Um ano (também) de vergonha

icon-henrique-correia-opiniao-forum-fnTerminamos 2018, olhamos para trás e não nos vem à cabeça outra coisa que não seja a expressão “é uma vergonha”. Vou meter “tudo no mesmo saco”, como se diz popularmente. Tudo o que, este ano, foi notícia pelas piores razões, Justiça num vai e vem sem credibilidade, Política num vem e vai sem responsabilidade, entre falsas presenças no Parlamento, residências a norte para tirar proveitos a sul, viagens às ilhas com “dinheiro ao bolso”, de forma tão legal quanto a necessidade sentida, depois, de alterar procedimentos, enfim um conjunto de situações que colocam os nossos representantes num patamar muito por baixo. Não se sabe se por uma questão de defeito ou de feitio, começam a ser muitos os casos com muito pouca atitude que corresponda ao que é exigível a quem nos representa. Representar o povo, em contexto democrático, é outra coisa.

Não há vergonha na cara, vivemos num País sem vergonha, onde tudo é possível e as maiores anormalidades são vistas de forma corporativa, em alguns casos juntando-se direita e esquerda (se é que há hoje direita e esquerda) na defesa de inconfessáveis situações, que se não são ilegais, são claramente imorais. E é preciso que, além da legalidade, também haja moralidade. Não há outra forma de classificar o que temos assistido, no domínio dos casos de Justiça, onde se arrastam processos com muitos lesados e poucos presos, no domínio dos casos de política, de políticos melhor dizendo, mas que a política tem grandes responsabilidades, pela incompetência, por uns, pela inércia e pela falta de caráter, por outros, que permitem todos estes episódios onde a sensatez não é o forte de quem nunca podia tê-la, por convicção que o “status” lhe dá, e por deformação, se calhar da formação que nunca teve.

Andamos metade da vida a “filosofar” e a “dissertar” sobre consequências, ensinando os nossos filhos que há consequências para isto, consequências para aquilo e que, face a isso, é preciso ter em atenção os atos, uma vez que, cada um deles tem uma consequência que, cada um, por si, deve assumi-la. Andamos metade da nossa vida nisto, a outra metade andam os nossos filhos a constatar que, afinal, é tudo ao contrário. Há um “mundo”, com grandes responsabilidades, ainda por cima com o nosso voto, a brincar com o poder, a poder brincar com o poder que tem e a poder fazer tudo sem consequências, explicando o inexplicável, como se todos vivêssemos nessa anormalidade de pensamento, nessa preocupante forma de estar, onde tudo é possível. E o povo entregou o presente e o futuro nas mãos desta gente. Gente que faz e gente que não atua, que desculpa permanentemente atitudes completamente reprováveis, não interessa se há situações do foro privado que vêm a público, se é um caso de polícia também, mas o que está em causa são as situações em si, que não podem, seja de que forma for, estar num plano de desculpabilidade como que assumida por decreto.

Por cá, um senhor deputado do PS-M (apanhado num vídeo de cariz sexual, em situação embaraçosa), precisamente por ser deputado, deveria ter uma atitude redobradamente cuidada para evitar situações desta natureza. Foi há quatro anos? Tem direito à sua privacidade? Claro que tem. Houve violação da privacidade? Claro que sim. Não quer ter essa preocupação? Não ocupe cargos públicos. É simples. Não consegue fazer essa avaliação para retirar daí as suas consequências, que não seja apenas pedir desculpa? Está desculpado para quem quiser desculpar, mas para continuar a decidir pelo povo é outra história. E se o próprio não vê isso, alguém de bom senso, os líderes por exemplo, devem ver, têm obrigação de ver. Se tiverem bom senso e se quiserem dar uma imagem de credibilidade e não de inconsequência, que nesse caso o povo pode entender como comportamento padrão coletivo e não individual.

Tanto esta atitude do deputado do PS-M, como aquela em que foi protagonista o deputado do PSD-M, supostamente fugindo à polícia numa operação stop, com contornos de irresponsabilidade pessoal, que arrasta a de parlamentar, são completamente reprováveis. São ocorrências do foro pessoal, são. Mas a partir do momento em que ocorrem com figuras públicas, o caso muda de figura. “Quem não quer ser lobo não vista a pele”. A situação tem, inevitavelmente, consequências para os partidos, embora existam responsáveis que nem ligam a isso em matéria de decisões que clarifiquem aquilo que os partidos pensam, se são ou não coniventes com estes comportamentos. Não ligam até um dia em que, eles próprios, fiquem com a imagem “colada” a isto.

Claro que tanto Miguel Albuquerque como Emanuel Câmara deveriam ter assumido uma posição de condenação pública por estes atos. De forma clara. Deveriam falar claro ao povo e não com meias palavras, a medo, como se estes comportamentos pudessem ser esbatidos pelo silêncio, quando na realidade, com esse silêncio, até são ampliados. Julgo que devem ter falado com os visafos, mas o povo precisa saber o que pensam além do recato partidário. É uma questão de prestação de contas a que estão obrigados.

No caso do PSD-M, felizmente para o próprio PSD-M, o deputado decidiu sair. E fez bem, retirou uma “carga negativa” sobre os ombros de Albuquerque. Sejamos justos. Embora essa decisão pecasse por tardia e talvez nunca tivesse acontecido se o caso não viesse a público, a verdade é que houve uma saída mais ou menos digna. Ficou mal na mesma, uma vez que essa decisão deveria ter ocorrido logo após o episódio, por modo próprio, mas mesmo assim é melhor tarde do que nunca. No fundo, o mal menor.

No caso do PS é mais grave, quem pode “pagar” é Cafôfo, que certamente ficou “entre a espada e a parede”, porque efetivamente o comportamento deste PS institucional, em termos estratégicos visando a transparência, põe em causa o candidato a presidente do Governo, que quer queiram quer não, tem aparentemente uma equipa próxima mais atenta e cuidada nestes domínios e certamente não recebeu este “incidente” de sorriso na cara. Mesmo que saibamos que uma coisa é o PS-M antes das Regionais de 2019, outra coisa será o PS-M depois, com Cafôfo a perder ou com Cafôfo a ganhar.

A política, da forma como está, em termos globais, bateu no fundo. E é esta sensação de irresponsabilidade e de impunidade que faz com que o povo que pensa comece a perder a pachorra para isto. Se não há atitude, não há futuro. E é por estas e por outras que os resultados de eleições, um pouco pelo mundo fora, dão o que dão. Para o torto, claro…

Feliz Ano Novo