Margarida Pocinho: “Os ataques ao CINM são de uma grande ingenuidade política”

Fotos: Rui Marote

Tem um sólido currículo académico e experiência na avaliação de projectos europeus, inclusive no que concerne aos melhores cérebros, dado que integra um painel internacional de especialistas independentes no âmbito do Pilar Excelência Científica do H2020, nas Acções Marie Sklodowska- Curie (MSCA). Considera que ser eurodeputado não é para todos, dadas as responsabilidades envolvidas, e encara como um desafio a actual candidatura ao Parlamento Europeu. Defensora do Centro de Internacional de Negócios da Madeira, apoia o aprofundamento do estatuto de ultraperiferia e a coesão territorial para as RUPs e entende que a pesca artesanal é um sector fundamental para a RAM. Preocupa-a a actual taxa de risco de pobreza e quer articular o desenvolvimento económico e social com estudos científicos independentes que garantam a protecção do meio ambiente. Estas são algumas das opiniões de Margarida Pocinho, candidata nas listas do CDS-Madeira ao PE, expressas numa entrevista ao Funchal Notícias.

Funchal Notícias – O que representa para si esta candidatura ao Parlamento Europeu?

Margarida Pocinho – Aceitei integrar a lista do CDS ao Parlamento Europeu como um desafio, como uma missão. Para mim, se a política não é feita com missão não é bem-feita. Sou professora associada com agregação, no topo de carreira, sem qualquer ambição de carreirismo político. Cheguei a este patamar de vida com muito empenho, trabalho e dedicação. O mais fácil agora seria “descansar” e ficar na zona de conforto da minha Universidade e da minha investigação. No entanto, nunca gostei de coisas demasiado fáceis. Gosto de desafios e das aprendizagens que estes nos colocam. Acho que, como eurodeputada, posso contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos madeirenses e porto-santenses, defendendo acerrimamente os seus direitos e das demais Regiões Ultraperiféricas e, claro, do nosso país em geral. Pela minha experiência académica pela Europa fora, sei ainda que posso contribuir significativamente para uma Europa forte, unida, coesa e tolerante.

FN- Que aspectos pensa poder desenvolver melhor junto das entidades europeias na defesa dos interesses da Região?

MP – Precisamos de uma nova exigência da Europa para com as regiões ultraperiféricas. Essa nova exigência passa pelo aprofundamento do Estatuto da ultraperiferia, dando execução ao Tratado que já reconhece a necessidade de medidas e de apoios às regiões ultraperiféricas. Os eurodeputados do CDS irão focar-se no princípio da coesão territorial que convoca as entidades europeias e nacionais a olhar para as regiões ultraperiféricas como regiões com necessidades e problemas permanentes a que se juntaram outras dificuldades. A Madeira conhece hoje novas realidades, novos problemas. O desemprego é persistente. A taxa de população em risco de pobreza é elevada. Há limitações aos cuidados de saúde e consequências negativas provenientes das alterações climáticas. Tudo problemas recentes que precisam de uma nova abordagem e atenção de Bruxelas, mas também de uma nova visão política nacional, europeia e dos futuros eurodeputados.

FN – Quais considera ser os aspectos mais prementes para a RAM face à nossa actual realidade regional, nacional e internacional?

MP – Temos de nos apoiar no princípio da ultraperiferia para materializar e canalizar fundos europeus para a mobilidade, nomeadamente uma linha ferry de passageiros e carga, entre a Madeira e o continente, porque numa ilha as acessibilidades externas são um pilar do desenvolvimento económico e social. Teremos de ser mais exigentes connosco próprios. Em alguns casos não estamos a aproveitar os fundos da melhor forma, em particular no apoio à produção regional e aos custos com os transportes. Dou um exemplo: o governo de Canárias tem fundos europeus para apoiar a 100% a exportação de produtos regionais até ao continente europeu, sejam produtos agrícolas, pesca ou artesanato. A Madeira tem de fazer o mesmo. Se existem fundos europeus para colmatar os sobrecustos da ultraperiferia, nós devemos aproveitá-los para criar riqueza porque só com mais produção e mais riqueza podemos assegurar mais e melhor emprego. Temos uma nova visão para as regiões ultraperiféricas e vamos procurar influenciar a família europeia a que o CDS pertence, o PPE, para que possamos concretizar algumas das nossas propostas, em particular verbas para combater a exclusão social e baixar a taxa de 27% de risco de pobreza para os níveis europeus. Mudar de ciclo, obtendo um reforço dos fundos para as áreas da investigação, da ciência e tecnologia. Modernizar a frota pesqueira e obter apoios para com a ajuda da investigação e da ciência desenvolver a economia do mar. Precisamos de garantir os apoios do POSEI Produção muito mais do que para o POSEI Abastecimento, para defesa da produção dos produtos regionais. Temos uma elevada taxa de desemprego. Isso só se combate com programas de formação profissional para aumentar as qualificações da população activa, e, por outro lado, ter medidas activas de combate ao desemprego jovem e de longa duração. Face às alterações climáticas, o CDS considera oportuno o surgimento de um Fundo Europeu de Protecção Civil para as Regiões Ultraperiféricas. No Quadro Comunitário pós 2020, assegurar a manutenção dos meios financeiros destinados às Regiões Ultraperiféricas, nomeadamente as taxas de co-financiamento de 85%.

FN – Parece-lhe que a sua experiência académica de alguma forma ajudará ou beneficiará o seu desempenho de um trabalho como eurodeputada?

MP – Sou investigadora professora associada com agregação na UMa, há quase 25 anos. Sou licenciada, mestre, doutora em Psicologia, com quatro especialidades da Ordem dos Psicólogos (Psicologia da Educação, Psicologia das Organizações, Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira e Necessidades Educativas Especiais). Tenho uma larga experiência na gestão de projectos europeus. Sou avaliadora de alguns dos melhores cérebros porque integro desde 2018 o painel internacional de especialistas independentes, no âmbito do Pilar Excelência Científica do H2020, nas Acções Marie Sklodowska- Curie (MSCA), no sentido de colaborar nas decisões científicas de apoio à investigação através de bolsas individuais (Individual Fellowships (IF). Fui avaliadora da Fundação da Ciência e Tecnologia (Lisboa), do CITMA (agora ARDITI) (Madeira) e da FCTR (Açores). Sou membro efectivo do Centro de Investigação em Turismo, Bem-Estar e Sustentabilidade. Coordeno/ei várias equipas de investigação europeias, sendo os trabalhos mais recentes no âmbito do turismo (Projecto “O bem-estar do turista da RAM”), inclusão e multiculturalismo (Projecto “Living Bridges”), para além de ter sido investigadora noutros projectos com financiamento europeu no âmbito das Acções Erasmus+ e do Programa Interreg Europa (Madeira-Açores-Canárias). Realizei centenas de palestras e papers por toda a Europa, onde mantenho contactos muito positivos, o que facilitará a compreensão e a pertinência dos problemas colocados pelos Estados Membros no Parlamento Europeu, tornando a minha tomada de decisão mais facilmente enquadrada e fundamentada aquando das votações nesse mesmo Parlamento. Se não fosse a qualidade da minha experiência profissional e académica jamais aceitaria tal desafio. Seria uma total inconsciência. Até porque o trabalho de eurodeputada não é certamente para “qualquer um”: é necessário defender os direitos e as necessidades da Madeira, das RUP, do país e trabalhar com os parceiros europeus na construção duma Europa unida, coesa e próspera.

FN – Como considera que a Região poderá melhorar a sua estratégia no domínio da economia do mar, perante as restrições imposta pela União Europeia para a exploração da nossa própria zona económica exclusiva, e ao mesmo tempo alguns benefícios obtidos, como a renovação da nossa frota pesqueira?

MP – As limitações impostas pela União Europeia ao sector das pescas são para todo o espaço europeu, têm como objectivo assegurar a sustentabilidade das pescas, de maneira a que possamos aceder aos recursos do mar num quadro de equilíbrio, mas têm o problema de tratar igual o que é diferente. O sector das pescas na Madeira é artesanal, e por isso não deve ser condicionado por normas e directivas comunitárias dirigidas à grande indústria da pesca, à pesca industrial. As autoridades regionais há muito que deviam ter concertado com o Governo da República a entrega em Bruxelas de um estudo que permitisse classificar e proteger as artes de pesca artesanal da Madeira. Nunca o fizeram. Entendemos que este sector é vital para a Região e por isso centramos os nossos objectivos em três pilares: obter de Bruxelas o reconhecimento da pesca artesanal; consagrar apoios para a renovação da frota de maneira a que as futuras embarcações sejam dotadas de condições de conservação do pescado mas também de trabalho e acomodação dos pescadores. Depois é preciso compaginar a política europeia das pescas com a economia azul. Somos um grande país e muitas vezes esquecemo-nos de que é o mar que nos dá grandeza. As decisões que a União Europeia venham a tomar sobre o mar, em particular a gestão dos recursos marinhos e a implementação de novos projectos, devem ter como fundamento a ciência, com estudos científicos devidamente validados, para que os políticos, decisores e responsáveis pelas empresas possam tomar as decisões acertadas. A Madeira é uma mais-valia para a União Europeia devido à sua projecção oceânica e geoestratégica mundial, contribuindo para que Portugal seja a terceira Zona Económica Exclusiva da União Europeia e a 11.ª do mundo. Cerca de 11% da ZEE da UE pertence a Portugal.

FN – Qual é a sua posição relativamente à necessidade de equilíbrio ambiental e paisagístico na RAM (até por causa do turismo) mas ao mesmo tempo de investimento na área da energia (ex: central hidroeléctrica da Calheta, com impacto ambiental no Paul da Serra) ou outros investimentos, como a tão polémica aquacultura?

 MP – As nossas posições nestes domínios são muito claras e sem dogmatismos. Não podemos comprometer o nosso presente, muito menos o futuro das novas gerações. Teremos de saber compatibilizar investimentos que são fundamentais, como os referidos, com o equilíbrio ambiental e paisagístico. Mas temos de ser audazes e saber o que é importante para o nosso desenvolvimento económico e social. O CDS entende que acabou o tempo das obras à pressa, de fazer apenas porque há dinheiro, sem estudos de impacto ambiental, de viabilidade e da própria prioridade ou necessidade. Por outro lado, existem metas europeias para a energia limpa – o que é importante do ponto de vista ambiental – que a Região tem de atingir. O projecto do Paul da Serra só avançou depois de apresentados os respectivos estudos, agora é importante que a União fiscalize se o Governo Regional cumpre com a reflorestação prevista. O mesmo deve ser exigido para a piscicultura. É uma área que ajuda a criar riqueza e emprego, mas os investimentos têm de ser suportados em estudos científicos independentes para que a Região possa compatibilizar o desenvolvimento da economia azul com o equilíbrio do meio marinho.

FN – É uma defensora intransigente do Centro Internacional de Negócios da Madeira, apesar de todas as suspeitas que têm caído sobre o mesmo ao longo dos anos? Qual a sua posição e porquê? Não tem quaisquer dúvidas a respeito? Muitas têm sido suscitadas, inclusive sobre se o CINM não inflaciona artificialmente o nosso PIB privando-nos assim de determinados apoios comunitários…

MP – Os ataques ao Centro Internacional de Negócios são de uma enorme ingenuidade política e de um sectarismo exacerbado. Disse bem, suspeitas, porque, na realidade, nunca nenhum dos críticos apresentou provas daquilo que eles próprios acusam o Centro de ser. Nunca houve qualquer condenação por violação das regras comunitárias. Há agora uma investigação, vamos esperar para ver, mas espero sinceramente que o Centro continue porque não há outra maneira de compensar a receita fiscal que gera. Não foi o CINM que inflacionou o PIB, foi o Governo Regional que, como sabe, empolou o contributo do Centro na formulação do PIB, o que determinou a saída da Região do Objectivo 1, com a consequente redução dos fundos comunitários. É imperioso tratar destas questões com responsabilidade, percebendo que o Centro Internacional de Negócios da Madeira gera mais de 3.000 postos de trabalho directos, contribui directamente para a economia da Região através dos impostos nele cobrados e dá alento a muitas actividades económicas.

FN – Qual a sua posição sobre os sectores tradicionais da economia da RAM e a melhor forma de os desenvolver na actual realidade? A agricultura mereceria uma maior aposta? Defendeu um regime especial para a mesma…

MP – Uma das proposta inovadoras do CDS na Europa será obter um Regime Específico para a agricultura em poios. É um projecto de uma enorme relevância porque se entrecruza com outras áreas que precisam de uma intervenção urgente, como a paisagem. Os poios são um património etnográfico e cultural único da Região. Simbolizam a tenacidade do nosso povo, a sua capacidade para reinventar a sobrevivência, utilizando todos os pedacinhos de terra para o cultivo de produtos, mas ao mesmo tempo que faziam isso estavam a ajardinar a paisagem da Madeira. Temos de recuperar este património com a ajuda da Europa. A Europa terá de premiar e apoiar projectos com que tenham por base a sustentabilidade, o equilíbrio e a preservação da paisagem, mas também a economia local, funcionando ainda como alavanca do turismo. O próximo quadro financeiro terá de garantir também os apoios à cultura da banana e do vinho.

FN – Denunciou há tempos insucesso escolar na Região, apesar do discurso frequentemente triunfalista do Governo Regional neste domínio. O que poderia ou deveria ser feito para melhorar a educação na RAM?

MP – A solução para melhorar o sucesso escolar na Região não passa directamente pela União Europeia. No entanto, se os responsáveis pela educação na Região estivessem mais atentos às directivas e projectos da EU para a redução do insucesso, talvez a Madeira estivesse nos primeiros lugares dos rankings. Temos todas as condições: excelentes escolas, excelentes professores, um dos mais baixos rácios professor-aluno. Pela investigação e contactos que tenho feito com professores, o maior problema reside na instabilidade das políticas educativas que mudam todos os anos e, às vezes, até dentro do mesmo ano lectivo, o que leva ao excesso de burocracia e à falta de estratégia educativa a médio longo prazo. Os programas e métodos de ensino estão totalmente ultrapassados, desligados da realidade e das motivações dos alunos e até da Estratégia Europeia. Defendo uma maior proximidade e ligação dos eurodeputados às Escolas, bem como, o apoio às candidaturas aos Projectos Europeus nesta área. A minha experiência nos projectos Erasmus+ de mobilidade de alunos e professores mostra que a partilha de experiências entre parceiros escolares melhora a prática pedagógica, tanto de ensino, por parte dos professores, como de aprendizagem, por parte dos alunos, o que aumenta a motivação de ambos e, consequentemente, pode melhorar o sucesso escolar.

FN – Acha que os madeirenses compreendem realmente a importância das eleições europeias? Acha que os partidos as estão a encarar como uma espécie de balão de ensaio para as eleições que se seguem num ano tão concorrido em actos eleitorais? E que uma tal leitura seria legítima ou sinalizaria posições e tendências do eleitorado?

MP – É pena que os madeirenses ainda não tenham uma noção forte da importância da União Europeia para aquilo que é hoje o desenvolvimento económico e social da Região e para a significativa melhoria da qualidade de vida de que beneficia a população. Nas minhas acções de rua tenho feito um grande esforço para levar as pessoas a votar, explicando-lhes que se não o fizerem outros tomarão o seu lugar e podemos ter um Parlamento Europeu onde populista e nacionalistas tenham a capacidade para decidir o nosso futuro e o futuro da Europa. Acho que não desejamos que isso aconteça. Por isso, extrapolar o resultado das eleições europeias para o contexto regional, não me parece sensato. São realidades muito distintas e desvaloriza a importância das eleições para o Parlamento Europeu.

FN – O que deveria ser mudado na nossa realidade em termos de transportes aéreos e marítimos de e para a RAM? O seu partido tem um pendor liberal, mas tem-se visto que a liberalização não é uma panaceia, pelo menos nos moldes em que tem sido aplicada…

MP – Os transportes aéreos e marítimos são dos temas que mais intervenção e paixão suscitam nas populações. O que quer dizer que interessam muito às pessoas. Os partidos têm de ter esse aspecto em atenção. A par da saúde, nenhum outro tema como o ferry e as ligações áreas convoca os madeirenses e porto-santenses à cidadania. O que é preciso alterar é a maneira como este tema tem vindo a ser tratado pelo Governo da República, que não cumpre a Constituição naquilo que está consagrado como princípio da continuidade territorial, mas também teremos de ter eurodeputados com disponibilidade no Parlamento Europeu para fazer valer o princípio da ultraperiferia, e exigir um reforço dos fundos para a coesão territorial, em particular para uma linha ferry durante todo o ano e um aumento das frequências nas linhas aéreas.

FN – Como vê um sector que tem dado substanciais preocupações ao cidadão, como o da Saúde e o dos assuntos sociais? O que deveria ser feito e melhorado? A situação na Saúde é aceitável?

MP – Como sabe, na área da Saúde, o CDS Madeira tem muito património e um trabalho notável. Sempre a pensar no direito dos madeirenses e porto-santenses a cuidados de saúde com qualidade e dentro dos tempos considerados aceitáveis. O CDS entende que o estado a que a saúde chegou na Região, com uma interminável lista de espera para cirurgia, exames de diagnóstico e consultas de especialidade, é uma situação única numa região que integra a Europa desenvolvida. E por isso entendemos que a União deverá ajudar a Madeira a reconstruir o Sistema Regional de Saúde, dentro do qual se integra a construção do novo hospital.