O sono dos justos

Há uns dias, tornou-se viral uma notícia do Washington Post que dava conta que um grupo de investigadores da farmacêutica Pfizer fez uma descoberta surpreendente em 2015, quando recolheram indícios que sugeriam que o Enbrel, medicamento estrela da companhia destinado ao tratamento da artrite reumatóide, poderia reduzir o risco da doença de Alzheimer em 64 por cento.

A Pfizer, depois de anos de discussão interna, entendeu não prosseguir as investigações, optando também por não divulgar publicamente esta informação. Para esta decisão parece  ter pesado tanto os elevados custos dos testes clínicos necessários, bem como a cessação emergente dos direitos de patente daquele medicamento, que implicaria que qualquer outra farmacêutica pudesse produzir o equivalente genérico, podendo a Pfizer não capitalizar o avultado investimento.

A ser verdade, será esta decisão condenável?

A Pfizer é uma empresa e, como tal, tem como intento dar lucro. Os seus executivos têm como função essencial a boa administração da empresa, prestando contas aos acionistas. Não foi isso que fizeram?

Pensaram em números e não em pessoas. É para isso que são pagos.

Pensaram no lucro. Não pensaram no João, que ainda ontem tinha nas suas memórias o seu bem mais precioso e hoje…hoje tem momentos em que não se conhece.

Pensaram em resultados financeiros. Não pensaram na Ana, filha do João, que se despede dele de coração despedaçado, porque o seu olhar vazio diz-lhe que não se lembra de a levar, de mãos dadas, a comer gelado às escondidas da mãe.

Pensaram em bónus anuais. Não pensaram no Tiago, filho da Ana e neto do João, que nunca vai aprender xadrez com o avô, enquanto o ouve contar como se apaixonou pela sua avó, no seu vestido azul céu, naquela soalheira manhã de Setembro.

E esses executivos, no fim do seu dia, consultam satisfeitos o valor das ações da Pfizer no Dow Jones, enquanto bebericam o seu Veuve Clicquot na temperatura ideal, pousam o Rolex – ou a pulseira Cartier, para ser politicamente correta – na mesa de cabeceira, mergulham nos seus lençois de algodão egípcio de 1500 fios e deixam-se embalar na certeza de um trabalho bem feito. Porque o seu trabalho, esse foi bem feito.

Mas como é que adormecem?

Dá que pensar, não dá?