Depois disso com a ascensão ao poder do PSD Regional, mantiveram-se outros tempos difíceis, decorrentes da hegemonia do PSD que atrofiou a vivência democrática na RAM, com a subordinação da Assembleia Legislativa Regional ao Governo, e por outro lado assistiu-se a um clima de hostilização, para não dizer de humilhação dos principais dirigentes da Oposição, o que foi feito com o propósito de eliminar as vozes críticas e assim desertificar as correntes de opinião contrárias ao Governo. Nesse cenário o CDS orientou-se, predominantemente, a defender os direitos da oposição, tendo eu especial orgulho por ter sido na Assembleia da República o Deputado que apresentou o Estatuto da Oposição.

FN – Acha que nesse tempo ainda pendia de algum modo sobre o CDS o preconceito de que se tratava de um partido “fascista”, enquanto que o PSD era visto como “autonomista”?

CF- O termo fascista não nos incomodava muito, dada a ignorância patente sobre o que seja o fascismo. Incomodava-nos mais que o PSD fosse visto como “autonomista”, devendo dizer, que o primeiro partido que apresentou na Assembleia Regional um projeto de Estatuto Político-Administrativo da Região, perante a inércia do PSD, foi precisamente o CDS.
Faço notar que a última revisão constitucional alargou substancialmente os poderes e competências das Regiões Autónomas em variadíssimas áreas da governação, que o PSD ainda hoje não as implementou na sua actividade, e continua a tardar na apresentação e aprovação de um novo Estatuto que consagre essas mesmas melhorias autonómicas vertidas na última Revisão
Constitucional.
O PSD fala muito em autonomia, mas não a constrói, esperamos para ver quando surgirá um Novo Estatuto.

FN – A sua intervenção, tal como a de outros líderes políticos da oposição, era pautada por uma crítica e uma postura civilizadas. Essa era a época em que o presidente do Governo Regional se sentia à vontade para dirigir os impropérios que entendesse aos oposicionistas, para não falar das chalaças com que frequentemente os brindava. Os políticos da esquerda eram os “bombos da festa”. Acha que Jardim era, de algum modo, mais leniente com a direita?

CF – Já respondi anteriormente. Essas humilhações aos dirigentes da oposição, tinham o mesmo
peso e medida.

FN – Alguma vez sentiu que a política tinha perdido a dignidade que achava que merecia, pelos comportamentos de um ou de outro, no plano regional?

CF – Senti e continuo a sentir que há claro divórcio entre a sociedade e os políticos, que se agrava. Isto é notório perante as sucessivas e constantes greves que acontecem, as quais significam a insatisfação de vários estratos da população.

FN – O CDS procurou mais tarde distanciar-se de uma imagem de “partido do patronato”, inclusive acrescentando à sua designação as palavras “partido popular”. Acha que fez bem? Ou foi uma manobra essencialmente populista, e que inclusive o afastou das fundações que tinham sido criadas por Freitas do Amaral e outras referências, que todos respeitavam, até a esquerda?

CF – Nunca acolhi bem a alteração da designação do CDS para Partido Popular. A sigla CDS é a que melhor se ajusta a declaração de princípios contemporânea com a Fundação do partido, porque foi e continua ser um partido do Centro, ou seja, moderado, Democrático, ou seja, tolerante e respeitador de visões diferentes e com capacidade de diálogo e, por fim, Social, isto é orientado para soluções sociais em defesa dos mais desfavorecidos e assim a cumprir o principio da igualdade, empenhado na construção de uma sociedade igualitária e não fraturada.

FN – Como vê a actual liderança de Rui Barreto? E os resultados obtidos nas autarquias? Acha que o CDS melhorou o discurso e o modo de intervenção na sociedade madeirense? Porém, ainda persiste quem o acuse de se prontificar sempre a ser “bengala do PSD”…

CF – Vejo que a liderança do Rui Barreto é uma liderança sensata, embora devesse ser mais afirmativa nas propostas e no reforço da identidade do CDS.

FN – Faz algum prognóstico do resultado das próximas eleições regionais? Ou do cenário mais provável, inclusive para os centristas?

CF – É sempre difícil fazer prognósticos, sobre os resultados nas próximas Eleições Regionais. Poderei dizer que antes das Eleições Europeias sentia que o peso do PS e do PSD estava equiparado, sendo por isso difícil fazer prognósticos. Todavia, com o resultado das Eleições Europeias, estas mais descomprometidas para o eleitor, verificou-se a nível regional um resultado favorável ao PSD, significando que a sua base eleitoral não estava assim tão fragilizada.
Para PS o resultado dessas eleições não lhe foi favorável, não lhe dando ânimo. Dito isto, acho agora que o PSD se esta a aproximar das suas metas.
Quanto ao CDS desejo que melhore. A ver, vamos.