“A Europa impõe uma agenda que não corresponde à vontade dos povos e a Madeira deve inverter as prioridades”, defende o candidato do Bloco às europeias

“É importante trabalhar internamente, alterar as políticas e não estar sempre a mandar as culpas para o exterior. Não podemos continuar a fazer marinas para deitar ao mar, passeios marítimos”, defende Rui Ferrão, candidato do BE Madeira às europeias de 26 de maio. Foto Rui Marote

Rui Ferrão é o candidato do Bloco de Esquerda Madeira na lista nacional do partido às eleições europeias de 26 de maio. Professor de História, dá aulas no Caniçal há 18 anos. Depois de passar por uma escola de Machico. É natural de Coimbra mas chegou à Madeira em 1999. Não é de estranhar que recorra à disciplina que lecciona para explicar, de certo modo, o que se passa na Europa. É como se estivessemos perante aquela frase que tantas vezes ouvimos: a história repete-se. “Faço uma analogia quase perfeita ao que se passou nos anos trinta. A desagregação é tanta que está a afastar as pessoas, que se sentem desprotegidas. E quando as pessoas se sentem assim, acabam por aderir a movimentos extremistas, sejam de direita ou de esquerda”.

Militância sempre na esquerda progressista

Olha o contexto europeu como importante para a defesa do povo, mas mostra-se crítico na forma como a Europa está posicionada em defesa dos interesses económicos. Aqui está a diferença do que defende o candidato e do que existe no lugar para o qual se propõe ocupar se tiver “luz verde” do eleitorado.

Estava ainda na Faculdade quando o então PSR fez-lhe despertar os primeiros passos na ação política. Deu lugar, depois, ao Bloco de Esquerda. Na Madeira, nem era BE, era ainda a UDP. “A minha militância sempre foi nessa esquerda progressista”, esclarece para quem pudesse eventualmente ter dúvidas dos propósitos que o movem nesta e noutras lutas. E foi assim que, há dois anos, com maior disponibilidade e com uma vontade de participar mais, decidiu ser “aderente” ao Bloco na Madeira, sim “aderente” porque no BE é assim, aderente em vez de militante. Foi convidado para a lista do Paulino Ascenção, que ganhou. Integra a comissão coordenadora e a comissão política. Daí até um lugar na candidatura europeia foi um passo. “O Bloco considerou que eu estaria em condições de ser candidato e abracei este desafio com o espírito de missão. Vou crescer na política e já tenho aprendido muito. Estava afastado da política ativa e, mais do que isso, nunca tive esta exposição pública”.

Não vejo nada de bom para o futuro

Está de “corpo e alma” neste desafio do Bloco, que em termos de lista europeia tem Marisa Matias, atual eurodeputada, como número um. Deita “contas” à Europa, hoje, e não gosta do que vê. “A União Europeia caminha para o precipício. Com esta integração desigual, com este convívio das duas grandes famílias europeias, que têm conduzido politicamente a UE e têm dado um cunho ultraliberal à Europa, não vejo nada de bom para o futuro, uma vez que essas políticas têm sido contraditórias relativamente ao que esteve subjacente à criação deste bloco europeu, que era no sentido da coesão e da convergência”.

Não temos segurança nos empregos, temos vindo a perder direitos

Para Rui Ferrão, esta linha orientadora tem feito com que as pessoas percam a noção da importância das instituições europeias, “só olham a Europa quando veem os cartazes com os apoios dados pelos fundos europeus às infraestruturas. Na vida do dia a dia, aquilo que as pessoas acham é que a Europa não acompanhou os seus objetivos e há um pouco a sensação que os princípios foram desvirtuados. Não temos segurança nos empregos, temos vindo a perder os direitos que conquistámos durante anos em democracia, como é a Europa. Mas é preciso que se diga que a Europa deve ter uma democracia para as pessoas e ultimamente tem sido uma democracia para os grupos económicos. As pessoas têm sofrido com isso”.

O candidato bloquista dá o exemplo do governo da República, “quando todos diziam que não havia alternativa”, para explicar que, por vezes, “é importante que as pessoas entendam que existem soluções, que não aquelas defendidas pelo ultraliberalismo”. Só que, no âmbito europeu, lembra, “os governos dos países têm pouco poder de decisão, é como se valesse pouco a representatividade dada, em democracia, pelos respetivos eleitorados nacionais. Os nossos governos acabam por se sujeitar às orientações de Bruxelas. E o Bloco de Esquerda não aceita isso. A Europa não pode continuar a impor as suas regras como se os países não tivessem governos eleitos. E isso não pode ser. A Europa impõe uma agenda que não corresponde à vontade dos povos e os portugueses, penso, já estão a ver isso mesmo”.

Europa deve estar virada mais para o social

Neste quadro negativo de imposição, por parte dos poderes de decisão, em Bruxelas, aos respetivos governos dos países, como é que é compaginável com a missão, sempre difícil quando estamos perante eleições europeias, de convencer o eleitorado a votar, combatendo os elevados níveis de abstenção. O candidato reconhece que para o cidadão comum “é difícil receber uma mensagem positiva quando vê este cenário negativo da Europa. Mas é importante dizer que a Europa, em vez de ter uma visão economicista, deve ter uma política mais virada para o social. E isso só se consegue mobilizando as pessoas. Os orçamentos europeus devem ter um objetivo que vise o desenvolvimento económico sustentável, mas apoiando fortemente o investimento público e promovendo o Estado Social. As pessoas iam ver nisso uma forma de convergência importante, iam ver que vale a pena esta integração”.

Rui Ferrão vai dizer ao eleitorado aquilo que ganha com uma eleição de mais um eurodeputado do Bloco, um eurodeputado do BE pela Madeira. “Vou sobretudo defender o investimento nas pessoas, a recuperação dos direitos do trabalho, com medidas concretas. Esta ideia de uma Europa para as pessoas ganha força com eurodeputados do Bloco. E a Madeira, particularmente, só terá a ganhar com isso, encontrando um novo futuro e mudando um pouco o modelo que até ao momento tem vigorado e que entretanto se esgotou. E é importante pensar no presente, mas também no futuro, no futuro dos nossos filhos, preparar a Europa para eles”.

“A Europa não pode continuar a impor as suas regras como se os países não tivessem governos eleitos”. Foto Rui Marote

O perigo dos nacionalismos

Para o candidato do BE, há um perigo iminente na forma como as pessoas estão a ver este projeto europeu em contraciclo com os princípios. O descontentamento é latente e, com isso, surgem os movimentos nacionalistas. “Sem soluções, as pessoas procuram outras alternativas, de protesto, nascendo assim uma frente de radicalismos. É preciso dizer às pessoas que existem outros caminhos, que uma Região como a Madeira pode beneficiar dos fundos canalizando-os mais para uma área social, dizer no fundo que vale a pena defender a Europa, não pelo nacionalismo, mas pela defesa das pessoas. É impossível manter, durante muito tempo, um projeto assente nas desigualdades. E é preciso incentivar a mudança”.

A defesa das ultraperiferias representa um dos fatores determinantes para Regiões como a Madeira e os Açores, num contexto da Europa solidária, a Europa da coesão. Só que o problema, na perspetiva do candidato do Bloco, coloca-se precisamente na forma como as verbas resultantes dessa ultaperiferia estão a ser aplicadas. Diz que “os apoios têm sido canalizados, ora para obras de utilidade duvidosa, ora para obras completamente inúteis. E por isso, a partir de agora, mesmo que sejam importantes ainda algumas infraestruturas, os dinheiros da Europa deveriam ser aplicados para as questões sociais, para dar segurança de futuro aos nossos filhos”.

Está consciente que os próprios critérios que presidem à criação dos fundos já estão condicionados a uma agenda ultraliberal, “acabando por canalizar as verbas para áreas pré definidas em consonância com essa política e não de acordo com as necessidades das pessoas”.

É preciso mudar prioridades na Madeira

Responsabiliza o Governo Regional por “não ter criado uma política sustentável para a Madeira”. Aponta as “taxas de desemprego e as taxas de pobreza” como sintomáticas dessa realidade. “A Madeira tem tudo para dar certo mas é preciso mudar prioridades. É importante trabalhar internamente, alterar as políticas e não estar sempre a mandar as culpas para o exterior. Não podemos continuar a fazer marinas para deitar ao mar, passeios marítimos. Mais betão, não”.