O que significa a privatização da TAP?

Fala-se de uma nacionalização da TAP como se fosse um tipo de reposição da verdade ou algo moralmente necessário. Não podia estar mais longe da verdade, na minha opinião, e à luz de factos bem claros e livres de ambiguidade.

Em primeiro lugar a privatização é que foi a reposição da verdade. Os Transportes Aéreos Portugueses foram criados em 1945 como empresa estatal, pela mão de Humberto Delgado, com uma frota composta de excedente americano da Segunda Guerra, normal numa altura em que o transporte aéreo de passageiros estava longe de ser um negócio esclarecido. Era sobretudo um meio para ligar os territórios do Império por via aérea (desafio técnico de valor inestimável), estando as rotas algo limitadas fora da lusofonia, e também pelo investimento modesto em aeronaves. Entre os primeiros onze pilotos formados em Inglaterra estava o Comandante Marcelino, conhecido pelos voos de certificação do aeroporto da Madeira e por ser o piloto do voo desviado por Palma Inácio em 1961 para despejar milhares de panfletos anti-Salazar em voo rasante por cima da estátua do Marquês de Pombal.

A companhia tomou vigor em 1953 com a privatização, e partir daí começou-se a crescer, adquirindo aeronaves novas, e expandindo as rotas. Foi a “Época de Ouro” da TAP, passando dos obsoletos aviões de pistão a hélice aos Boeing 747.

Os (na altura ainda) Transportes Aéreos Portugueses foram nacionalizados no tempo do Governo Provisório de Vasco Gonçalves a 16 de março de 1975. Até então era totalmente privada, contando como principal acionista o grupo CUF (hoje Grupo José de Mello). Estava na bolsa, dava lucro e até chegou a haver distribuição de dividendos pelos funcionários. Foi uma vítima da vaga de nacionalizações que absorveu um terço da economia nacional. Um efeito desastroso nas contas da TAP foi a perda de tráfego nas rotas ultramarinas, sem dúvida. No dia da independência de Angola, quando Luanda andava aos tiros e os portugueses temiam pela vida, o governo decidiu enviar um Boeing 747 cheio de dignatários à cerimónia oficial, o que motivou a demissão de pilotos que se opuseram a semelhante empreendimento por motivos de segurança. O avião regressou a Lisboa a meio do voo, felizmente (ler o livro escrito pela Rita Tamagnini “Aeronauta – Entre o céu e o mar, TAP 283 “, a biografia do comandante Brás de Oliveira falecido este ano).

Depois veio o Verão quente, e só a 25 de novembro o país regressou “à terra”. Menos a TAP, amplamente infetada pela politização. Muitos episódios na TAP infelizes depois disso: funcionários a invadir a pista em Lisboa para obrigar gestores incompetentes a desembarcar, manifestações a resultar na vandalização de uma aerogare, etc. Mas, ao contrário da banca, jornais, e indústria, a TAP não voltou a ser privatizada nos anos 80. A TAP foi tão bem gerida na mão do Estado, que mesmo numa posição de monopólio, foi um buraco financeiro ao longo de duas décadas e meia, excetuando-se apenas 1997 e 1998. Pelo caminho serviu interesses políticos, como a linha de Macau (desastrosa financeiramente desde o dia 1), e de frota VIP.

Desde 2000 até à privatização de 2015 as contas passaram a andar abaixo e acima do resultado nulo, sobrevivendo a dois momentos críticos: a operação anti patriótica de privatização pela Swissair (quase se pode dizer que a TAP foi a única companhia aérea beneficiada pelo 11 de Setembro, prego no caixão da transportadora suíça e nas suas aspirações de crescimento desastrosas, que levaram a Sabena também à falência); e a tentativa falhada de alguns em fazê-la regressar aos tempos primitivos da política no ar (em 2002).

Uma das maiores críticas apontadas a Salazar é o isolacionismo “orgulhosamente sós”. Poder-se-á com alguma confiança dizer que, 50 anos após a queda do Estado Novo alguns hábitos dessa era persistem na mente dos portugueses, muitos deles nascidos depois do 25 de abril. Refiro-me a cidadãos instruídos, viajados, e ávidos devoradores de história e de informação global numa era de imprensa livre.  Enaltecem-se as virtudes de uma companhia de “bandeira nacional”, enquanto se que fazem ouvidos de mercador ao facto de que a Lufthansa, AirFrance, British Airways, Iberia, KLM, Aer Lingus, SAS, Brussels Airlines, são totalmente privadas – algumas na bolsa – ou de capital maioritariamente privado, com gestão profissional.  Entre as companhias maioritariamente de capital público encontra-se a CONVIASA (Venezuela), Malaysia Airlines, Aeroflot, Emirates (porque há dinheiro a rodos), TAAG (Angola) e a LOT (polaca, teve graves problemas pelos subsídios públicos que recebeu, a fazer uma expansão de motivação política).

O que era a TAP (sem o AIR) Portugal na véspera da privatização em 2015?

  • Companha barrada de injeção de capital público (empréstimos reembolsáveis a juros altos, apenas);
  • Não recebia um avião novo de fábrica desde 2009, com idade média da frota a rondar os 14 anos;
  • Subsidiária regional Portugália a voar seis Fokker 100 com mais de 20 anos, e oito pequenos Embraer 145 com mais de 15, a necessitar de renovação imediata;
  • Tesouraria nas lonas;
  • Estratégia de alienação de ativos para obter financiamento. Operação de “sale e lease-back” da frota de aviões Airbus A340 à banca, por exemplo.

Logo que foi assinada a privatização a TAP fez uma encomenda à Airbus – “firm order” sinalizada com milhões de euros – de 53 aeronaves novas. Ao presente dia foram recebidos três aviões novos de fábrica (um Airbus A320neo, dois A321Neo), espera-se receber três A330-900 ainda este ano, modelo novo que foi certificado esta semana. Chegaram, entretanto, quatro A330-300 ex-Singapore (um deles o espetacular “retro”), tendo saído apenas um dos A330-200 mais antigos que se aproximava dos 20 anos de idade. Foram incorporados dois A321 (muito frequentes aqui na Madeira, ex-Vueling e ex-Iberia), e dois emprestados pela Aigle Azur (A320 e A319).  A TAP repôs a ponte Lisboa-Porto, contratando a portuguesa White Airways. Neste momento a TAP opera 71 aeronaves, o dobro do que tinha ao virar do milénio. Somam-se os 13 Embraer 190 e 195 da Portugália (idade média de 5 anos quanto integrados na PGA) e os 8 ATR72 da White, todos operados sob a marca “TAP Express”.  Total: 92 aeronaves a fazer permanentemente voos TAP.

Uma das grandes razões pelas que a TAP sobreviveu a 40 anos de repetidas violações, gestões danosas, foi o amor que os funcionários, pessoal da limpeza, tripulantes, handling, mecânicos, etc., tinha e sempre teve à aviação, personificada numa “família” TAP. É das poucas empresas em Portugal em que os funcionários se orgulham de lá trabalhar e se emocionam ao ver os logótipos antigos.

Os aviões voam pelas leis da aerodinâmica, as asas geram sustentação conforme o princípio de Bernoulli para vencer a força da gravidade. O “metal” paga-se em milhões de dólares, e sai do chão consumindo JET A1. As companhias sobrevivem com receita de quem paga. O resto é conversa.

Deixem a TAP Air Portugal voar.