Pedrógão Grande e Valdemar pequeno

Soube-se bem recentemente que o Ministério Público (MP) arquivou o inquérito a uma alegada fraude na distribuição de donativos aos lesados do incêndio de 2017, em Pedrógão Grande, conforme anunciou a Câmara Municipal, frisando, ainda para maior perplexidade pública, que já esperava este desfecho. Elementar, caro Valdemar!

Segundo nota do exemplaríssimo autarca, “A autarquia e o seu presidente não esperavam outro resultado, face à transparência e lisura que sempre foram a marca dos seus procedimentos”. Afinal, é Carnaval, ninguém leva a mal.

Valdemar Alves e a Câmara Municipal “nunca deixaram de confiar na atuação do MP, que se deteve no rigor dos factos e se manteve imune às campanhas persecutórias que lhes estão a ser movidas, com puras motivações políticas e cegamente indiferentes às consequências para o bom nome dos pedroguenses e para a generosidade dos cidadãos”, acrescenta a notazinha.

O desafio é tentar ler sem rir… de indignação e revolta.

Só falta esclarecer se realmente houve incêndios e lesados!!! Houve??? Por este andar, a próxima nota da autarquia será um categórico desmentido. Montes de “lata” é coisa que por ali não falta na consciência. Prestar contas? Vou ali e já venho.

Na mesma ordem de ideias, o BPN foi de uma transparência e lisura absolutamente inquestionáveis, os vistos Gold, idem, idem, os submarinos, aspas, aspas, Dias Loureiro, outrossim, entre tantos outros casos de “transparência” e “lisura”.

Tudo muito bem investigadinho e ainda mais cuidadosamente arquivadinho. Como dizem os nossos vizinhos, “no pasa nada”. “Não me surpreende”, admitiu o autarca, declarando que “a investigação repôs a verdade”, a que lhe convinha.

Com este desfecho, o que daqui se retira é que a solidariedade dos portugueses e a sua vontade de contribuir para o auxílio aos seus semelhantes desafortunados vão com toda a certeza aumentar exponencialmente. É, não é?

Ainda mais esdrúxulo é que mesmo antes de se fazer um inquérito houve quem desse corda aos sapatos e daí ao arquivamento parece ter sido “um vê se te avias”. De resto, indícios e provas, cada vez mais invariavelmente, são engolidos pela voragem de uma justiça “Triângulo das Bermudas”.

Mais rápido que uma bala. Mais forte que uma locomotiva. É um pássaro? É um avião? É o Super-Homem? Não. É a Super-Justiça portuguesa!

Assim se percebe o “país dos brandos costumes”, ou melhor, o país do banditismo consentido e, caso após caso, estimulado. Bem se diz que a fome é amiga da vontade de comer. Produtos a deteriorarem-se, colchões ainda por desembalar, eletrodomésticos por desencaixotar, ano e meio depois, quase à velocidade da luz!!! Nada mais natural. Nem o estado caótico dos donativos em armazém, nem três assaltos depois, fizeram a Câmara ou a Cruz Vermelha atuarem de forma a garantir a segurança dos bens. Muito pelo contrário.

“O crime não compensa”, dizia-se, mas neste país com muita lei e muito pouca  justiça, a máxima vai ganhando contornos cada vez mais próximos de delírio romântico. Em bom rigor, investigue-se e arquive-se são gémeos siameses, conclui-se sem pingo de pasmo.

Estou absolutamente certo que os portugueses não cabem em si de contentamento com este “final feliz”, e os emigrantes que também generosamente contribuíram, por esta altura, sentirão pela certa um desejo cada vez mais incontido de regressar a este país de sonho. A frase “Ou há moralidade ou comem todos”, traduzindo o sentido de igualdade perante a lei, sem discriminação ou nepotismo, é hoje, e já de longa data,  qualquer coisa muito aparentada com ficção científica. Talvez seja bem mais provável haver vida no Sol.

Afinal, no que toca à justiça, é tudo tão estranho que já ninguém estranha. É tudo tão anormal que o normal é que gera desconfiança. Desde quando é que o dinheiro fala? Fossem cheques e talvez fosse possível provar. Nada mais normal que só o sôr presidente, a mulher e o filho soubessem do total das quantias ou bens doados para alegadamente poderem controlar tudo sem atrapalhos ou comprometedores rastos, presume-se.

Como não houve registos de coisa nenhuma, nada se pode provar nem, muito menos, responsabilizar criminalmente quem escondeu tudo à frente de todos. Impunidade total, cortinas de fumo, silêncios comprometidos, mentiras, o vale-tudo e zero consequências, eis o argumento deste “filme noir”.

De acordo com fonte judicial, a investigação deparou-se com uma “dificuldade insuperável”. A fonte explica que em relação aos donativos doados “às instituições, estas dispunham de listagens dos bens doados, mas isso já não acontecia com os cidadãos particulares que agiram movidos pela solidariedade sem guardarem qualquer fatura das compras efetuadas”.

Calculo que ainda se vai chegar ao cúmulo de arquivar casos que ainda nem foram cometidos. Só para adiantar serviço. Em todo o caso, desengane-se quem pensa que isto fica assim. A memória desta como de tantas outras alegadas malfeitorias só irá sobreviver até ao próximo jogo de futebol ou ao próximo reality show

Da próxima vez que o sôr presidente fizer outra que tal, leva logo com uma condecoração, assim mesmo, sem dó nem piedade!