Na reportagem que publicou sobre a recente convenção autárquica do
PS-Madeira, o “JM”, um dos matutinos locais, dava conta da existência
de um clima de “euforia” entre os presentes e registava que, quer
Emanuel Câmara, presidente do partido, quer Paulo Cafôfo, candidato à
presidência do governo regional nas eleições do próximo ano, foram
recebidos em apoteose.
Porventura a justificar esse mesmo ambiente de optimismo, o mesmo
jornal, duas semanas depois, publicou uma sondagem, cujos resultados
davam o candidato do PS-M vencedor, face ao candidato do PSD-M e
actual presidente do governo regional, Miguel Albuquerque, com uma
diferença de quase seis pontos percentuais.
Câmara e Cafôfo não se têm cansado, aliás, de afirmar que o PS não só
pode ganhar as eleições de 2019, como as vai vencer.
A dez meses de distância dessas eleições, obviamente que é demasiado
cedo para poder ter certezas dessa natureza, até porque até lá
ocorrerão certamente acontecimentos, factos que poderão influenciar
decisivamente o desfecho desse acto eleitoral. Mas, é também evidente
que, nunca como agora, se assistiu a um grau de incerteza quanto a
esse desfecho, ao ponto de 2019 poder significar o fim da hegemonia
política “laranja” que dura há mais de 40 anos.
Nesse quadro são vários os cenários possíveis: perda da maioria
absoluta por parte do PSD-M, obrigando-o a partilhar o poder com outra
força política, até à perda desse mesmo poder para o PS-M, o que a
ocorrer significaria que, pela primeira vez, o poder político regional
mudaria de cor.
A este propósito, convém relembrar que nas eleições regionais de Março
de 2015 o PSD-M apenas elegeu mais um deputado do que a soma de todos
os outros parlamentares eleitos (24 contra 23). Então, se o resultado
tivesse sido o inverso, dada a dispersão de forças políticas
representadas na Assembleia Legislativa, a sua manutenção no poder não
teria estado em causa, mas em 2019 esse cenário pode-se alterar, e não
surpreenderia que, por exemplo, pudesse surgir uma espécie de
“geringonça” regional.
É, naturalmente, pela consciência de que esse longo reinado corre
sérios riscos que o PSD-M e o respectivo governo têm vindo a dar
crescentes sinais de inquietação e até de desespero.
Tudo começou há um ano quando vários membros do executivo foram
substituídos e simultaneamente o discurso político se alterou, quer no
plano interno, quer na relação com o poder central.
No plano interno recuperou-se a velha máxima do jardinismo, a apostar
no anunciar de novas obras públicas, invertendo-se por completo a
postura adoptada pelo anterior titular das obras públicas, Sérgio
Marques, para quem a aposta seria na manutenção do anteriormente
edificado e não no lançamento de novas obras, até porque, assumia-se,
não havia dinheiro para tal.
Com a entrada em cena de Pedro Calado tudo mudou. De repente, parece
que o governo regional teve acesso a poços de petróleo e vai daí toca
a anunciar obras um pouco por toda a Região. Ou seja, o lobby do
cimento e do betão voltou a falar mais alto. Nada que surpreenda,
sabendo-se de onde veio o vice-presidente do governo regional, mas a
gestão das finanças públicas é, devia ser pelo menos, coisa séria.
Para mais numa Região que foi sempre conhecida pela sua vertente
despesista. E, pior do que isso, pelo desbaratar de dinheiros públicos
em obras inúteis e megalómanas. E nesse particular o currículo de
Pedro Calado não é muito diferente da criatura que nos legou o PAEF da
Região. Se um deixou uma enorme dívida “oculta”, o outro contribuiu, e
de que maneira, para o elevado endividamento que caracterizou a gestão
autárquica do PSD/M na principal autarquia, a Câmara Municipal do
Funchal.
É, por isso, legítimo querer saber se a sucessão de anúncios de
dinheiro para isto, aquilo e aqueloutro que vêm marcando as últimas
semanas e que constarão da proposta de Orçamento para 2019 apresentada
pelo governo regional é, está, devidamente sustentada, ou se a sua
concretização não poderá representar uma nova aventura nas finanças
públicas regionais, com a repetição das consequências que daí poderão
advir e que importa não esquecer: desemprego, falência de empresas,
emigração, etc., etc.
Não está em causa a justeza de muitas das medidas anunciadas: redução
do preço a pagar pelas creches ou pelos passes sociais, ou ainda o
aumento do apoio aos bananicultores. Nem tão pouco o facto de,
finalmente, o PSD/M e o seu governo se terem lembrado – 9 anos depois
do governo da República! – que a inclusão dos cidadãos portadores de
deficiência ou de incapacidade temporária ou definitiva não é uma
questão de caridadezinha, de assistencialismo, mas de garantia de
direitos de cidadania e resolvido aplicar o SAPA (Sistema de
Atribuição de Produtos de Apoio), pondo termo, espera-se, às
famigeradas “ajudas técnicas”.
No plano externo, retomou-se o apontar de baterias a Lisboa por tudo e
por nada, tão ao gosto do “visionário” que virou “pastor” e
“escritor”. Ainda não chegamos à fase da culpa é da Maçonaria, da
Trilateral e quejandos, mas não se admirem que para lá caminhemos.
A linguagem trauliteira e insultuosa, essa, já assentou de novo
arraiais. Nada de surpreendente. O contrário é que seria de estranhar.
Ao fim e ao cabo, muitos dos protagonistas par(a)lamentares são os
mesmos do tempo áureo do jardinismo. Faziam parte da claque que se
entusiasmava com a eloquência do campeão português do insulto e
respectivos “muchachos”. Isto é, aprenderam com ele. Foi essa a sua
escola. Como também não surpreende que haja quem rasgue as propostas
da oposição. O dito cujo não fez o mesmo com um jornal?! Qual o
espanto? O ADN é esse. E como quem sai aos seus não degenera, a
propagandeada “renovação” fez igualmente questão de punir
correligionários por delito de opinião, de inaugurar um bloco de
obstetrícia no hospital e fechá-lo de seguida, de atribuir mais 20
milhões a um clube, o Marítimo, ao mesmo tempo que reduz as verbas
para o combate à pobreza e alega indisponibilidade orçamental para
consagrar um complemento social para os idosos que os Açores pagam há
mais de 10 anos. E, pelo meio, ainda houve tempo para anunciar a
contratação de 600 funcionários públicos, como se, não há muito tempo,
o então secretário das finanças, Rui Gonçalves, não tivesse assumido a
existência de funcionários a mais, bem como para Miguel de Sousa
apostar que vão haver mais dois campos de golfe – viva o “pugresso”!
Falta só dizer que Miguel Albuquerque não resistiu a sentenciar que
“quem manda, sou eu” (ele, claro) e a proclamar que “a luta continua”.
Ou seja, tudo como dantes!
Agora, confesso que me comovo, quando leio que um ex-secretário
regional assume que vai deixar para segundo plano os netos porque é
preciso enfrentar de peito aberto os “colonialistas, jacobinos e
estalinistas”. Normalíssimo, no respeito escrupuloso pela hierarquia
de valores da trilogia salazarista de “Deus, Pátria e Família”. Como
não posso deixar de me emocionar quando tomo conhecimento que o
outrora auto-intitulado “único importante”, não podendo estar presente
no lançamento de um livro do seu sucessor, não se esqueceu de mandar
uma mensagem. Aliás, já havia sido bonito de ver o actual inquilino da
Quinta Vigia no lançamento de um novo livro do seu antecessor.
Sobretudo depois daquela recusa em editar o primeiro. Não há nada mais
bonito do que assistir ao reconciliamento familiar. Principalmente
quando a casa corre o risco de arder.
É nessa linha que se inserem as notícias que dão conta das mudanças no
aparelho do partido da Rua dos Netos. Com jeito, há-de arranjar-se
lugar para todos. O problema é que por este andar não caberão todos. E
depois do que se passou nas últimas eleições internas e nas mais
recentes eleições regionais, e autárquicas, fica sempre a dúvida se o
penso rápido é suficiente para sarar todas as feridas. Entretanto, se
se confirmarem todas as notícias, faltará apenas saber que papel
estará reservado para o novel “escritor”. Discursará no próximo
congresso? Ou será figura de cartaz na Festa do Chão da Lagoa?
Uma coisa é certa: desta feita, o homem parece que se vai bater pela
causa. Bem sei que na ficção antevê a perda da maioria absoluta e até
o desaparecimento do partido, mas como articulista no sucedâneo do
“Jornal da Madeira” até já critica o chavismo – à tantas já não se
lembra que foi anfitrião do comandante Hugo Chávez – e apela ao
recenseamento dos emigrantes regressados da Venezuela, ao jeito
daquele a que recorreu no passado (“Ajudei-vos, ajudem-me agora”). A
redacção do presente artigo ia já a meio quando leio no
“independente” cá do burgo que há quem queira ver o dito cujo a fazer
campanha nas sucessivas eleições de 2019. E volta a aventar-se a
possibilidade do mesmo ser a aposta nas listas para o Parlamento
Europeu. E pese embora a criatura já ter rejeitado essa eventualidade,
não seria a primeira vez que daria o dito pelo não dito. De resto,
convém não esquecer que há um processo em que é arguido que aguarda
julgamento, pelo que daria certamente jeito poder agarrar-se de novo à
protecção da imunidade parlamentar…
Esta tentativa de responsabilizar Lisboa (leia-se governo da
República) por todos os problemas que enfrenta a governação regional
deu, como é sobejamente conhecido, frutos no passado.
Resta saber se um eleitorado que, a partir das eleições autárquicas de
2013, conseguiu de alguma maneira libertar-se da canga a que esteve
submetido durante mais de 30 anos, já amadureceu suficientemente para
não se deixar levar por uma estratégia (a do poder regional) que desse
modo e simultaneamente procura escamotear as suas próprias debilidades
e responsabilidades.
Debilidades e responsabilidades que estão à vista. E cujo exemplo mais
paradigmático e ao mesmo tempo vergonhoso é, porventura, os números da
pobreza, revelados elo INE, bem recentemente. Números que espelham bem
como a tão propagandeada “Madeira Nova” deixa muito a desejar sob o
ponto de vista humano. E atentam inequivocamente que a alegada aposta
no social, propagandeada por sucessivos governos regionais, não teve a
correspondente concretização prática.
Em todo o caso, para quem ambiciona conquistar a governação regional,
julgo que importa que não prevaleça a imagem que a República
obstaculiza o encontrar de soluções para esses mesmos problemas.
E, por outro lado, não basta acusar o governo regional de adoptar
agora medidas já postas em prática por autarquias lideradas pelo PS,
ou de que o faz para procurar evitar que o seu candidato Paulo Cafôfo
possa ganhar as próximas eleições regionais.
Ou, ainda, limitar-se a identificar problemas, sem apresentar as
correspondentes soluções.
Percebe-se que o PS procura, acima de tudo, reproduzir no plano
regional, o êxito da candidatura de Paulo Cafôfo à Câmara Municipal do
Funchal, de modo particular a verificada em 2017. E a avaliar pela
totalidade dos indicadores revelados pela sondagem a que fizemos
referência, esse poderá ser um factor determinante. E nesse aspecto
convenhamos que o PSD/M, mas não só, não se tem cansado de publicitar
o seu nome, o que, por regra, é o reconhecimento de um incómodo e
também um sinal de fraqueza. Mas, enfim, eles lá sabem…
A esta receptividade junto do eleitorado, não me parece que ajude o
desconhecimento, certamente propositado, que o autarca funchalense
revelou ao ser questionado pelo Ministério Público sobre o processo
que envolve a queda da árvore, por ocasião da Festa do Monte, em
Agosto de 2017. Que até poderá revelar-se desastrado se, porventura,
vier a ser constituído arguido. E nesse eventual cenário, quais os
efeitos, é a dúvida que se colocará.
*Por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
Post-scriptum: 1) O vírus continua: 40 anos depois do fim do
franquismo, a extrema-direita reconquista espaço em Espanha. A
circunstância do respectivo partido, Vox de seu nome, ter conseguido
eleger mais de uma dezena de deputados nas recentes eleições
autonómicas na Andaluzia representa um acrescido sinal de inquietação,
dada a proximidade geográfica com o nosso país, mas igualmente face às
eleições europeias de Maio de 2019.
2) Zona Franca: Pelo que se sabe, a Comissão Europeia não se deu por
satisfeita com as explicações que foram dadas sobre o prolongamento da
concessão ao Grupo Pestana e continua a investigar a atribuição de
benefícios fiscais a empresas por parte da mesma. Por isso, em vez de
se falar tanto em defesa da Zona Franca, já era tempo de todos estes
processos serem tratados de forma transparente para que não suscitem
dúvidas, nem suspeições.