Reposição da entrevista concedida pelo Pe. Mário Tavares ao Funchal Notícias a 15 de julho de 2019

Fotos Rui Marote.

Mário Tavares Figueira -ou para a maioria das pessoas Pe. Mário Tavares- é um homem de causas. É amigo do seu amigo, não tem medo do novo e do diferente. Um homem mais do Povo de Deus do que da Igreja enquanto instituição/hierarquia. Um sacerdote no meio do Povo e das suas inquietações.

Passou por várias paróquias (15 meses em Machico, coadjutor na Ribeira Brava, 3 anos no Arco de São Jorge, 18 meses no Santo da Serra) mas foi na paróquia de São Tiago, no Jardim da Serra, depois de regressar do Ultramar, em 1969, que mais pôs o seu Saber ao serviço do Povo.

Viu pobreza, subnutrição e analfabetismo e não se conformou procurando uma mais justa repartição de recursos. Procurou romper este ciclo quer no altar quer na acção social em prol da valorização da dignidade humana. Criou a cooperativa “Liberdade” assente na economia social, dinamizou o teatro, apoiou as lutas pelos direitos sociais das bordadeiras, pelo direito à água e pela extinção do injusto regime de colonia, e deitou mãos à obra na construção do salão paroquial, lugar de catequese, de convívio e de cultura.

Diz agora com orgulho que foi também graças a si que as primeiras bordadeiras da Madeira a terem direito a reforma foram do Jardim da Serra.

Deu o seu contributo ao nascimento da freguesia do Jardim da Serra, então pertencente ao Estreito de Câmara de Lobos. Aliás, foi o principal impulsionador do movimento “Seremos Freguesia”.

Fez da Bíblia em Banda Desenhada o catecismo para os mais novos. Adoptou as celebrações penitenciais e a experiência do Evangelho em comunidade.

Esteve no Jardim da Serra 23 anos, entre 1969 e 1992 até ser substituído pelo Pe. Eleutério Ornelas. Porquê 1992? Porque foi nesse ano que decidiu aceitar o desafio de ser candidato, pela CDU, à Assembleia Legislativa da Madeira.

“Fui cabeça de lista depois de uns 4 a 5 meses de sacrifício, silêncio, reflexão e angústia. Não foi uma brincadeira qualquer”, disse.

Foi Mário Tavares que teve a iniciativa de se dirigir à sede da CDU. “Eu é que me propus”, disse. Porquê? “Por coisas erradas, que me arrepiaram, que o bispo D. Teodoro disse e que o Pe. Jardim Gonçalves considerou ser um descargo de consciência”, explicou.

Que coisas? “Aqueles comportamentos à volta do Pe. Frederico. Teve declarações terríveis para um bispo. Inquietaram-me muito porque eu era padre e estava aqui na Diocese. E não tolerava que o bispo dissesse aquelas coisas continuando chefe da Igreja. Uma das coisas que disse foi naquela nota pastoral no dia a seguir à prisão do Frederico [comparação de Frederico a Jesus Cristo que também foi preso pelos Judeus]”.

Depois foram as declarações na Festa do Corpus Christi em que D. Teodoro dividiu a Assembleia entre “eles” e “nós”. Depois disse isto “mas nós temos uma arma que eles não têm”: a Sagrada Eucaristia. Isto foi o rompimento. Não tolerei mais. Isto atrapalhou-me muito. Pensei, qualquer dia a Igreja, na Madeira, é um trapo”, contou.

“Isto inquietou-me. Isto doía e eu perguntava “mas a igreja madeirense vai ficar com esta marca? Não foi nada agradável. Comecei a convencer-me que, naquela ambiente de tudo controlado pelo Alberto João Jardim, que ninguém podia entrar nisto [política] a não ser eu. Não tive outra hipótese”, explicou.

Mário Tavares era professor efectivo, tinha a paróquia do Jardim da Serra, tinha actividades na Cooperativa. Sabia que ao meter-se na política iria ficar “entalado na valeta”. Não temeu represálias. Nem as houve, por exemplo, das funções docentes.

Teve o cuidado de dirigir cartas ao bispo, ao Clero e a todos os Cristãos. Teve o cuidado de explicar as suas opções ao Povo. “Nunca fiz nada que não fosse ao bispo dizer-lhe”, revela.

Mesmo assim apelidaram-no de “padre vermelho. Era considerado a pessoa mais negativa da Igreja Católica”, verbaliza.

A CDU não tinha conseguido eleger qualquer deputado nas Regionais anteriores, de 1988, pelo que apostou no sacerdote para voltar à Assembleia, de onde nunca mais saiu. O plano “B”, caso Tavares recuasse era Leonel Nunes como cabeça de lista. Não foi isso que aconteceu.

Uma notícia no Diário de Notícias, dias antes do anúncio oficial da candidatura, ia estragando o acordo mediado por Armindo Miranda (PCP) com o apoio dos membros do comité central Blanqui Teixeira e Jorge Cordeiro. Mas a situação foi composta.

O pacto de silêncio só foi quebrado no final de Agosto de 1992 e deu lugar a outro pacto na campanha eleitoral. Iria falar do que lhe apetecesse sem nunca apelar directamente ao voto na CDU. Só mesmo no final da campanha, surgiu o apelo expresso e o compromisso de que, se fosse eleito, iria assumir o seu lugar na Assembleia. “Não levava documentos de ninguém. O primeiro texto era o meu. Aceitaram as condições”, disse.

Em 1992, Mário Tavares concorreu pelo círculo do Funchal e conseguiu para a CDU 3.868 votos (2,96% do eleitorado). Nas Eleições seguintes, as de 1996, deixou o Funchal para Edgar Silva e concorreu por Câmara de Lobos mas não conseguiu ser reeleito.

Do alto dos seus 84 anos -nasceu no Estreito de Câmara de Lobos no dia 24 de Julho de 1934- recebeu o Funchal Notícias na sua casa para uma longa conversa sobre a política, a vida, a Igreja.

Foi capelão militar em comissão de Serviço na Guiné entre 1966 e 1969 tendo também passado por Angola. Foi candidato à Junta de freguesia do Estreito, sendo eleito para a Assembleia de Freguesia. Chegou a ser candidato à presidência da Câmara Municipal de Câmara de Lobos.

Mas foi na Assembleia Regional que, ao longo do mandato 1992/96, denunciou o que quis denunciar. Tinha celebrado outro pacto com o PCP. Tinha carta branca para falar do que quisesse. As suas intervenções eram da sua lavra e não do PCP. Ao ponto de nos debates na Assembleia -lembra-se agora- ter ouvido de Coito Pita, deputado do PSD, bocas do género “pega nisso [discurso] e leva à Rua da Carreira [sede do PCP]”, insinuando a congruência do discurso com a matriz política do PCP.

Ainda na Assembleia, recorda-se que, uma das discussões mais acaloradas com Alberto João Jardim teve lugar num debate do orçamento ou da conta da Região. Jardim terá chamado à colação os dinheiros gastos nas obras da paróquia do Jardim da Serra e acusado Mário Tavares de ter deixado uma dívida superior a 36 mil contos. Mário Tavares não gostou mas, de resto, “ele [Jardim] tratava-me bem”.

Na Assembleia Regional, Mário Tavares foi contemporâneo do Pe. Martins Júnior. Já eram e continuaram a ser amigos. Escreveu sobre a comunidade da Ribeira Seca e a injusta suspensão a divinis. Por isso alegra-se com a revogação da suspensão. Sempre apoiou aquela paróquia acorrendo, sempre que solicitado pelo Pe. Martins, para cerimónias religiosas. Tal como o Pe. José Luís Rodrigues passou a fazer mais tarde.

Quando deixou a paróquia do Jardim da Serra foi viver para uma casa anexa ao Convento da Cruz da Caldeira. Revela que negociou com D. Teodoro a sua saída do Jardim da Serra, deixando claro que só sairia quando pagasse a dívida da paróquia. Depois instalou-se na casa que hoje habita, na subida para o Estreito de Câmara de Lobos.

Sempre teve com o dinheiro e os bens materiais uma relação instrumental. Foi assim quando foi solicitado pelo Paço Episcopal a apresentar contas da paróquia e foi assim quando insinuaram que tinha-se convertido aos luxos do capitalismo quando passou a utilizar um Jeep Pajero.

Hoje, com o PCP e os seus militantes, continua a manter contactos mas, à beira de fazer 85 anos, a disponibilidade  já não é a mesma.