OCM interpreta Concertos Grossos do compositor setecentista Pereira da Costa; primeiro concerto é no sábado

Foto Rui Marote

A descoberta do compositor madeirense setecentista António Pereira da Costa (c.1698-1770) e das suas obras é o que propõe a Orquestra Clássica da Madeira para a presente temporada, com a interpretação do ciclo completo dos seus 12 Concertos Grossos. O Concerto Grosso nº 1 integra o programa da apresentação que a OCM vai realizar no sábado, dia 26 de Janeiro, pelas 18 horas, no Salão Nobre da Assembleia Legislativa da Madeira, e para a qual já se encontram esgotados os bilhetes.

Este evento insere-se no “Ciclo Jovens Solistas” e apresenta como convidado o jovem violinista Daniel Perzhan, na interpretação do famoso Concerto nº 1 de Max Bruch para violino e orquestra. Porém, este concerto da OCM principia ainda com uma outra nota de interesse, nomeadamente uma obra da autoria deste mesmo jovem músico, intitulada “Ilhas Selvagens”. Trata-se, explica o director artístico da OCM, Norberto Gomes, de “uma peça escrita na Madeira em 2016, numa linguagem muito ritmada e de estética muito acessível à primeira audição”. Daniel é um violinista que iniciou a sua formação na Madeira, mas neste momento prossegue a sua carreira como formando da Licenciatura no Real Conservatório de Amesterdão.

A Orquestra Clássica sublinhou ontem em conferência de imprensa, a importância da primeira audição moderna do 1º Concerto Grosso do compositor madeirense António Pereira da Costa, que vem abrir a interpretação dos 12 Concertos Grossos deste compositor cuja obra foi editada em 1741 na Grã-Bretanha, o que lhe dá uma dimensão internacional, não só pela própria edição mas por ser o único português a escrever nesta forma musical a par dos seus congéneres europeus que escreveram também 12 concertos grossos como Corelli ou Haendel.

Concretamente, este concerto, que será dirigido pelo maestro convidado Pedro Neves, terá o seguinte programa:

Daniel Perzhan [n. 1999] – Ilhas Selvagens [2016]

Max Bruch [1838-1920] – Concerto para violino e orquestra Nº1, Sol menor, Op.26 [1866]

António Pereira da Costa [c.1698-1770] – Concerto Grosso Nº1 [*]

Franz Schubert [1797-1828] – Sinfonia nº 4, Dó menor, D.417 [1816]

Foto Rui Marote

Acerca deste concerto, a OCM realizou ontem uma conferência de imprensa no Colégio dos Jesuítas, no Funchal que contou com  presença de Vanda Jesus, presidente da direcção da ANSA – Associação Notas e Sinfonias Atlânticas, que gere a Orquestra Clássica da Madeira; do maestro Pedro Neves; do director artístico da OCM, Norberto Gomes; e do investigador Paulo Esteireiro.

Na oportunidade, Vanda Jesus sublinhou que é missão da OCM “formar as pessoas e contribuir para a elevação cultural da população”. Nesse sentido, sublinhou o papel desempenhado por Paulo Esteireiro, investigador associado a esta temporada, na revelação destes concertos de um compositor madeirense, das primeiras obras a serem editadas e ainda por cima a nível internacional.

Conforme revelou Norberto Gomes, os investigadores Paulo Esteireiro e Rui Magno Pinto sugeriram a divulgação de obras de criação madeirense nesta temporada, tendo sido acertada, então, a interpretação destes Concertos Grossos, considerados de “incrível interesse e qualidade”.

O ciclo total dos concertos será interpretado até 15 de Junho, distribuído ao longo da temporada da OCM. O maestro Pedro Neves sublinhou também as qualidades desta “magnífica iniciativa”, e referiu-se a estes Concertos Grossos considerando que os mesmos têm “potencial para crescer”. O maestro explicou que a música não é redutível àquilo que se encontra escrito no papel: tem a ganhar com a sua crescente investigação e interpretação. Quanto mais é tocada, mais “tem hipótese de crescer”. E, na sua perspectiva, estes concertos de António Pereira da Costa são “realmente bons” e têm “potencial de crescimento enorme”.

Paulo Esteireiro, por seu lado, relevou o ciclo que homenageia a obra de Pereira da Costa, mestre de capela da Sé do Funchal no séc. XVIII e cujos concertos, por terem sido publicados em Londres em 1748, assumem uma relevância que se destaca na história da música madeirense e portuguesa, até porque, na época, a música orquestral tinha menos expressão na Madeira.

Da investigação realizada, por uma equipa da Secretaria Regional da Educação e que contou com outras colaborações, como a de Giancarlo Mongelli, docente do Conservatório, resultou que estas partituras estão online há alguns meses, tendo inicialmente tendo sido fotografadas desde a British Library, numa pesquisa trabalhosa. Esta primeira audição moderna do ciclo integral dos 12 Concertos Grossos muito contribuirá para a divulgação destas criações, na actualidade.

Este músico madeirense, explicou Paulo Esteireiro, era um pouco uma “figura misteriosa”. Especulava-se que na realidade as obras que lhe eram atribuídas eram da autoria de um outro músico famoso na época, e que nem era português. No entanto, a sua identidade foi de facto estabelecida, como criador destes 12 Concertos Grossos; o lado negativo é que se concluiu afinal que certas obras para guitarra que se lhe atribuiam, afinal não são dele.

No final da interpretação destes Concertos Grossos, adiantou, será realizada uma edição completa das partituras, para que possam ser interpretados por outras orquestras.

As entidades presentes salientaram também na oportunidade o interesse de uma outra iniciativa que vai ser desenvolvida pela OCM, o ciclo “Os Nossos Instrumentos”, em que serão utilizados, por exemplo, machete e rajão e viola, construídos na RAM e alguns dos quais antigos, realizados por antigos construtores madeirenses.

O maestro convidado

Pedro Neves é maestro titular da Orquestra Clássica de Espinho, assumindo o cargo de maestro convidado da Orquestra Gulbenkian. Actualmente é doutorando na Universidade de Évora, sendo o seu objecto de estudo as seis sinfonias de Joly Braga Santos.

Pedro Neves foi maestro titular da Orquestra do Algarve entre 2011 e 2013, e é convidado regularmente para dirigir a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, a Orquestra Sinfónica Portuguesa,  a Orquestra Metropolitana de Lisboa, a Orquestra Filarmonia das Beiras e a Joensuu City Orchestra (Finlândia).

No âmbito da música contemporânea tem colaborado com o Sond’arte Electric Ensemble, com o qual realizou estreias de vários compositores portugueses e estrangeiros, realizando digressões pela Coreia do Sul e Japão, com o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, e com o Remix Ensemble Casa da Música.

É fundador da Camerata Alma Mater, que se dedica à interpretação de repertório para orquestra de cordas, e com a qual tem recebido uma elogiosa aceitação por parte do público e da critica especializada.

Pedro Neves iniciou os seus estudos musicais na sua terra natal, estudou violoncelo com Isabel Boiça, Paulo Gaio Lima e Marçal Cervera, respectivamente no Conservatório de Música de Aveiro, Academia Nacional Superior de Orquestra em Lisboa e Escuela de Música Juan Pedro Carrero em Barcelona, com o apoio da Fundação Gulbenkian. No que diz respeito à direcção de orquestra estudou com Jean Marc Burfin, obtendo o grau de licenciatura na Academia Nacional Superior de Orquestra, com Emilio Pomàrico em Milão e com Michael Zilm, do qual foi assistente. O resultado deste seu percurso faz com que a sua personalidade artística seja marcada pela profundidade, coerência e seriedade da interpretação musical.

Em 2013 e 2014 teve compromissos com as mais importantes orquestras portuguesas, dos quais se destacam a realização de um programa dedicado a Luís de Freitas Branco, com a Orquestra Gulbenkian, um programa dedicado a Poulenc com a Orquestra Sinfónica Portuguesa e um programa dedicado à morte e ressurreição com a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, interpretando obras de Messiaen e Mahler.

Daniel Perzhan, solista

Nascido em 1999 no seio de uma família de músicos, Daniel Perzhan iniciou os seus estudos de violino no “Gabinete Coordenador de Educação Artística” (GCEA) (Funchal, Madeira) no ano de 2005 na Classe da Professora Nana Khachkalyan. No ano de 2014 prossegue os estudos no “Conservatório-Escola Profissional das Artes da Madeira” (CEPAM) na Classe do Professor Norberto Gomes. Durante estes períodos de formação, ganhou vários prémios em concursos para jovens violinistas, tanto no GCEA, como também no CEPAM.

Esteve presente em dois estágios da OJ.COM em 2015 e 2016 nos Açores e no Porto sobre a direcção dos maestros Ernst Schelle e Pedro Andrade. Em Dezembro de 2016, foi seleccionado para o estágio da OJ.COM 2017 na Madeira para desempenhar o cargo de Concertino, sob direcção do Maestro Pedro Neves. Fez também parte do 1º Estágio da Orquestra Académica da Madeira sob a direcção do Maestro Francisco Loreto em 2016, repetindo a sua presença no 2º Estágio da mesma, no cargo de Concertino, em 2018.

Participou em várias master classes com professores de reconhecido mérito pedagógico, onde destaca Ilya Grubert, Alissa Margulis, Aníbal Lima, Eliot Lawson, Igor Gruppman, entre outros.

Sob direcção pedagógica dos docentes Robert Bramley e Francisco Loreto, integrou a Orquestra Académica do CEPAM, assim como a Orquestra de Cordas com orientação do professor Volodymyr Petryakov.

Durante este período de formação, foi convidado para participar em forma de estágio pedagógico na Orquestra Clássica da Madeira sob a batuta dos Maestros Luís Andrade, Igor Gruppman, Gianluca Marcianò e Yan Mikirtoumov.

Daniel Perzhan nutre um especial interesse pela composição, tendo já estreado a obra “Ilhas Selvagens” pela Orquestra Académica, assim como “Tam Bo P” pela Orquestra de Cordas. Foi também vencedor com o tema “Artes para sempre”, em cooperação com a sua colega Patrícia Khachkalyan Gomes, do concurso para a composição do Hino do Conservatório-Escola das Artes da Madeira.

Desde Setembro de 2017, estuda na classe dos professores Ilya Grubert, Maria Milstein e Eliot Lawson no Conservatório de Amesterdão na Holanda.